domingo, 3 de novembro de 2013

Divagações Metafísicas. (ou entenda como quiser)


Eis que da luz lilás, fugaz e efêmera, chispam fótons aleatórios. Alguns encontrarão morada em corações. Outros se perderão no éter, prosseguindo a minha saga de ânsias. Mas é o meu coração que vai, despedaçado em bilhões de anos luzes, como na conspiração cósmica da grande explosão, que, segundo a ciência, tudo gerou. Hoje sou eu quem gero. Gero segundo os meus princípios e meu próprio entendimento. É meu coração que explode; sou eu quem explodo. Tenho e me dou o direito, neste derradeiro gesto, de escolher a direção a que lanço o sal de minha boca, o sangue do meu corpo e o amor de minha alma.

Como Pessoa sento-me à janela a acendo um cigarro. E impessoalmente penso que a fumaça que se dissipa no ar, sou eu que me esvaio. A fumaça também faz sombras que embaça a luz do meu coração que explode. Sou também feito de sombras. Antagonismo cruel do que fui feito. Antagonismo cruel do que me morro. Antagonismo cruel do que vivi.

Nada mais deixo de herança a não ser a contradição. Minha única herança é o antagonismo de que fui feito. Minha luz e minha sombra é o que deixo.

Não pisem nos meus rastros porque eles foram gravados na terra pelos meus tropeços. Tatuem na terra as marcas de seus próprios passos trôpegos. E sobretudo errem. Não voluntariamente como se buscassem o erro. Errem o erro consciente de quem tentou encontrar o caminho certo e que, por descuido, se desviou da trilha.
(Ah, sou eu a dar conselhos!... Não os sigam.)

Criei filhos que não gerei. Amei e odiei com tanta intensidade que hoje não sei mais a quem odiei e a quem amei. E isso nada mais importa.

Plantei árvores de cujos frutos jamais comerei. Fiz versos que ninguém recitou. Removi pedras de um caminho que ninguém mais irá trilhar.

Acendo outro cigarro. O último do maço. Vejo a fumaça subindo em espiral e se perdendo, através da janela na noite escura. Me fundo com a fumaça. E na noite escura, com ela me volatizo.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Os Herdeiros do Contestado


Tu falas, em teu artigo, que o terceiro monje - José Maria - foi um desertor do exército e tinha antecedentes criminais. Podes me informar qual a fonte em que fizestes a pesquisa?

Valeu pelo artigo.Fico no aguardo.

1 de setembro de 2010 13:47

Foi com este questionamento, sutilmente reprobatório nas entrelinhas, que conheci Gilead Maurício. Ele se referia a um texto, publicado no “Letras da Torre” em 28 de Novembro de 2009, em que reuni algumas informações sobre a Guerra do Contestado, conflito envolvendo caboclos e forças militares a serviço dos coronéis de então, tendo como palco, o meio-oeste do estado de Santa Catarina.

Na época eu pesquisava sobre outro fato que também teve grande influência na constituição e formação do meio oeste e oeste de Santa Catarina: os balseiros do Rio Uruguai. Ambos os fatos, a Guerra do Contestado e o comércio e transporte de madeiras através do Rio Uruguai, se entrelaçavam em alguns momentos, geográfica, histórica, sociológica e temporalmente. A guerra, de 1912 a 1916 e a atividade balseira logo a seguir, entre 1918 e 1965. A exploração extrativista e destrutiva das árvores nativas existentes na região está presentes nos dois casos.

O texto sobre a Guerra do Contestado foi, portanto, uma inserção periférica ao objetivo da minha pesquisa, pois encontrei várias referências a ela durante entrevistas que realizei nas localidades que sofreram a influência da exploração da madeira.

Respondi ao Gilead no mesmo espaço do blog, citando a fonte (que já constava do texto) e acrescentei algumas observações pessoais. A partir daí passamos a trocar informações de forma mais ou menos constantes. Foi assim que fiquei sabendo que ele preparava uma expedição ao meio oeste catarinense com o intuito de resgatar, no que fosse possível, a história do Contestado. Não se contentava em pesquisar fontes bibliográficas, queria conhecer a região, falar com pessoas, sentir na pele.

E isso ele fez, no lombo de uma motocicleta. Curiosamente o mesmo meio que usei para obter informações sobre os balseiros. Minhas expedições eram, no entanto menores e pontuais. Limitei-me a percorrer comunidades ao longo da margem direita do Rio Uruguai, desde Itá até São Miguel do Oeste, passando pelo Goio-en, um dos locais de montagem e partida das balsas e cenário da estória que, mais tarde, eu viria a contar. Também estive nas comunidades indígenas de Sapé-Ty-Kó no Distrito de Água Amarela, município de Chapecó e na reserva indígena de Xapecó, no município catarinense de Ipuaçu.

A expedição do Gilead foi mais ampla. Partindo de Florianópolis ele percorreu o Planalto Serrano até a região do conflito, no meio-oeste catarinense, visitando lugares, falando com pessoas, sentindo o clima.

Na minha infância, no interior de Lagoa Vermelha - RS, e lá já se vai mais de meia década, eu escutava, nas rodas de mate, os mais velhos falarem de um tal de São João Maria, muito benzedeiro e curador de várias moléstias, inclusive do gado e outros animais.

Alguns o chamavam de Jujo Idéia, mas não sei se a referência era à mesma pessoa. O fato é que um nome e outro eram pronunciados com respeito e, às vezes, devoção e esperança.

Quase nessa época o cantor gaúcho, José Mendes, em uma canção chamada “Homenagem à Lagoa” dizia nos versos, que ouviámos no rádio e repetíamos distraidamente:

Lagoa Vermelha cidade sulina
Divide o Rio Grande e Santa Catarina
Lá existe uma água que corre da bica
Quem bebe esta água por lá ele fica
A água é clara como a luz do dia
Dizem que foi benta por São João Maria
O velho profeta milagres fazia
Mataram três vezes mas nunca morria

Gilead Maurício remexe nessa história, no seu recente livro, “Morte ao Caboclo”, fruto da sua expedição, de maneira singular. Transcrevo a sinopse do livro extraído do Site Livrarias Curitiba - http://www.livrariascuritiba.com.br/morte-ao-caboclo-aut-catarinense,product,LV324220,3153.aspx – onde o livro pode ser encontrado:

Que tal uma viagem de motocicleta pelos lugares onde aconteceu a Guerra do Contestado? Alem da aventura, você ficará sabendo em detalhes o que foi esse conflito que matou milhares de brasileiros na segunda década do século passado. Com uma linguagem despojada, Gilead Maurício mostra neste livro quem eram os sertanejos que enfrentaram o Exército Brasileiro e deram seu sangue por uma causa. Suba na moto desse jornalista potiguar radicado em Santa Catarina e descubra a quem interessava o conflito armado. Saiba qual o foi o papel dos políticos, dos empresários, do clero católico e da imprensa nessa guerra fratricida.

Por que a Guerra do Contestado não tem o destaque que tem a Guerra de Canudos? Ora, é fato que em termos de grandeza a segunda não foi metade do que foi a primeira. A quem interessava esconder os fatos? É verdade que tudo começou com um movimento religioso em torno de um monge e terminou em um massacre de caboclos abandonados pelo poder público? Ou o Contestado não passou de uma revolta camponesa que contrariava a lógica capitalista imposta com a proclamação da República?

Com uma dose de humor e uma ponta de poesia, o escritor te levará por caminhos esquecidos ao longo da história, e no fim restará apenas uma pergunta: o que mudou?

Eu recomendo. Não só porque Gilead Maurício é hoje meu amigo, mas porque ainda não encontrei a resposta para a pergunta: “O que mudou?...

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terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A Euglossini "Spartacus Nutrillis"



Uma Euglossini, também chamada abelha das orquídeas

Esta história é verdadeira e aconteceu mais ou menos assim:


Durante um recente curso sobre Meliponicultura (abelhas nativas sem ferrão) que eu e minha esposa Marta fizemos, aprendemos sobre os diversos gêneros de Meliponinis existentes.


Assim, tivemos que começar a nos familiarizar com alguns nomes como Tetragonisca angustula, Plebeia droryana, Scaptotrigona, Frieseomelitta varia, Melipona rufiventris, Melipona quadrifasciata, só para citar as mais comuns dentre nós.


Claro que, como marinheiros de primeira viagem nesse mar de nomes esquisitos, tivemos dificuldades em associar o nome científico com os bichinhos que conhecíamos como jataí, mirim, uruçu, mandaçaia...


Eis que, durante um manejo prático, em que aprendíamos como transferir um enxame de uma caixa rústica para outra, padrão racional, uma abelhinha verde pousou na ponta da mesa em que laborávamos, possivelmente uma Euglossini.


Alguns alunos mais próximos e, de certa forma alheios às explicações do professor, notaram a presença dela e começaram a especular...


Lembrei-me de um livro que estava lendo lá na roça, nas horas vagas da noite, sobre a revolta dos escravos romanos e falei, com ar professoral:


- Essa é uma Espartacus Nutrillis...


A Marta, que não perde oportunidade para espichar uma estória inverossímil, complementou de pronto:


- O pai do Clóvis criava essas abelhas lá no Rio Grande do Sul.


A curiosidade aguçou-se:


- Verdade?... E dá mel?...


A partir daí travou-se um debate nestes moldes:


(Colega) – E seu pai não cria mais?


(Marta) – Não. Foi proibido.


(Colega) – Ela é bonita, brilhante, metálica...


(Eu) – É que ela é originária da Trácia, e tem essa coloração para se camuflar nos brilhantes escudos dos soldados romanos...


(Colega) – E como ela veio parar aqui, em Pindamonhangaba?


(Marta) – É uma longa história. Conta “preles” Clóvis!


(Colegas) – Conta... conta...


(Eu) – Bom... Foi assim: Essas abelhinhas viviam felizes na Trácia, buscando seu néctar nas montanhas da Cordilheira do Haimos e trazendo água do mar Egeu até que o Império Romano dominou toda aquela região. Foi aí que elas adquiriram o seu tom metálico, para brilharem junto com o brilho dos escudos e dos elmos dos soldados romanos e assim, camufladas, passarem despercebidas das Apis mellifera ligustica, as abelhas italianas, que vieram juntas com os soldados.


(Colegas) – E o que aconteceu depois?


(Marta) – O Império Romano dominou toda aquela região, e fez dos Trácios seus escravos e as Ligústicas fizeram suas escravas as Espartacus Nutrillis, para servirem-lhes como amas de leite, por isso o seu sobrenome “Nutrillis”...


(Colegas) – Ohhhh!...


(Eu) – Depois de feitas escravas, as Spartacus foram levadas para Roma, juntamente com os prisioneiros; homens, mulheres e crianças trácios, para servirem a seus senhores: os humanos aos Senadores, Consules e Pretores, e as abelhas às Ligústicas...


(Um colega de Minas) – Côisdiloco!...


(Eu) – Mas essa situação não durou muito tempo. Cerca de três anos depois de terem sido feitas prisioneiras e escravas, uma colméia de Spartacus Nutrillis se rebelou em Cápua, ao sul de Roma, e saíram libertando as outras abelhas trácias que estavam cativas...


(O mesmo colega mineiro) – Aí fedeu!...


(Marta) – O exército delas engrossou tanto, que as Ligústicas de Roma organizaram um exército para combatê-las, sob o comando de um zangão eunuco chamado Caio Pinto Glabro, mas foram derrotadas.


(Eu) – Depois de muitas batalhas entre as Ligústicas e as Spartacus, estas foram finalmente vencidas, e as prisioneiras sobreviventes foram amarradas, pelas asas, até morrerem, nas forquilhas das braquiárias que existiam ao longo da estrada que ligava Roma à Cápua. Por isso essa estrada passou a chamar-se Via Ápis...


- Via Ápia – corrigiu alguém.


(Marta) – Não. Era Ápis, mesmo. Virou Ápia por um erro de transliteração...


(Colegas) – Ahhhh!... Sem entenderem muito bem o que poderia ser transliteração.


(Colega) – Mas como elas vieram parar em Pindamonhangaba? É isso que eu queria saber...


(Marta, tirando o corpo fora) – Explica pra eles, Clóvis...


(Eu) – Já ia chegar lá. Algumas sobreviventes das Spartacus conseguiram voar até a Sicília e dali voaram para o norte da África, onde tentaram se estabelecer na Numídia e na Mauretânia, mas, devido estarem muito debilitadas em consequência da guerra, e do longo voo da travessia, foram novamente escravizadas, desta vez pelas Abelhas Africanas, as Scutellatas.


Quando as abelhas africanas vieram para o Brasil, trouxeram junto as suas escravas, as Spartacus nutrillis.


(Marta) – E assim permaneceram escravas até 1888, quando a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea. Por isso o pai do Clóvis não pode mais criá-las em cativeiro.


(Colega) – Mas se não se pode criá-las, de onde veio esta aqui?


(Eu) – Depois da Abolição, elas passaram a viver em pequenas comunidades isoladas chamadas de Quilostárculos. Às vezes elas saem de lá, em busca de alimentos, como possivelmente tenha acontecido com esta.


(Marta) – Mas já se sabe que algumas colmeias ainda são escravizadas, principalmente na Região Amazônica...


(Eu) – Sim... Noticiou-se que foram descobertas, no sul do Pará, Spartacus Nutrillis exercendo trabalho escravo para as abelhas amazônicas Curióticas Peladensis. Mas o IBAMA, com a ajuda da Polícia Federal, já as libertou.

Na altura dessa didática explanação, o professor Celso não se conteve e explodiu irritado:

- Calem a boca, vocês dois. Eu estou aqui me esforçando para enfiar na cabeça de vocês as coisas certas, e me veem com essas baboseiras para confundir ainda mais. Não liguem para nada do que esses dois malucos disseram...


Calamo-nos.

A "nossa" Spartacus Nutrillis, na mão da Marta.

Mas ainda ouvi sussurrada às minhas costas a voz da Miriam, uma colega adepta do Hare Krishna, referindo-se a mim:


- Isso que ele ainda nem bebeu hoje!...

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