domingo, 28 de dezembro de 2008

Retrospectiva 2008




Se a Globo pode, a Torre também “pooode”, oras. Só não terá Roberto Carlos a cantar músicas milenares. Nem Simone anazalando corredores de Shopping Centers... “...entahum é natahum...”

Mas vamos lá...

2008 iniciou normal, medíocre até. As férias a que teria direito troquei por vinte e quatro dias em que fiquei em Passo Fundo, dando atenção e cuidados à mamãe no Hospital São Vicente de Paulo. Ela, a mamãe, não o santo nem as férias, havia quebrado o fêmur ao tentar pular uma cerca de arame farpado lá no interior de Lagoa Vermelha, no distrito de Santa Luzia. Isso foi em Novembro de 2007. A velhinha é danada. Um exemplo de vida, lucidez e bondade. E osteoporose. Mas não sossega.

E assim seguiu o ano de 2008 até o dia 5 de maio, melhor, a noite, mais precisamente por volta das 20 horas.

Eu voltava para casa, depois de visitas a clientes e de ter passado no bar do “Seu” Antônio e comprado uma garrafa de cerveja que pretendia tomar mais tarde, depois da janta, em frente à TV, assistindo a um jogo de futebol que não lembro qual.

Num cruzamento, um moço armado com um Chevette, manobrou indevidamente à esquerda e atingiu-me em cheio, bem debaixo do farol. Resultado: esmigalhou-me a perna esquerda. Ah, eu pilotava uma possante motocicleta Honda Titan, 125 cc, ano 1998. (A cor importa?... vermelha).

Além da perna, os danos materiais foram de pequena monta. Está escrito no Boletim de Ocorrência, que guardo comigo: “danos materiais de pequena monta”. A clavícula que havia quebrado dois anos antes, num acidente na estrada, desta vez nada sofreu. A cerveja Colônia permaneceu intacta no bagageiro. Acidente besta. Mas prensou a perna entre o pára-choques do carro e o motorzinho da moto. Na perna o estrago foi grande.

No hospital, onde permaneci por uns dias, enquanto o doutor Adriano tentava encaixar as pecinhas de ossos, como num quebra-cabeça infantil, lembrei-me do que alguns colegas diziam, quando eu tentava racionalizar problemas comuns do trabalho... “ele ri até de fratura exposta”... Não contava com tanta literalidade.

A partir desse episódio, minha vida tomou novo rumo. Um acidente não quebra-nos os ossos somente. Quebra-nos a rotina, os planos e a conta bancária. Quebra-nos também os paradigmas e preconceitos.

Serviu para que eu enxergasse e sentisse humanidade em pessoas que antes olhava com distanciamento. Aqueles chefes, antes inacessíveis, onipresentes e onipotentes, semideuses imaginados num pedestal dourado, não passavam mesmo disso: imaginação minha. Foram extremamente amigos e solidários. Extrapolaram, em muito, suas obrigações legais e a relação trabalhista formal.

Passei o inverno cheio de pinos. Parecia uma antena de TV, daquelas antigas, que se armava em cima das casas. Era difícil dormir. As cobertas enroscavam nos parafusos, que não eram pequenos.

Entre os jogos da Eurocopa, em que torci freneticamente por Portugal do Felipão, vinha para a frente do PC. Estreitei laços com pessoas que conhecia superficialmente da sala A do Chat Terra-Idades. Imensas virtudes e bondade encontrei ali. Não citarei nomes, mas foram tantos. Fui à luta, inscrevi-me em cursos on-line que há muito tempo queria fazer e que, pelo açodamento do dia a dia, considerava irrealizável.

Uma amiga em especial, dentre tantos que ficaram ao meu lado durante esse período difícil, intimou-me (é esse o termo) a criar uma página na net. A virtualidade é relativa.

Relutei inicialmente, mas daí se começou a erigir-se a Torre. Letras da Torre. Quasímodo ganhou forma, ou disforma. Juca Melena nasceu já gaúcho guapo e crescido. Krika integrou-se mais tarde, trazendo seu magnífico projeto de estímulo à leitura.

Em Portugal e demais países de língua portuguesa consolidavam-se o MIL – Movimento Internacional Lusófono e a revista Nova Águia, a que muito conscientemente aderi.

O ano de 2008 foi bom por tudo isso. E eis que chegam as festas de Natal. O que se prenunciava como um dia nostálgico e solitário, transformou-se numa romaria de afetos. Pela manhã, colegas. À tarde veio minha irmã e meu sobrinho, que há anos eu não via.

Dia 26 fui à perícia médica que haviam marcado para as 10 horas da manhã. Reconheceram finalmente meu direito de receber dois meses de salário-acidente que me haviam suspendido inexplicavelmente, deixando-me à míngua. Burocracias.

À tarde chegou o carteiro trazendo-me os dois números da revista Nova Águia publicadas em 2008, gentilmente enviados de Lisboa pela querida amiga Alma Lusa – Luzia. As edições são semestrais. Magnífica prenda, amiga Lusa.

2009 surge no horizonte trazendo boas perspectivas. Dia 21 de janeiro está marcada uma nova revisão na perna, radiografias e o escambau. Dependendo dos resultados, talvez removam o gesso. Estou com saudades de vê-la nua. No ombro, onde residem a mais tempo sete parafusos e uma placa de platina, não irei mexer. Não incomodam, salvo quando se anuncia chuvas ou
quando tento passar pela porta giratória do banco. Apita.

Que venha o ano novo com força, com tudo o que ele tenha de direito.

Meus pedidos são simples. Saúde aos amigos e amigas, e que tudo o que o ano de 2009 me trouxer, me sirva para me fazer um ser humano melhor.

Na próxima publicação, a Torre retomará a história dos balseiros do rio Uruguai.
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O HÁBITO SAUDÁVEL DA LEITURA


Transcrevo as mensagens que os alunos deixaram no encerramento do ano letivo de 2008. Foram colocadas no mural da Oficina.
Os numerais após os nomes correspondem aos números das salas de aulas.

Oficina me facilitou a ler e conversar; J. Paulo - 7
Se todas as escolas tivessem um projeto legal assim o Brasil seria um país de leitores; Fabrício - 12
Ficarei com saudades; Luan Pereira - 7
Muito obrigado pela educação e carinho que você nos trata; Brener - 7
Seu trabalho é muito importante para nossa escola, pois nos incentiva a ler cada vez mais e sempre que passamos em frente daquela salinha, toda decorada, dá vontade de parar e observar as novidades. Parabéns! Alana - 9
A Oficina é linda, bem enfeitada; Leonardo -12
Que ela seja sempre assim. Bonita e bem decorada; Nayara - 7
Gosto da decoração; Pietra -12
Nós agradecemos a sua paciência conosco. Obrigado; Alisson - 9
Você me faz melhorar muito; Gabriely -12
Que Deus abençoe muito a Oficina e que todas as crianças tenham interesse em ler; Ana Flávia - 11
Trabalhe bastante e chame muitas pessoas para a leitura; Gabriel Prado -12
Quero que a oficina cresça cada dia mais porque ela é muito boa; Isla - 9
Lendo estou aprendendo; Fernanda -12
Aí dentro é super legal, tantos livros e revistinhas que não dá pra escolher um só.Super fantástico!Continue assim! Welerson-12
O que você faz é muito legal, pois existem alunos que estavam precisando... Eu achava que minha leitura era boa, e agora, com certeza melhorou mais. Eu queria que tivesse o ano que vem; Micaela - 8
Obrigado por estimular as mentes das crianças para a alfabetização; Renan - 10
Oficina é espetacular! Joelen - 11
Muito obrigado pelos seus livros, continue assim; Lucas - 7
Nunca desista; J.Paulo -12
O poder da leitura transforma sua vida em contos de fadas; Karen - 10
Seja feliz não importa o que aconteça; Wellington -12
Espero que você continue aqui na escola por muito e muitos anos. Este projeto é lindo e ajuda muito. Obrigado; Rômulo -12
É muito legal, mas ao invés de ser nas aulas de Português. Poderia ser de manhã ou no dia de 4 aulas; Ana Luiza -12
Você foi e sempre será a melhor professora de leitura. Adorei seus textos e estímulos. Você é a heroína da leitura. Obrigada; Elizandra - 10
Obrigado, não é toda escola que tem; Thales - 11
Espero que Oficina fique melhor do que é hoje; Andressa - 11
Ajudou-me muito neste ano e espero que ajude assim no próximo ano; Vilian – 7
Que a Oficina continue, porque assim vamos para a frente; André, Rafael -11
A Oficina jamais deveria parar de funcionar, nem por nenhum motivo ! Alisson -10
Continue sempre assim, cheia de novidades e que Deus te ilumine muito; Taynara Santos - 7
Eu quero agradecer porque este projeto me ajudou a me comunicar com as pessoas; Mayara -11
Eu acho a Oficina sensacional, pois nos ajuda a ler e também a entender; Rafaela- 11
A leitura é fundamental para a vida; Luma – 10
Deixo meu muito obrigado por tudo que tem feito pela minha leitura; Mariana -11
Oficina maravilhosa e especial, continue assim; Elizandra - 7
Obrigado pela sua dedicação; P.Maurício - 11
A Oficina nos atende com muito carinho ,capricho, dedicação e companheirismo, para aprendermos outros tipos de leituras;Thales - 10
Que legal, a Oficina é o máximo, e adoro o mural; Débora - 10
Oficina eu lhe agradeço por existir; Ana Carolina - 7
Espero que continue sempre esta gostosura! Ana Carolina - 11
Obrigado por ajudar na minha leitura; Luciano - 11
Eu agradeço por você fazer a Oficina; Dagmar - 7
Eu adoro tudo que tem lá, os livros, homenagens, letreiros, etc; Thiago H.-11
Adoro a Oficina, ela nos faz viajar no tempo; Camila-11
Eu gosto de ir lá, a professora é legal e gosto de todos os livros, cada um mais divertido que o outro; Jéssica- 7
Legal as oportunidades e criatividades da Oficina; Tainá-11
Oficina bonita e caprichosa! Wellen - 7
Muito obrigada, você nos ajudou muito e que um dia você possa ganhar cosias boas para pagar o que você faz pra gente; Patrícia Pires - 11
Que seu trabalho dure para sempre; Agda - 8
Eu quero agradecer porque este projeto me ajudou a me comunicar com as pessoas; Muito legal. O próprio nome já diz, que é um estímulo para lermos mais; Mayara - 11
Ajudou-me em todas as matérias; J.P.Angeli - 7
Foi muito bom porque eu aprendi a ler melhor; Matheus11, Gabriely, Franthesco, Leonardo - 12
Porque a gente melhora na leitura; Fernanda, Pietra, Thaynara, Verônica - 12, P.Henrique - 7
Ajuda a desenvolver e estimular à leitura; Larissa-12, Ana Carolina - 11
Muito bom porque quando a gente fizer teatro tem que saber ler bem; Luan Pereira - 7
È o máximo! Por mim eu ficaria o resto da minha vida lendo coisas interessantes; Isabella - 8
È muito legal, pois depois da leitura a gente vê se entendeu ou não; Patrícia Mirian - 11
...E tem um monte de sugestões de livros pra levar para casa!; J. Paulo - 12
Melhorei muito e fiz muitas receitas com as revistas de culinária; Rômulo - 12
A Oficina é uma chance de conseguirmos ter responsabilidade com os livros; Isa Dhara - 8
A pessoa, cada vez mais gosta de ler; Fabiana - 11
Interessante e legal, pois desperta o interesse de todos; Liliane - 11
O que tem de mais legal na escola é a Oficina; Gisele - 8
Ajuda a desempenhar a leitura cada vez mais; Thais - 11
Eu melhorei muito, mas tenho mais a melhorar, prefiro ir mais vezes lá...; Migue l - 12
Eu gostei muito, mas foi muito pouco. Tinha que ser uma aula só de leitura; Eliel - 8
Queria que me chamasse mais vezes e que tivesse uma aula só de leitura; Jonatan - 8
Legal porque temos nossas descobertas. Eu adorei, pena que não posso emprestar livros no ano que vem; Rafaeli - 8
Gosto de tudo e queria que continuasse em todos as salas; Natã - 8
Este projeto ajuda a quem tem dificuldade com a leitura; André - 11
Muito bom, pois não ajuda só a gente, mas nossa família também,porque a gente leva para casa e eles também lêem;Patrícia Pires - 11
A leitura é tudo!; Thales - 11
Dá a oportunidade de conhecer vários tipos de histórias; Marcos - 11
Legal porque ao longo do tempo as pessoas aprendem a ler e interpretar melhor; Thiago H. - 11
Ótimo! Porque quem não gosta de ler aprende a gostar; Camila - 11
Ótimo pois ajuda aos que não se interessavam antes;Tainá - 11
A gente aprende bem melhor, queria que tivesse ano que vem; Taynara Ingrid -7, Mariane - 12
Muito bom para incentivar e treinar a leitura; Tainara Lima - 7
Bom, pois estimula na leitura e no português; Geovane , Thais - 12 J.Paulo - 11
A gente se diverte, eu gostei muito; Jéssica; Caio - 7
Importante para estimular a fazer resenhas; Rafaela - 11
Legal e deveria ficar assim todos os anos; Ana Carolina - 7
Ajuda a aprender e descobrir muitas curiosidades; Sarah - 11
Ajudou bastante!Wellen - 7
Gostei bastante porque ajuda os alunos a se desenvolverem na sala de aula; Renan-10, Nayara - 7
Aprendemos muita coisa interessante; Thales - 10
Bom e ajuda no aprendizado; Vilian - 7
Com certeza nos ajudou muito, nos inspira a ler mais; Bianca, Alisson - 10
Ajuda a ler mais e mais. Quem sabe mais ou menos aprende, nos ajuda a pensar, divertido e gostoso, pois raciocinamos as coisas de outra maneira desenvolve mais na leitura; Natalia, Elizandra, Luma, Karen ,Melissa, Ramon - 10

Agradeço a todos os alunos que entenderam a proposta, de ler, divertindo-se.
Desejo que vocês continuem lendo cada vez mais e que lembrem com carinho desta pequena Oficina.

Krika pediu-me que acrescentasse um comentário. Eu pergunto: e precisa?...

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domingo, 21 de dezembro de 2008

Balseiros - II

A efetiva colonização do oeste de Santa Catarina se deu a partir do final da Guerra do Contestado. Esse acontecimento de ordem econômica-político-social estabeleceu nessas terras, antes ocupadas por remanescentes de nativos e caboclos2, os descendentes de imigrantes europeus, vindos especialmente do Rio Grande do Sul.

Os colonos recém- chegados procuram, a partir das condições locais, encontrar subsídios necessários à subsistência e ao acúmulo de capital dentro da ótica capitalista, comum à cultura européia. O confronto cultural entre os caboclos e os ‘novos colonos’ foi inevitável, já que os primeiros tinham uma economia de subsistência, distante da visão européia capitalista.

A região do Alto Uruguai catarinense e gaúcho passa a ser explorada nesse contexto.

Os migrantes buscaram apropriar-se da terra e de todos os recursos naturais existentes na região. A madeira foi uma das primeiras fontes de riqueza. As árvores eram retiradas da mata, levadas até as encostas do rio Uruguai, onde eram embalsadas3 e ficavam à espera da enchente que permitisse o seu transporte até São Borja/RS. Lá eram comercializadas ou seguiam até o Uruguai e Argentina, para obter um preço melhor pelo produto.

A partir da década de 1920, intensifica-se a exploração do corte das matas, que era feita por pequenos proprietários, empresários, empreiteiros ou apenas prestadores de serviço braçal. O trabalho era árduo e realizado de forma bastante rudimentar, baseado na força física do homem, no machado e no serrote. Verifica-se, também, precaríssimas condições climáticas, demográficas, administrativas e de segurança.

O transporte da madeira para as serrarias ou pontos de embarque, era realizado por carroças ou através do arrasto com três, quatro ou cinco juntas de bois. Somente a partir da década de 1940 é que aparecem os veículos motorizados, época em que o cedro começa a ficar escasso e a exploração do pinho torna-se mais intensa.

O ‘negócio das balsas’ desenvolveu-se em vários municípios do oeste catarinense e Alto Uruguai gaúcho. Essa atividade incrementou a economia regional, já que impulsionou a criação de várias serrarias e a melhoria da infra-estrutura nas estradas da região e, ainda, possibilitou a abertura de novos mercados e o escoamento da produção agropecuária dos colonos. Além disso, deu origem a vários municípios, às margens do rio Uruguai.

Retomar a história dos trabalhadores balseiros se justifica, na medida em que algumas cidades, antes objeto da exploração da madeira e transporte através das balsas, estão cobertas pelas águas das barragens construídas nessa região. São igrejas, pontos comerciais, prédios antigos, casas comerciais e praças. Assim, parte da memória e da identidade cultural da região está perdida.

As bibliografias disponíveis a respeito do assunto são poucas, geralmente referem-se a histórias de famílias de balseiros e madeireiros. Dentre essa obras, podemos destacar o livro ‘O velho balseiro’, de Heitor Lothieu Angeli e ‘ Madeiras, balsas e balseiros no rio Uruguai’, de Eli Maria Bellani.

Trata-se de um período relativamente curto no contexto da nossa história, porém faz-se necessário seu registro, pois ainda dispomos de alguns [poucos] balseiros em vida, que estão nos fornecendo relatos importantes para esta tarefa.

2 Originário da miscigenação dos portugueses, espanhóis e nativos. Na região são chamados, também, de brasileiros.
3 Preparação das balsas. As toras eram amarradas umas às outras.





Fonte: Trabalhadores do Rio - Os Balseiros do Rio Uruguai - Noeli Woloszyn


Foto - Rio Uruguai - Internet




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Capítulo II – Elvira


Elvira nasceu Xokléng, mais precisamente Ngrokóthi-tõ-Prèy, ao sul do rio Iguaçu, onde havia muito pinhão, caça e matos extensos, a se perder neles.


Ao contrário de seus parentes Kaingangs que moravam mais ao sul, seu povo Ngrokóti-tõ-Prèy pelo seu cacique, e demais membros da tribo, inclusive os Xamãs e guerreiros jovens com beiços recém furados, não aceitavam pacificamente as propostas do Coronel.

O Cacique Condá, dos parentes Kaingangs, tinha uma tribo estabelecida e de morada permanente, e até roças faziam, queimando os restos das matas que os peões do Coronel derrubavam para arrastar as toras. E até sementes de milho e feijão o Coronel dava para eles plantarem. E até cachaça ganhavam.


Elvira nasceu Xokléng, nas matas ao sul do Iguaçu quando ainda os primeiros tropeiros de mulas passavam com medo pelas picadas que levavam ao rio, no Porto da União.


Elvira nasceu mestiça Ngrokóthi-tô-Prèy cruzada com caboclo do santo José Maria. Moço bonito e de coragem, como contava sua mãe. Diz-que morreu no Irani em defesa do beato, atravessado por uma espada dos regulares. Tornou-se Ngaium – Espírito. Ngaium-Hu – Espírito bonito.


Tudo isso Elvira recordava enquanto lavava o lençol azul, que nem muito sujo estava, afora umas manchas amarronzadas sobre o meio.


Antes de ser Elvira, fora Xá-Cunhã-Tõ-Prèy, mas a recordação era vaga, avivada às vezes pela marca tatuada a fogo na perna esquerda.


Ainda menina fora levada pelo Manuel Pereira, agregado do Coronel nas lidas das derrubadas das matas que ainda existiam mais ao sul, nas terras onde viviam os parentes Kaingangs.


Na casa do tal Manuel, virou moça e aprendeu a falar a língua dos brancos, a lavar roupa e varrer a casa. Aprendeu as letras ajudada por Manuela, a filha mais velha do Manuel Pereira. O nome Elvira foi dado pelo padre das aulas de catecismo, que, junto com Manuela freqüentava na igreja de Dom José. Dizia este ser um nome de branco, que significava “Verdade Suprema”, mais apropriado que o tosco nome Xá-Cunhã-Tõ-Prèy, inculto e pagão. Foi batizada então como Elvira Pereira.


Por ter vindo ainda pequena para a casa de Manuel Pereira, no aglomerado de casas cujo lugar os Kaingangs chavam de Xá-Pé-Kó – pequeno lugar onde se avista o caminho da roça – Elvira sobreviveu à extinção de seu povo.


Contaram-lhe que muitos da sua tribo foram mortos pelos homens do Martim Bugreiro, em tocaias e emboscadas. Poucos em luta direta. A grande maioria, no entanto, pereceu de doenças pegadas dos brancos, como a febre amarela, sarampo e gripe.


Os guerreiros mais valentes e fortes, alguns ainda com o botoque recente enfiado no beiço de baixo, que haviam se embrenhado mata adentro para fugir dos bugreiros e dos capangas dos madeireiros, morreram quando beberam a água pesteada do rio.


Elvira não estava mais lá. E não fosse pela marca na perna esquerda, pouca coisa mais a lembrava a aldeia.


Conheceu Fulgêncio numa noite, quando vieram à casa tratar com Manuel Pereira, três rapazes. Um moreno e forte, outro ainda menino de barba rala, e um alto e bem vestido que trazia no braço uma pulseira que parecia ser de prata. Este era Fulgêncio. O que mais falava com Manuel, a quem chamava de “Patrão” e que parecia ser o líder do grupo. Por entre a porta semi-aberta, que dava da cozinha para a sala, ouviu combinarem que a próxima descida da balsa teria Fulgêncio como prático. Elvira não sabia o que isso significava, mas lhe pareceu ser importante, pois na janta, servida mais tarde, os rapazes pareciam alegres.


Trocaram alguns olhares rápidos e ela foi refugiar-se envergonhada no quarto. Sentia um calor estranho nas faces.


Dias depois Fulgêncio voltou à vila e à casa, agora desacompanhado dos outros moços. Conversou brevemente com seu “pai” na sala e se foi. Nem bem o moço havia saído, Manuel chamou-a e lhe entregou um pacote. Disse-lhe ser um presente do prático Fulgêncio. Correram, ela e Manuela para o quarto e abriram sofregamente o pacote rasgando o papel pardo. Era um corte de seda azul, com flores amarelas e vermelhas. Umas grandes, outras pequenas.


Fez um vestido, que só usava nos domingos, quando havia reza na igreja. Sentia vergonha de usá-lo, e do olhar de inveja das outras moças do lugar.


Meses depois se casaram. O Coronel não foi, mas mandou-lhe pelo Manuel um jarro e uma bacia de louça grossa, enfeitados de flores, parecido com o vestido de seda. Quando foram embora para o Goio-En ela deu à Manuela o jarro e a bacia.


- Mas é presente do Coronel, criatura. Isso é desfeita.


- Pegue minha irmã. É teu. Lá pronde vou tem bastante água. Não vou carecer da bacia e nem de jarro. E o Coronel não precisa saber que te dei.


Lembrava desse dia quando avistou Fulgêncio trotando apressado na beira do rio, balançando os peixes. Tiço ainda não voltara da faixa, onde vendia frutas. Tomara que trouxesse algum dinheiro. Estava sem sal em casa, e o Moura não queria mais fiar.


Estendeu as últimas peças de roupa e entrou em casa. Tiço apareceu na ponte.



Foto: Mulher Xokléng - Internet


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KRIKA

Krika não veio hoje. Temos tido alguns desencontros, por força, talvez, da época do ano e das tarefas que se acumulam.
Seu projeto "Estímulo à Leitura" continuará e contará sempre com o apoio da Torre e de seu anfitrião.
Interessante notar que a partir da publicação de seus textos neste modesto espaço, novas perspectivas se abriram, novos contatos apareceram, o reconhecimento de seu trabalho começa a aflorar.
Iniciativas semelhantes surgiram, como o da professora Géssica, que criou o blog http://projetoseideias.zip.net/ que recomendo a todos que se interessam pelo tema Educação.
Sigamos em frente, amigas. É hora de repensar, fortalecer os ideais, e de nos prepararmos para os embates do próximo ano, que se vislumbram ainda mais desafiadores.
Beijos... Abraços. FELIZ NATAL a todos que, no decorrer de 2008 somaram na Torre.
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domingo, 14 de dezembro de 2008

Balseiros - I


O oeste catarinense foi povoado por migrantes descendentes de italianos e alemães, que vieram das colônias gaúchas a partir de 1917. Esse fato contribuiu para o crescimento dos povoados, que apresentavam algumas dificuldades. Entre elas, estava a de inserir a região no contexto econômico do estado e do país, ocupando áreas desabitadas, produzindo riquezas e atendendo, assim, a lógica capitalista. Com isso, surgiu umas das primeiras possibilidades econômicas da região: a exploração da madeira, que era abundante nas florestas subtropicais e com alto valor comercial.

A madeira era levada até São Borja/RS e de lá para o Uruguai e a Argentina, onde eram comercializadas. Para transportar as toras utilizou-se do sistema de balsas, que consistia em amarrar cerca de cento e cinqüenta a duzentas toras de madeiras umas às outras. Em torno desta atividade, estavam muitos trabalhadores: os peões, que derrubavam a mata e levavam as toras, com juntas de boi até o rio Uruguai, e os balseiros, que se ocupavam no transporte das madeiras.

Esta é uma obra parcialmente ficcional. Apresenta a influência da atividade balseira no desenvolvimento econômico dos municípios envolvidos, bem como a importância desta atividade no processo de povoamento da região oeste catarinense e norte rio-grandense. Às fontes orais que fizeram parte desse processo, bibliografias e material de acervo disponíveis, magistralmente reunidos numa obra da professora Noeli Woloszyn, acrescenta-se a estória de gentes imaginárias e vivências não tanto.

Os fatos, datas e nomes citados na primeira parte de cada capítulo foram extraídos do estudo “TRABALHADORES DO RIO - OS BALSEIROS DO RIO URUGUAI” da professora Noeli, a quem envidei esforços para contatar, sem sucesso. Todos os méritos devem ser a ela creditados.

A estória que se mescla, é fruto da imaginação do autor.

(Noeli Woloszyn, Licenciada em História e Mestranda em História pela UPF. É professora na Universidade do Contestado – UnC campus Concórdia/SC.)


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Capitulo I – O Prático Fulgêncio


Ficaria na cama, naquela manhã, apesar dos gritos da mulher. Elvira estava ficando cada vez mais irascível. Conservava traços da beleza antiga. As ancas largas, os seios fartos, descaídos, mas ainda bonitos, os olhos grandes, brilhosos. Os cabelos ainda eram longos e negros. Lisos, como os cabelos de todas as mulheres da sua tribo Kaingang.
O humor dela foi o que mudou, também por culpa dele, por certo.
- Acorda, velho bêbado. Olha a altura do sol. Já faz tempo que o Tiço ta lá na faixa – gritou ela enquanto passava pela porta carregando uma grande trouxa de roupas enroladas num lençol azul. Deve ter arrumado um novo freguês, pensou. O lençol não era conhecido e parecia estar limpo, sem precisão de ir para a tábua. Um freguês rico. Só podia. Ricos é que mandam lavar roupas só por estarem um pouco amassadas e usadas uma só vez. Tanto melhor para Elvira. Não precisaria de muito sabão nem de muito bater com pau.
A cabeça dele latejava. Sentia um ardume no estômago e gosto azedo na saliva. Bebera muita cachaça na noite anterior no bar do Moura. Tardara, mais que de costume. E na cama, sozinho, pois Elvira há tempos mudara-se para o quarto do filho mais velho, que fora embora para a cidade, entre náuseas e tosses engasgadas, vinha-lhe na lembrança enevoada a conversa que Moura tivera com os baianos.
Estava ele, Natalício, o filho mais velho do Céza, e mais alguns fregueses de pouca freqüência, mas conhecidos, bebericando no balcão do Moura, quando eles chegaram.
Eram três. Baixotes, entroncados, morenos, de fala arrastada e sotaque esquisito. Pediram cachaça, num copo só que Moura serviu gelada. Um deles bebericou e cuspiu fora... Moura olhou feio; os outros, que estavam já antes no balcão ficaram em silêncio. Os baianos confabularam entre eles e pediram mais três copos de cachaça, mas que não fosse gelada. Moura serviu a contragosto da garrafa da prateleira. Pegaram dos copos e foram sentar-se a uma mesa de latão. Não se entendia o que falavam. Beberam logo a cachaça e um deles pediu mais uma. Moura novamente serviu, mas desta vez com menor má vontade, pois o que pedira a segunda pinga tirou do bolso o dinheiro e pagou as cinco, contando com a que fora cuspida fora. Moura puxou conversa, e ainda sem voltar para trás do balcão, encheu os outros dois copos.
Fulgêncio ouvira parte da conversa, sem muito entender. Eram baianos, mesmo, compreendeu dizerem.
Tomaram mais uma ou duas pingas e foram embora. Pagaram.
Quando os três baianos saíram, e nem haviam ainda sumido por detrás do pilar da ponte, Moura se viu rodeado pelos freqüentadores.
- Quem eram eles, Moura?...
- Baianos.
- Baianos? Mas a Bahia é longe e eles estavam “de a pé”...
- Vieram no caminhão. Vão trabalhar na barragem.
A Barragem! Há tempo se falava na Barragem. A ameaça da barragem só estivera tão materializada há mais de ano, quando estiveram no Goio-En os tais de engenheiros, pescrutando as margens do rio com binóculos e um foco, que armaram em cima da ponte. Falou-se deles por uns dias, depois caiu no esquecimento. Era projeto, estudo.
Agora era real. Já estavam chegando baianos para entupir o rio, e inundar tudo.
Fulgêncio e Natalício trocara um olhar e baixaram ambos, as cabeças. Ali, dos reunidos no bar do Moura, eram eles os únicos balseiros ainda vivos.
Ficaram a um canto, sentados perto da porta a olhar o rio. A noite chegara. Ora Natalício, ora Fulgêncio se aproximavam do balcão. Levava os dois copos, que Moura enchia. Ora um, ora outro voltava a sentar-se perto da porta e olhar a sombra cintilante do rio, em silêncio.
Essas lembranças somadas ao exagero da cachaça fizeram a noite de Fulgêncio ser uma noite de sonos pela metade. E mesmo essa metade de sono não era bem dormida. Misturavam-se em sonhos a imagem dos três baianos troncudos, o rio revolto nas enchentes de São Miguel, os balseiros companheiros que o acompanharam em tantas e tantas descidas, o rio subindo e logo baixando até sumir mostrando o leito seco cheio de ossos e esqueletos todos com a cara do Vicente... que ria e ria debochado... A fumaça dos casebres do lado de Santo Tomé. As chinas “francesas” vindas das colônias italianas da serra das Antas ou as polacas grandonas que diziam terem sido artistas nas europas, mas falavam português misturado com castelhano. O Salto Grande-Yucumã.

Elvira passou pela porta novamente, olhou para dentro, mas desta vez não ralhou. Decidiu levantar. Doía-lhe o corpo e a alma. Tonteou ao sentar-se na cama. Com esforço caminhou até a porta dos fundos, passando pela cozinha, onde Elvira lidava com um peixe na pia. Seus olhos estavam fundos e vermelhos no espelho. Lavou o rosto na bacia. Os olhos continuavam vermelhos no espelho. Tomou um gole de água na concha da mão. Ainda com o rosto molhado seguiu para o morro onde, na pequena roça, o feijão minguava no meio do inço. Olhou desolado o cinza das folhas murchas e seguiu para o rio, para revisar as esperas. Numa delas havia um jundiá, dos médios, noutra um dos espinhentos que só serviria para o pirão. As demais estavam com a fisga nua. Recolheu os peixes e rearmou as esperas mecanicamente. Seu pensamento estava longe. Pensava no rio e nas balsas. Nos balseiros e nas descidas. No prático Fulgêncio que fora, no companheiro Natalício, nos remadores, no cozinheiro Florão, no Vicente que sumiu nas águas do Salto Grande, nas sedas que trazia para Elvira, nas histórias que contava aumentadas, para o Tiço quando ele era pequeno, no rio que seria irremediavelmente entupido pelos baianos da barragem, logo abaixo, em São Carlos.


Uma idéia começou a tomar forma em sua cabeça. Primeiro vaga e parecida com os pesadelos da noite mal dormida, enevoada, depois absurda e impraticável. Logo em seguida possível. Logo uma meta, um projeto. Desceria o rio novamente numa balsa antes que a barragem fechasse o rio para sempre. Falaria com Natalício, reuniria os remadores ainda vivos. Encontraria Florão, que, sabia, morava em Palmas no Paraná. Alguns dos filhos do Céza poderiam substituir os remadores já mortos e aqueles vivos que tinham mudado de vida...

Quem visse Fulgêncio voltando para a casinha no Goio-Em, caminhando pela margem do rio, quase a correr carregando numa vara um jundiá médio e um espinhento pequeno, estranharia. Os mais velhos talvez revivessem a imagem de um Fulgêncio prático balseiro, os mais novos imaginariam que o velho bêbado enlouquecera.

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O HÁBITO SAUDÁVEL DA LEITURA
PROJETO “ESTÍMULO À LEITURA”


CONSIDERAÇÕES NATALINAS


Algumas pessoas me perguntam se gosto de Natal.
Então, penso... O que é Natal para mim?
Grande dúvida? Imaginem...
Natal para mim é o PROJETO “ESTÍMULO À LEITURA”.
Principalmente porque ele não acontece apenas na época Natalina...
Obviamente dirão que eu deveria festejar o nascimento de Cristo e que nesta época precisamos nos sensibilizar com a pobreza do próximo, oferecer um peru de Natal a outros, dar um presentinho acolá... Mas e os outros dias do ano? Não são Natais?
Não pensem que eu não curto fazer compras... Presentear amigos ocultos e presenciais, familiares, colegas, o vizinho bom, o lixeiro, jardineiro...
Eu apenas questiono o lado comercial tão desesperado dos comerciantes somadas as necessidades de muitos que gastam seu décimo terceiro em presentes para dar alegria as crianças ou reunir a família (tomara que sua família seja diferente, que vivam em harmonia a ceia de Natal, sem brigas e inquisições). Não sei de vocês, mas meu décimo terceiro já está reservado para janeiro.. Impostos e seguros, etc, etc.. Pessimista? Nada disso, estou otimista, e feliz, afinal pretendo entrar no ano próximo sem saldo negativo no banco...
Como vou comemorar meu Natal?
Durante o ano todo eu celebro esperanças através das leituras. Costumo dizer que meu trabalho é igual à de uma formiguinha. de passo em passo carrego um livrinho aqui, outro ali...
Neste ano então! Tive ajuda de pessoas maravilhosas, escritores, editoras, amigos. Garanto que eles também se sentem gratificados, afinal Natal é solidariedade, doação, fé, esperança, união, contribuição, projetos, idéias,
trabalho, ação conjunta,cidadania,ética,valores,virtudes...
Perdoem-me quando sou reticente a festas, ver a parada Natalina,luzes na cidade piscando.Para quem curte: Feliz Natal!
Mas se você quiser participar do meu Natal, doe um livrinho para Oficina.
Durante o ano todo você será lembrado por mim, e por todas as crianças que receberão esse presente, abraçado infinitamente não somente na noite do nascimento de Cristo.
Colocarei a seguir uma listinha de sugestões.
E antes que me esqueça vou dizer algumas palavrinhas mágicas:
Gratíssima pela sua participação!




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EDITORA FUNDAMENTOS

Coleção Destemida - autora: Natalie J. Prior - cada exemplar: 24,80

Coleção Pérola - autora: Wendy Harmer - cada exemplar: 19,60

Coleção Go Firl - autores: vários - cada exemplar: 19,60

Coleção Poderosa - autorS Sérgio Klen - cada exemplar: 28,60

Coleção Goosebumps - cada exemplar: 24,80

Coleção O Segredo das Fadas, a partir do n. 4 - cada exemplar: 24,80

Coleção Moranguinho - cada exemplar: 14,90

Coleção Polly - cada exemplar: 19,60

Escola das Estrelas - cada exemplar: 23,80

Coleção Querido Diário Otário - cada exemplar: 19,60

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domingo, 7 de dezembro de 2008

A Invenção do Amor


Em todas as esquinas da cidade, nas paredes dos bares, à porta dos edifícios públicos, nas janelas dos autocarros, mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e detergentes, na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém, no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da nossa esperança de fuga, um cartaz denuncia o nosso amor.

Em letras enormes do tamanho do medo, da solidão, da angústia, um cartaz denuncia que um homem e uma mulher se encontraram num bar de hotel numa tarde de chuva entre zunidos de conversa e inventaram o amor com caracter de urgência, deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia quotidiana.
Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e fome de ternura e souberam entender-se sem palavras inúteis.


Apenas o silêncio. A descoberta. A estranheza de um sorriso natural e inesperado. Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna. Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente, embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta de um amor subitamente imperativo.
Um homem e uma mulher, um cartaz denuncia colado em todas as esquinas da cidade. A rádio já falou. A TV anuncia iminente a captura. A policia de costumes, avisada, procura os dois amantes nos becos e nas avenidas.


Onde houver uma flor rubra e essencial é possível que se escondam, tremendo a cada batida na porta fechada para o mundo.

É preciso encontrá-los antes que seja tarde. Antes que o exemplo frutifique. Antes que a invenção do amor se processe em cadeia. Há pesadas sanções para os que auxiliarem os fugitivos. Chamem as tropas aquarteladas na província. Convoquem os reservistas, os bombeiros, os elementos da defesa passiva!...

Todos, decrete-se a lei marcial com todas as consequências. O perigo justifica-o!...

Um homem e uma mulher conheceram-se, amaram-se, perderam-se no labirinto da cidade;

É indispensável encontrá-los, dominá-los, convencê-los, antes que seja tarde e a memória da infância nos jardins escondidos acorde a tolerância no coração das pessoas.

Fechem as escolas! Sobretudo protejam as crianças da contaminação. Uma agência comunica que algures ao sul do rio, um menino pediu uma rosa vermelha e chorou nervosamente porque lha recusaram. Segundo o director da sua escola é um pequeno triste inexplicavelmente, dado aos longos silêncios e aos choros sem razão. Aplicado no entanto. Respeitador da disciplina. Um caso típico de inadaptação congénita, disseram os psicólogos.

Ainda bem que se revelou a tempo! Vai ser internado e submetido a um tratamento especial de recuperação. Mas é possível que haja outros. É absolutamente vital que o diagnóstico se faça no período primário da doença. E também que se evite o contágio com o homem e a mulher de que fala no cartaz colado em todas as esquinas da cidade. Está em jogo o destino da civilização que construímos, o destino das máquinas, das bombas de hidrogénio, das normas de discriminação racial, o futuro da estrutura industrial de que nos orgulhamos, a verdade incontroversa das declarações políticas...

É possível que cantem, mas defendam-se de entender a sua voz. Alguém que os escutou deixou cair as armas e mergulhou nas mãos o rosto banhado de lágrimas. E quando foi interrogado em Tribunal de Guerra, respondeu que a voz e as palavras o faziam feliz, lhe lembravam a infância. Campos verdes floridos. Água simples correndo. A brisa das montanhas.

Foi condenado à morte, é evidente. É preciso evitar um mal maior. Mas caminhou cantando para o muro da execução; foi necessário amordaçá-lo e mesmo desprendia-se dele um misterioso halo de uma felicidade incorrupta...

Procurem a mulher e o homem que num bar de hotel se encontraram numa tarde de chuva. Se tanto for preciso estabeleçam barricadas, senhas, salvo-condutos, horas de recolher, censura prévia à Imprensa, tribunais de excepção.

Para bem da cidade, do país, da cultura, é preciso encontrar o casal fugitivo que inventou o amor com carácter de urgência...

Os jornais da manhã publicam a notíciade que os viram passar de mãos dadas sorrindo numa rua serena, debruada de acácias. Um velho sem família, a testemunha, diz ter sentido de súbito uma estranha paz interior, uma voz desprendendo um cheiro a primavera, o doce bafo quente da adolescência longínqua.

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Daniel Filipe, Poeta esquecido em Cabo Verde


Em 1925 nasceu Daniel Damásio Ascensão Filipe na ilha da Boavista, em Cabo Verde. Ainda criança, foi para Portugal onde fez os estudos liceais. Poeta, foi colaborador nas revistas Seara Nova e Távola Redonda, entre outras publicações literárias. Combateu a ditadura salazarista, sendo perseguido e torturado pela PIDE.
Num curto espaço de tempo, a sua poesia evoluiu desde a temática africana aos valores neo-realistas e a um intimismo original que versa o indivíduo e a cidade, o amor e a solidão.

Faleceu em 1964 em Cabo Verde.

Este poema/crônica é dele. Foi publicado no blog da Nova Águia

http://novaaguia.blogspot.com pela direção da revista e do Movimento Internacional Lusófono Paulo Borges, Celeste Natário e Renato Epifânio.
A grafia original lusa/cabo-verdiana foi mantida.

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A segunda edição da Revista Nova Águia já está a circular. Ela é publicada pela Editora Zéfiro. http://www.zefiro.pt/catalogo_novaaguia_net.htm

Tem muito mais coisas boas lá.










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O MIL: MOVIMENTO INTERNACIONAL LUSÓFONO é um movimento cultural e cívico recentemente criado, em associação com a NOVA ÁGUIA: REVISTA DE CULTURA PARA O SÉCULO XXI, projeto que conta já com mais de sete centenas de adesões, de todos os países lusófonos.
A Comissão Coordenadora do MIL é presidida pelo Professor Doutor Paulo Borges (Universidade de Lisboa), Presidente da Associação Agostinho da Silva (sede do MIL).
A lista de adesões é pública – como se pode confirmar publicamente (http://www.novaaguia.blogspot.com/), são pessoas das mais diversas orientações políticas e religiosas.
Caso se reconheça na nossa Declaração de Princípios e Objectivos (http://movimentolusofono.wordpress.com/declaracao-de-principios-e-objectivos/), pode juntar-se a nós. Para tal, basta enviar um e-mail para http://afmail.uol.com.br/compose?to=adesao@movimentolusofono.org (indique a área de residência).


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O HÁBITO SAUDÁVEL DA LEITURA

“Estimular a leitura por meio do gozo literário, quer dizer, por ela mesma.” José Rufino Santos- Nova Escola 04/08

LEVANDO UMA HISTÓRIA PARA CASA


Para que chegassem aos livros da biblioteca, comecei a emprestar-lhes pequenas doses de histórias.
Recortei algumas de livros didáticos usados, fotocopiei contos de revistas infantis e pedagógicas.
Gradativamente os alunos estavam acostumando-se a ler em casa. Fui comprando revistas em quadrinhos e livrinhos, observando qual a preferência deles. Com o passar do tempo, a procura foi aumentando, comecei, então, a solicitar ajuda da família, amigos e editoras.

Para que adquiram o hábito da leitura é conveniente que comecem com leituras mais lúdicas, fantasiosas, da geração deles.
As clássicas, eles lerão quando este hábito estiver mais apurado.

De nada adianta forçar-lhes a ler Dom Casmurro sem antes não folhearem uma revistinha do Bem 10!

Portanto o acervo da Oficina é essencialmente “moderno”.

Desde revistinhas da Turma da Mônica, Super Homem, até livros para adolescentes, cujo tema principal é o amor.

Existem nas bancas, revistinhas de pensamentos de amor, poesias e frases que as meninas adoram até copiar em seus cadernos.

Até os meninos aproveitam as poesias para enviar cartinhas para as meninas...

Outro sucesso: livros de namoros, dicas e histórias de amor.

Com isto, tenho pesquisado livros deste gênero, pois acredito que lendo acontecimentos próximos de sua realidade, eles estarão no caminho certo para serem grandes leitores mais tarde.

Os sites de revistas teen na internet ajudam bastante. Eu costumo imprimir matérias, contos, histórias, curiosidades, (não imaginam meu consumo de tinta e papel...)

Gostaria até de indicar a revista Atrevidinha para as meninas de 12 anos. Uma graça de revista! Muito bem elaborada.

E outra dica, não é uma revista cara... Existem outras excelentes, como a Recreio, porém seu preço não é nada animador.

Com a rotina dos empréstimos precisei criar algumas normas para não perder o acervo. Alguns alunos não cuidam direito,amassam , rasgam e até perdem.

Vindo ao encontro, o resgate à responsabilidade, o cuidado ao transportar e manusear livros, revistas juntamente com o compromisso de devolver no tempo estabelecido. A pena máxima é quando o aluno fica “impedido” de levar mais histórias para casa.

Se ele levou uma vez e infringiu o estabelecido com relação ao prazo de entrega ou cuidado no manuseio, ele terá mais uma chance. Caso perca uma revista, deverá trazer outra. No início aceitava outras revistas similares. Mas, precisei exigir outra igual, pois acontecia do “cliente” gostar tanto daquelas revistas, que “perdiam”, sabe? Tipo: “Vou ficar com estas e levo outras para Oficina”...

Isto também é uma questão de observação, creiam, ainda existem crianças sem má fé. Simplesmente gostam do “Homem Aranha” e querem ficar com aquele exemplar...

Naturalmente algumas revistas foram “encontradas” em baixo da cama ou em gavetas misteriosas que a mamãe guardou e não avisou... Acontecia muito com as revistas de poesias, frases de amor e heróis.

Além do acervo de periódicos, Oficina tem livros infanto- juvenis.

Procuro sites de autores, assim, como comentei na primeira postagem, onde fiz os agradecimentos de doações.

Ainda queria muito que a autora Inês Stanisiere e/ou a Editora Planeta atendessem meu pedido. Os livros dela são tão lidos , que precisei encaderná-los, não com as capas duras, porque ficam muito caros... Se eles me doassem um exemplar de cada...

Ah! Não sabem como as meninas ficariam felizes. E ainda tem o lançamento novo...Não pude comprar ainda, e infelizmente não recebo retorno dos emails.
Drica Pinotti, outra escritora fantástica. Seus livros “Cinco Coisas” de relacionamento ou amizade , De Menina A Mulher, entre outros, são bem adequados, as meninas se divertem e ao mesmo tempo se informam.

Enfim, são tantas as propostas de leituras variadas com textos que fazem sentido a estes alunos.
Seria imperdoável que eu, como educadora, não os levassem a adquirir o HÁBITO SAUDÁVEL DA LEITURA.

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