sexta-feira, 15 de julho de 2011

O Continente do Rio Grande - Charqueadas - surgimento e importância econômica

Escravo de saladeiro me dói saber como foi

Trabalhando o dia inteiro sangrando o mesmo que o boi
A faca que mata a vaca o coice o laço que vem
O tronco a soga e a estaca tudo é teu negro também

(A dor do charque é barata o sal te racha o garrão
É fácil ver tua pata na marca em sangue no chão
O boi que morre te mata pouco a pouco meu irmão)

Pobre negro sem futuro touro olhando humilhado
O teu braço de aço escuro sustentou o meu estado
Já é hora negro forte que os homens se dêem as mãos
E se ouça de sul a norte que somos todos irmãos

(Letra da música "Escravo de Saladeiro" de Neto Fagundes)

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O gado foi a base da economia gaúcha durante um longo período da história do Rio Grande. Introduzido pelos jesuítas, atraiu os tropeiros que vinham de São Paulo e Minas para buscar gado e levá-lo para aquelas províncias. Serviu, também, de esteio para a fixação de habitantes, na medida em que permitiu uma atividade econômica para os estancieiros que aqui se fixaram.


Essa base seria ainda mais consolidada com o surgimento das charqueadas. Elas iriam produzir o charque, um produto que era a base da alimentação de escravos em todo o Brasil. E, com essa produção, trariam riqueza à região de Pelotas, que se tornou uma espécie de "capital cultural" do Estado.

As charqueadas começaram a surgir na região de Pelotas em torno de 1780. Anteriormente, o charque já era produzido no sul do continente, mas de maneira artesanal e em pequena escala. No entanto, uma série de secas sucessivas no Nordeste, onde estava concentrada a maior produção de charque do país, criou uma oportunidade para o produto gaúcho. E o charque começou a ser produzido em maior escala.

Opulência

A partir desse momento, a produção de charque se tornou o centro da vida econômica da região de Pelotas. As charqueadas estavam situadas ao longo de rios que facilitavam o transporte para o porto de Rio Grande - de onde o charque seguia para o Rio e outros portos brasileiros. Com o dinheiro gerado por elas, Pelotas se transformou. Essa renda permitiu que surgisse um grupo de famílias ricas e que cultivavam hábitos sofisticados.

Em 1835, Wolfhang Harnish descrevia a cidade de Pelotas como um local de opulência extrema: "... já funcionam 35 charqueadas nos arredores da cidade... A riqueza que trazem é fantástica... Esses milionários pelotenses bem que poderiam ter vivido no Rio ou em Nice ou ainda em Paris, poderiam ter concorrido com os fidalgos russos no luxo e na dissipação de Monte Carlo".

Miséria

A contraparte dessa opulência eram as próprias charqueadas, onde os enormes grupos de escravos eram submetidos a um trabalho exaustivo. E, como estavam reunidos em grupos muito grandes, os senhores adotavam a política de extrema intimidação para mantê-los obedientes. As charqueadas eram verdadeiros "estabelecimentos penitenciários", como bem as descreveu o francês Nicolau Dreyf, no livro "Notícia Descritiva da Provincia de São Pedro do Rio Grande do Sul".

Parte desse tratamento brutal dado aos escravos se devia ao interesse econômico: quanto mais produzissem, mais seus donos lucravam. Outra parte, entretanto, vinha do medo: com uma enorme população escrava, Pelotas era, potencialmente, um foco de rebeliões. Por isso, ao menor sinal de revolta eram tomadas providências drásticas. Para que se tenha uma idéia do tamanho da população escrava de Pelotas: existiam ali, em 1833, 5.169 escravos, 3.555 homens livres e 1.136 libertos.

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Essas forquilhas recebem varões transversais destinados a estender a carne seca no tempo das charqueadas.


Ao lado desses secadouros existe o edifício onde se salga a carne e onde é construído o reservatório, denominado de tanque".Não obstante a violência e os métodos relativamente primitivos usados pelas charqueadas da região de Pelotas, elas foram capazes de sobreviver e gerar lucros consideráveis até o final do escravismo. A partir de então, enfrentaram dificuldades cada vez maiores e terminaram por se extinguirhttp://www.charqueadasaojoao.com.br/hitoria.htm
 
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 Próxima edição: A influência das charqueadas na Revolução Farroupilha.

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3 comentários:

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Demorei, mas cheguei, amigo.
Estava aguardando, anciosa, a charqueada já anunciada...
Quanta parecença, com o que o que ocorria pras bandas de cá, no
Norte, assim chamado, naquela época, quanto ao tratamento humilhante com os escravos.
Como aprendi, hoje, sobre esse trabalho "artesanal", primitivo até, diria...O poema, é belíssimo, tocante.
Voce fala das secas, no Nordeste. Em breve falarei da cacimba da Dona Mariquinha (outra bisavó minha), que se manteve com água abundante, na seca de 1877-1879, porque ela não negava água a ninguém..."Era voz corrente", dizia meu pai.
Clóvis, voce conta de uma forma brilhante esses fatos, costumes, tão arraigados, no inconsciente popular, mas que poucos passam adiante.
Amei!

Um abraço

Quasímodo disse...

Amiga Lúcia;
Convencionou-se por aqui não se explorar muito a escravidão no RS, tanto que raramente nas escolas é ensinada essa página da nossa história, como se ela não tivesse existido. Mas existiu sim, tão ou mais degradante como no resto do País. Vale lembrar a lenda do Negrinho do Pastoreio, os escravos dos saladeiros e os "Lanceiros Negros" que formaram uma tropa de valentes ao lado dos Farrapos e que, por fim, foram emboscados e exterminados, segundo alguns historiadores, por traição dos chefes farrapos como parte do acordo de paz.
Quanto à cacimba de Dona Mariquinha, há uma história semelhante na origem do nome da cidade de Lagoa Vermelha, no RS, que contei aqui numa antiga postagem.
Se quiseres dar uma olhada, o link é: http://letrasdatorre.blogspot.com/2008/11/lenda-da-lagoa-vermelha-e-outros.html

Obrigado pela visita, amiga. Um abraço.

Dalinha Catunda disse...

Amigo,
O poema é forte e marcante.
Interessante a história da charqueada e mais interessante esta sua troca de informações com minha amiga Lúcia.
Gostei do seu espaço, uma boa fonte, onde posso provar de novas informações.
Um abraço,
Dalinha

 
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