segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Três poemas para um (triste) regresso

(Deu saudade deste canto e dos amigos que aqui vinham. Talvez voltem, talvez não. Talvez eu volte, talvez não)


            - I -

Maria, traga-me os panos,
embebidos com arnica.
Doem-me os cortes e os lanhos,
e a sede me sacrifica.
Quero beber o teu beijo,
cicatrizar com teu pranto.
Acenda um rolo de cheiro,
para agradar o teu santo.
Depois deita-te comigo
e finja que está cansada.
Encosta tua coxa nua
na minha peluda e magra.
Porque amanhã bem cedinho,
a rebelião continua.

                                                                              - II -
Acorda, poeta;
beija de leve
o seio da tua menina,
com quem nesta madrugada,
pichaste um verso do Leminski

no muro da Praça Quinze.

Passe um café bem forte,
e lhe sirva com mel
e pinhão de chapa.
E, antes da nova passeata,
procura terminar o teu poema
antes que a tropa,
pise o papel
e inutilize a pena.

                                                                                       
                                                                                                        - III -
Ora, veja só, Capitão, minha medalha;
Está um pouco opaca, desbotada.
Tem a marca de um beijo na serrilha, 
E um furo de bala no reverso. 
Ganhei à ambos, Capitão, batom e chumbo,
Quase que na mesma metralhada,

No instante em que de cá, desta fortilha, 
Meu amor reabastecia com meus versos,
O perfume que soprei para o seu mundo.

domingo, 3 de novembro de 2013

Divagações Metafísicas. (ou entenda como quiser)


Eis que da luz lilás, fugaz e efêmera, chispam fótons aleatórios. Alguns encontrarão morada em corações. Outros se perderão no éter, prosseguindo a minha saga de ânsias. Mas é o meu coração que vai, despedaçado em bilhões de anos luzes, como na conspiração cósmica da grande explosão, que, segundo a ciência, tudo gerou. Hoje sou eu quem gero. Gero segundo os meus princípios e meu próprio entendimento. É meu coração que explode; sou eu quem explodo. Tenho e me dou o direito, neste derradeiro gesto, de escolher a direção a que lanço o sal de minha boca, o sangue do meu corpo e o amor de minha alma.

Como Pessoa sento-me à janela a acendo um cigarro. E impessoalmente penso que a fumaça que se dissipa no ar, sou eu que me esvaio. A fumaça também faz sombras que embaça a luz do meu coração que explode. Sou também feito de sombras. Antagonismo cruel do que fui feito. Antagonismo cruel do que me morro. Antagonismo cruel do que vivi.

Nada mais deixo de herança a não ser a contradição. Minha única herança é o antagonismo de que fui feito. Minha luz e minha sombra é o que deixo.

Não pisem nos meus rastros porque eles foram gravados na terra pelos meus tropeços. Tatuem na terra as marcas de seus próprios passos trôpegos. E sobretudo errem. Não voluntariamente como se buscassem o erro. Errem o erro consciente de quem tentou encontrar o caminho certo e que, por descuido, se desviou da trilha.
(Ah, sou eu a dar conselhos!... Não os sigam.)

Criei filhos que não gerei. Amei e odiei com tanta intensidade que hoje não sei mais a quem odiei e a quem amei. E isso nada mais importa.

Plantei árvores de cujos frutos jamais comerei. Fiz versos que ninguém recitou. Removi pedras de um caminho que ninguém mais irá trilhar.

Acendo outro cigarro. O último do maço. Vejo a fumaça subindo em espiral e se perdendo, através da janela na noite escura. Me fundo com a fumaça. E na noite escura, com ela me volatizo.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Os Herdeiros do Contestado


Tu falas, em teu artigo, que o terceiro monje - José Maria - foi um desertor do exército e tinha antecedentes criminais. Podes me informar qual a fonte em que fizestes a pesquisa?

Valeu pelo artigo.Fico no aguardo.

1 de setembro de 2010 13:47

Foi com este questionamento, sutilmente reprobatório nas entrelinhas, que conheci Gilead Maurício. Ele se referia a um texto, publicado no “Letras da Torre” em 28 de Novembro de 2009, em que reuni algumas informações sobre a Guerra do Contestado, conflito envolvendo caboclos e forças militares a serviço dos coronéis de então, tendo como palco, o meio-oeste do estado de Santa Catarina.

Na época eu pesquisava sobre outro fato que também teve grande influência na constituição e formação do meio oeste e oeste de Santa Catarina: os balseiros do Rio Uruguai. Ambos os fatos, a Guerra do Contestado e o comércio e transporte de madeiras através do Rio Uruguai, se entrelaçavam em alguns momentos, geográfica, histórica, sociológica e temporalmente. A guerra, de 1912 a 1916 e a atividade balseira logo a seguir, entre 1918 e 1965. A exploração extrativista e destrutiva das árvores nativas existentes na região está presentes nos dois casos.

O texto sobre a Guerra do Contestado foi, portanto, uma inserção periférica ao objetivo da minha pesquisa, pois encontrei várias referências a ela durante entrevistas que realizei nas localidades que sofreram a influência da exploração da madeira.

Respondi ao Gilead no mesmo espaço do blog, citando a fonte (que já constava do texto) e acrescentei algumas observações pessoais. A partir daí passamos a trocar informações de forma mais ou menos constantes. Foi assim que fiquei sabendo que ele preparava uma expedição ao meio oeste catarinense com o intuito de resgatar, no que fosse possível, a história do Contestado. Não se contentava em pesquisar fontes bibliográficas, queria conhecer a região, falar com pessoas, sentir na pele.

E isso ele fez, no lombo de uma motocicleta. Curiosamente o mesmo meio que usei para obter informações sobre os balseiros. Minhas expedições eram, no entanto menores e pontuais. Limitei-me a percorrer comunidades ao longo da margem direita do Rio Uruguai, desde Itá até São Miguel do Oeste, passando pelo Goio-en, um dos locais de montagem e partida das balsas e cenário da estória que, mais tarde, eu viria a contar. Também estive nas comunidades indígenas de Sapé-Ty-Kó no Distrito de Água Amarela, município de Chapecó e na reserva indígena de Xapecó, no município catarinense de Ipuaçu.

A expedição do Gilead foi mais ampla. Partindo de Florianópolis ele percorreu o Planalto Serrano até a região do conflito, no meio-oeste catarinense, visitando lugares, falando com pessoas, sentindo o clima.

Na minha infância, no interior de Lagoa Vermelha - RS, e lá já se vai mais de meia década, eu escutava, nas rodas de mate, os mais velhos falarem de um tal de São João Maria, muito benzedeiro e curador de várias moléstias, inclusive do gado e outros animais.

Alguns o chamavam de Jujo Idéia, mas não sei se a referência era à mesma pessoa. O fato é que um nome e outro eram pronunciados com respeito e, às vezes, devoção e esperança.

Quase nessa época o cantor gaúcho, José Mendes, em uma canção chamada “Homenagem à Lagoa” dizia nos versos, que ouviámos no rádio e repetíamos distraidamente:

Lagoa Vermelha cidade sulina
Divide o Rio Grande e Santa Catarina
Lá existe uma água que corre da bica
Quem bebe esta água por lá ele fica
A água é clara como a luz do dia
Dizem que foi benta por São João Maria
O velho profeta milagres fazia
Mataram três vezes mas nunca morria

Gilead Maurício remexe nessa história, no seu recente livro, “Morte ao Caboclo”, fruto da sua expedição, de maneira singular. Transcrevo a sinopse do livro extraído do Site Livrarias Curitiba - http://www.livrariascuritiba.com.br/morte-ao-caboclo-aut-catarinense,product,LV324220,3153.aspx – onde o livro pode ser encontrado:

Que tal uma viagem de motocicleta pelos lugares onde aconteceu a Guerra do Contestado? Alem da aventura, você ficará sabendo em detalhes o que foi esse conflito que matou milhares de brasileiros na segunda década do século passado. Com uma linguagem despojada, Gilead Maurício mostra neste livro quem eram os sertanejos que enfrentaram o Exército Brasileiro e deram seu sangue por uma causa. Suba na moto desse jornalista potiguar radicado em Santa Catarina e descubra a quem interessava o conflito armado. Saiba qual o foi o papel dos políticos, dos empresários, do clero católico e da imprensa nessa guerra fratricida.

Por que a Guerra do Contestado não tem o destaque que tem a Guerra de Canudos? Ora, é fato que em termos de grandeza a segunda não foi metade do que foi a primeira. A quem interessava esconder os fatos? É verdade que tudo começou com um movimento religioso em torno de um monge e terminou em um massacre de caboclos abandonados pelo poder público? Ou o Contestado não passou de uma revolta camponesa que contrariava a lógica capitalista imposta com a proclamação da República?

Com uma dose de humor e uma ponta de poesia, o escritor te levará por caminhos esquecidos ao longo da história, e no fim restará apenas uma pergunta: o que mudou?

Eu recomendo. Não só porque Gilead Maurício é hoje meu amigo, mas porque ainda não encontrei a resposta para a pergunta: “O que mudou?...

____________

 
Letras da Torre - Templates Novo Blogger