sábado, 25 de junho de 2011

O Continente do Rio Grande - Estancieiros e Peões

No sul do continente americano, o gado foi introduzido pelos jesuítas espanhóis em suas missões religiosas às margens do rio Uruguai. Com os ataques realizados pelos bandeirantes paulistas apresadores de indígenas, as missões foram destruídas e o gado ficou solto pelos pampas, os campos do "Continente". Esse rebanho reproduziu-se rapidamente, passando a viver em estado selvagem.

No final do século XVII e início do século XVIII, os paulistas começaram a se interessar por esse gado. A necessidade de carne e couro para abastecer a região mineradora incentivou o deslocamento para os campos do sul. Formaram-se duas correntes de penetração: uma pelo litoral, a partir de Laguna, e outra pelo interior, percorrendo os campos do planalto que unem Curitiba ao Sul.

Ao contrário do sertão nordestino, o sul apresentava condições muito favoráveis à criação: relevo plano, pastagens de boa qualidade, clima ameno e um grande número de rios e riachos. Nas extensas planícies do Continente do Rio Grande a pecuária desenvolveu-se rapidamente. Nem os conflitos com os índios, nem os problemas de fronteiras entre portugueses e espanhóis conseguiram deter sua expansão.

Desejando garantir a posse do território, numa região submetida a constantes lutas fronteiriças, a Coroa portuguesa distribuiu muitas sesmarias, o que determinou a concentração de terras nas mãos de alguns poucos colonos. Formaram-se imensas propriedades: as estâncias.

Como no sertão nordestino, também no Sul uma sesmaria deveria ter três léguas (cada légua corresponde a 6600 metros). No entanto, esse limite nem sempre foi obedecido. Algumas chegavam a alcançar mais de vinte léguas. Os colonos acabavam ganhando muito mais, porque pediam terras em nome dos filhos. Alcides Lima, em "História Popular do Rio Grande do Sul", relata que um observador próximo dos acontecimentos escrevia em 1808: "Requeriam-se sesmarias não só em nome próprio, mas no das mulheres, filhos e filhas, de crianças que ainda estavam no berço e das que ainda estavam por nascer". No final do século XVIII já havia mais de 500 estâncias na Capitania do Rio Grande de São Pedro, atual estado do Rio Grande do Sul.

Nas estâncias o rebanho vivia solto e sem grandes cuidados. Como nas fazendas do Nordeste, não havia serviço permanente para a maioria das pessoas. Os peões pastoreavam o gado sob as ordens do capataz. Eram trabalhadores livres, brancos, índios ou mestiços, sempre prontos a se defender de ataques dos espanhóis, dos índios não submetidos, dos contrabandistas e dos ladrões. É essa a origem do gaúcho, misto de vaqueiro e soldado, sempre montado a cavalo.

Em caso de necessidade, como por ocasião da inspeção, marcação e castração do gado, eram recrutados peões extras entre a população nômade que circulava na campanha.

No início do século XIX, o viajante Saint-Hilaire dizia: "A pecuária nesta região pouco trabalho dá. O único cuidado que reconhecem necessário é acostumar os animais a ver homens... a fim de que não fiquem completamente selvagens, deixem-se marcar quando preciso for e possam ser laçados os que se destinarem ao corte ou à castração. Para tal fim o gado é reunido, de tempos em tempos, em determinado local. A essa prática chamam "fazer o rodeio" e ao local onde prendem os animais dão o nome de rodeio".

O rodeio, realizado duas vezes por ano, era dia de diversão. Nele não faltavam as carreiras de cavalos, o churrasco e o chimarrão, até hoje elementos incorporados aos costumes do Rio Grande do Sul.

Inicialmente a principal atividade era a produção de couro, exportado em grande escala. Freqüentemente abatia-se o animal apenas para tirar-lhe a pele. Como no sertão nordestino, também para o gaúcho o couro foi muito importante, a ponto de o historiador Capistrano de Abreu afirmar que no sul também houve uma "época do couro".


As Charqueadas

Com o surgimento da indústria do charque modificou-se esse quadro. As charqueadas permitiram o aproveitamento da carne até então sem valor de mercado. A primeira charqueada foi realizada em 1780, pelo cearense José Pinto Martins, nas margens do rio Pelotas. As instalações eram simples constando de um galpão onde se preparava e salgava a carne e dos secadores ao ar livre.

As charqueadas representaram uma verdadeira revolução no panorama pastoril do Rio Grande do Sul, integrando a região ao abastecimento das populações coloniais, principalmente da região mineradora. No final do século XVIII a indústria do charque conheceu rápido desenvolvimento. Em 1797 a capitania já exportava 13 mil arrobas (cada arroba corresponde a aproximadamente 14,7 kg de charque). A carne era enviada ao Rio de Janeiro, Bahia, outros portos do litoral e até exportada para Havana, em Cuba.

Enquanto na atividade criatória os trabalhadores eram homens livres, como no sertão nordestino, nas charqueadas o escravo negro foi usado com freqüência. A capitania do Rio Grande foi considerada o "inferno dos negros", pois lá tratavam os escravos rudemente, como bem retrata a lenda do Negrinho do Pastoreio.

No final do século XVIII, as diversas regiões da Colônia estavam ligadas entre si pelos "caminhos do gado". Avançando por quase toda a extensão do território, o gado abriu caminhos que formaram as bases de muitas ferrovias e rodovias. Criou-se um mercado interno, promovendo-se intenso comércio: gado e escravos do Nordeste e reses e mulas do Rio Grande do Sul. Apesar de ter sido uma atividade secundária, a pecuária desenvolveu o mercado interno, possibilitando que a maior parte dos lucros gerados por ela ficassem na Colônia.

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Próxima edição: As charqueadas - Surgimento e importância econômica

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9 comentários:

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Olá, Cóvis,
Você é gaúcho? ou o quê? rsrs
Conheço um pouquinho desse lindo pedaço do nosso sul. Em muitos aspectos, a história de sul e nordeste se assemelham. Meu irmão, sempre fala, com orgulho, que foi um cearense que "inventou" o charqueado co Rio Grande. Mas, a Ong Viva o Charque-Pelotas, na internet, afirma que Pinto Martins, que durante muitos anos foi considerado cearense, era português. Vivera anos no Ceará, Aracati, mas foi para o Sul "tentar melhor vida"...
Já Capistrano de Abreu, esse sim, é cearense, com ceretza.
Gostei muito da postagem. Aqui, come-se muito carne de charque, feito paçoca, socada no pilão, com farinha de mandioca e cebola roxa crua. Fiz uma postagem - O Pilão da Bisa - sobre o café e a paçoca.

Amanhã, domingo, ouvirei melhor, o CD que o pombo- correio trouxe.
Bom domingo
Beijos

Quasímodo disse...

Sou gaúcho sim, amiga Lúcia. Nascido no interior de Lagoa Vermelha.

Você tem razão,em parte, quanto à José Pinto Martins, e em respeito à seu comentário, antecipo um trecho da próxima postagem sobre as charqueadas (ou saladeiros como também eram chamadas). A fonte é a Wikipédia:

José Pinto Martins, português nascido na freguesia de Meixomil, concelho de Paços de Ferreira, distrito do Porto, na região de Entre-Douro-e-Minho, é considerado um dos fundadores de Pelotas, município brasileiro do estado do Rio Grande do Sul. Faleceu em Pelotas em 18 de junho de 1827, perto dos oitenta anos de idade.

Tinha vivido no Ceará, em Aracati, onde exercia a profissão de fabricante de carne-seca, até 1777, quando, perto dos 30 anos de idade, motivado por uma grande seca - a Seca dos tres setes -, e buscando melhor sorte, mudou-se para a vila do Rio Grande. O vento, levantando a areia fina que toldava a carne colocada para secar, impediram-no de prosperar em seu negócio em Rio Grande. Dirigiu-se, então, à freguesia de São Francisco de Paula, atual Pelotas, e instalou em 1779 sua charqueada com caracteristicas de uma proto-industria à margem do arroio Pelotas.

Retribuo os votos de um bom domingo.

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Oi, Clóvis, agora sim, tudo bem
explicadinho...pena, não poder chamá-lo de "portuga", mas tanto faz, é um "brasuca" como diz aquele nosso amigo, meio portuga, meio goês (é ele quem diz...).
Vi a postagem do Juca e Cusco, até agora estou rindo do lindo canino agauchado, de bombacha e tudo rsrs.
Beijos

Quasímodo disse...

Lúcia, amiga.

E quem disse que também não tenho lá na terrinha de além-mar as minhas orígens? Veja a postagem: http://letrasdatorre.blogspot.com/2009/08/figueiredo.html

Posteriormente a Luzia, uma amiga de Lisboa, ao passar pela região, parou o carro e desceu para fotografar o lugarejo.

Abraço.

Gilead Maurício disse...

E o gado deixado pelos espanhois foi considerado reiuno, ou seja, pertencente ao rei. A história é a mesma, aqui, alí e acolá.
Ótimo texto.

Gilead Maurício disse...

E o gado deixado pelos espanhois foi considerado reiuno, ou seja, pertencente ao rei. A história é a mesma, aqui, alí e acolá.
Ótimo texto.

Gilead Maurício disse...

E o gado deixado pelos espanhois foi considerado reiuno, ou seja, pertencente ao rei. A história é a mesma, aqui, alí e acolá.
Ótimo texto.

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Oi, Clóvis, que linda postagem, a das origens. Fui lá e comentei,
falando um pouco da minha(paterna)-
Oliveira e Paiva, portuguesas, com toda a certeza...
Amo, esse tema!
Beijos

krika disse...

Amigo, afilhado ,gaúcho..Que mais?
Sempre nos informando sobre sua região...BAH!
Beijos uái...

 
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