domingo, 1 de fevereiro de 2009

Balseiros - Final



CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a abertura de novas estradas e a utilização do caminhão como meio de transporte, a madeira deixa de ser escoada pelo rio Uruguai e transita por terra. Essa atividade ocorre com muito menos intensidade, já que o cedro, madeira principal, estava se tornando escasso. Para o balseiro Alfred Gerhd Schefler: “O comércio da madeira com a Argentina começou, mais ou menos, em 1918 e terminou em 1965 porque o governo proibiu”.

Encerra-se, assim, essa modalidade de trabalho tão importante para a região e para esses trabalhadores que tiravam desta atividade, o capital para manter a pequena propriedade de que dispunham. Alguns aplicaram o lucro obtido em outras atividades como o comércio, madeireiras e alambiques. Outros, na terra e na agricultura. Outros, ainda, gastaram seu capital, sem investir em nada.

De um modo geral, desde o Estreito do rio Uruguai, em Marcelino Ramos/RS até Goio-En, em Chapecó/SC, a atividade balseira foi muito intensa. O comércio da região foi financiador dos balseiros e beneficiário deles. Angeli assim descreve: “Uma coisa era evidente: o crédito dado aos balseiros tinha retorno certo. Podia demorar, porque devia-se esperar o regresso de San Tomé, mas voltava.”

O ‘negócio das balsas’ deixou de existir há mais de cinqüenta anos. Sua história hoje é representada nos palcos de teatro, no cancioneiro nativo e em contos da região. A importância maior dessa atividade é que ela representou a principal fonte de renda para muitos trabalhadores e foi fundamental no alicerce da economia regional.

Há muito ainda a ser pesquisado e isso tem sido feito incansavelmente. Pretendemos utilizar a maior quantidade de fontes possíveis, para podermos relatar de forma mais completa essa modalidade de trabalho. Ela foi, durante muito tempo, a principal fonte de renda para muitas famílias da região, além de contribuir para o crescimento econômico e desenvolvimento de muitas cidades do Alto Uruguai catarinense e gaúcho.


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Epílogo

Os primeiros dias após o acontecimento de um fato não rotineiro são sempre cheios de comentários e conjecturas. Com o passar do tempo vai caindo no esquecimento sobrepujado pelas necessidades do dia a dia.

Fora assim quando Vicente não voltou com os outros balseiros. Fora assim com a visita dos engenheiros que mediram as barrancas do rio. Fora assim com os bahianos da barragem.

Quando Fulgêncio não apareceu no Moura, a princípio ninguém deu maior importância. Só a partir do terceiro dia foi que alguém perguntou ao Natalício sobre notícias do velho prático – não tenho visto, sacudiu os ombros e voltou a bebericar o copo de pinga.

Tiço passava na estrada, de volta da aula e Moura chamou-o.

- Por onde anda teu pai, guri? Por acaso anda adoentado?

- Não sei não, seu Moura. Desde tresontonte que não posa em casa.

A partir disso os boatos começaram a ganhar forma e a crescer. O filho mais novo do Céza contou que o velho tinha convidado ele e os irmãos para fazerem uma balsa e descer o rio.

- Uma balsa?... Mas com que tora, se já nem existem mais pinheiros, nem cedros, nem canjeranas?...

- Mas diz que fez, com as galhamas da capoeira e das arve secas da roça de feijão.

- Já não andava bem da cabeça. A cachaça comeu os miolos dele... Só pode.

- Uma balsa, bah!...

No outro dia a noticia já havia se espalhado. Alguns homens se juntaram e bateram o rio pela margem. Os bombeiros vieram da cidade e vasculharam o leito do rio. Um viajante que vinha do Iraí afirmou ter visto uma balsa descendo o Uruguai, passando por debaixo da ponte do Passarinho e sumindo, lá longe, rio abaixo.

- Já faz bem uns três dias, acho.

- Então era!

Outro, da cidade, que fora em caravana pescar na Argentina afirmou tê-lo visto faceiro, amasiado num cabaré em Santo Tomé.

- Velho safado, disse Moura. – Tá lá chineando e sisqueceu de me pagar a caderneta. Me engambelou com cinqüenta e oito contos.

Tiço, que ouvira o comentário, prometeu pagar. Aos poucos, mas pagava. Era só melhorar a venda das frutas.

E assim a lembrança foi morrendo. Vez que outra alguém fazia um comentário, quando viam Elvira ou o Tiço passar na estrada.

Numa manhã, Tiço atravessou a ponte carregando a cesta de frutas como sempre fazia. Já do lado do Rio Grande, em vez de ir para perto do posto policial para onde sempre ia, entrou na trilha do mato. Escondeu a cesta entre as touceiras de samambaias e seguiu adiante, pela margem esquerda do rio, subindo o morro por onde não havia mais trilhas. Seguiu ligeiro desviando dos cipós e dos espinhos até chegar à pequena clareira onde havia uma pilha de pedras e uma cruz pintada de branco, quase escondida por entre a vegetação verde.

Ali, tirou do bolso o papel com o desenho da caravela copiado do livro da escola. Colocou a figura junto à cruz e uma pedra em cima. Benzeu-se pelo sinal e tomou o caminho de volta.

Natalicio o esperava a poucos metros. Seguiram juntos por algum tempo em silêncio. Logo o negro bateu-lhe no ombro e desviou-se para os lados do seu rancho, mais para o alto do morro. Tiço voltou para a estrada, vender frutas.

Quando os bahianos fecharem a barragem, tudo aquilo vai virar água. A cruz, a caravela e o balseiro terão, finalmente, seu merecido e definitivo descanso.
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(A quem preferir ouvir um fundo musical enquanto lê as referências bibliográficas e os créditos, clique no link abaixo. A música está armazenada no Site JMauro - Recomendo minimizar a janela da midi para voltar à leitura)


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ANGELI, Heitor Lothieu. O Velho Balseiro. Porto Alegre: EST Edições, 2000.

AURAS, Marli . Guerra do Contestado: a organização da irmandade cabocla. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1997.

BARBOSA, Fidélis Dalcin. Semblantes de Pioneiros. Porto Alegre: EST Edições, 1995.

BARCELOS V. D. O governo Borges e a indústria da madeira na região nordeste do estado (1928-1989), PUC, 1988

BELLANI. Eli Maria. Balsas e Balseiros no Rio Uruguai (1930-1950). IN Centro de Organização da Memória Sócio-Cultural do Oeste. Para uma História Catarinense: 10 anos de CEOM. Chapecó: UNOESC, 1995.

BELLANI, Eli Maria. Madeiras, Balsas e Balseiros no Rio Uruguai. Florianópolis: UFSC,1991.

CABRAL, Oswaldo R. História de Santa Catarina. Rio de Janeiro: Laudes, 1970.
___________ . A campanha do Contestado . Florianópolis: Lunardelli , 1979.

CARDOSO, Ciro Flamarion e BRIGNOLI, Héctor Pérez. Os Métodos da História. 2a edição, Rio de Janeiro: Biblioteca da História, 1981.

CUNHA, Idaulo J. A Evolução econômico industrial de Santa Catarina. Florianópolis: Ed. Fundação Catarinense de Cultura, 1982.

D’ANGELIS, Wilmar . Contestado: a revolta dos sem-terras. São Paulo: FTD, 1991.

Dicionário Brasileiro Globo. Francisco Fernandes, Celso Pedro Luft, F. Marques Guimarães. 9ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Globo, 1989.

Dicionário do Pensamento Marxista. Tom Bottomore editor. Laurence Hrris, V. G. Kiernan, Ralph Miliband co-editores; [tradução, Waltensir Dutra; organizador da edição brasileira, revisão técnica e pesquisa bibliográfica suplementar, Antônio Moreira Guimarães]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.

FERREIRA, Antenor Geraldo Ferreira. Concórdia: O rastro de sua História. Concórdia: Fundação Municipal de Cultura, 1992.

GERASUL. Os trabalhos e os Dias: Histórias de vida de antigos moradores da barragem da UHE – Itá. Caxias do Sul: UCS, 1985

GERASUL, CSN, Itambé. Itá – Memória de uma Usina . Itá: Gráfica Takano, 2000.

GREGORI, V. Capitalismo, latifúndio, migrações: a colonização do período republicano no Rio Grande do Sul – zona norte e a região de Santa Rosa. PUC, 1988

GOULART FILHO, Alcides. Formação Econômica de Santa Catarina. Florianópolis: Cidade Futura, 2002.

LOWY, Michael. O Método dialético e a teoria política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975 MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do contestado: a formação e a atuação das chefias caboclas (1912-1916). Campinas: Ed. da UNICAMP, 2004.

POLI, Jaci. Caboclo: pioneirismo e marginalização. Chapecó: FUNDESTE, 1991.

QUEIROZ, Maurício Vinhas de. Messianismo e conflito social: a guerra sertaneja do Contestado : 1912-1916 . São Paulo: Ática, 1981.

RÜCKERT, A. A produção capitalista do espaço: construção, destruição e reconstrução do território no planalto rio-grandense. Unesp,1991

TEDESCO, João Carlos e SANDER, Roberto. Madeireiros, comerciantes e granjeiros: Lógicas e contradições no processo de desenvolvimento socioeconômico de Passo Fundo (1900-1960). Passo Fundo: UPF, 2002.

VALENTINI, Delmir José. Da cidade santa à corte celeste: memórias de sertanejos e a Guerra do Contestado. Caçador: Universidade do Contestado-UnC , 1998
_______________Tropeiros, Ervateiros e Balseiros: Memoráveis personagens da História do Sertão Catarinense. IN: Ágora: Revista de divulgação científica da Universidade do Contestado. Caçador (SC): UnC, 1994. v.1, nº 1 (jan/jul).

WERLANG, Alceu. A colonização do Oeste Catarinense, Argos, 2002

Referências complementares à estória dos balseiros:

SCHIEFELBEIN, Flamarion Santos. Em revistapersona.com.ar.

JORNAL “O NOVIDADES” – 1904 E 1905.

ALMANAQUE INDÍGENA DO BRASIL

Agradecimentos especiais:

MORAES (o velho) que buscou na memória fatos doloridos do passado.

VICENTE (o real) e à sua família.

Aos irmãos índios da Aldeia e Escola Sapé-Ty-Kó em Água Amarela, interior. À professora que proporcionou essa integração e que não quer ver seu nome divulgado.

Ao Rio Uruguai.
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O HÁBITO SAUDÁVEL DA LEITURA



Ler


Gisele Parreira Pinto


Ler, verbo que faz sublimar os pensamentos, problemas e conflitos. Verbo de pouquíssimas letras, mas de enorme efeito para quem pratica. Efeito que transforma, exalta, enaltece, contribui, valoriza e modifica.

Ler. Prazer de muitos. Momento único, ímpar, o qual se descobre algo sobre si ou sobre o mundo.

Por meio da leitura pode se ir até onde não se imagina; reflete-se o nunca antes pensado; surpreende-se com o insólito. Ler com criatividade e lógica; ler com imaginação.

A leitura o deixa absorto. Para muito longe, você é levado sem precisar ao menos de uma única condução. E assim, a viagem para um mundo novo se inicia, cheia de mistérios. Mistérios que quase sempre são desvendados no desfecho. Sem perceber, sua transformação já aconteceu e você não é mais o mesmo. Você mudou. Tudo isso, sem sair do lugar, sem, às vezes, até desejar.

A leitura tem esse poder, que embriaga e seduz.

Quem ainda não provou desta poção mágica ou quem ainda não foi contaminado pela volúpia do ler, com certeza, não compreende e não acredita nesta sublimação.

Como dizia o poeta Carlos Drummond de Andrade, "Sob a pele das palavras há cifras e códigos". Por isso, permitir-se ser envolvido pelas palavras, cujo poder é imensurável, é como se permitir dançar sua música favorita, pois o lido se mistura com o vivido e para um bom leitor, a leitura é ao mesmo tempo pulsação, gosto e prazer. Logo, quem não lê; não gosta. E o sabor adocicado que se sente ao terminar um livro, nunca será provado. Experimente esta realização. Certamente, você não se arrependerá.

Na verdade, deveríamos sempre consultar os livros, ou melhor, ter um livro ao nosso alcance para uma eventual "fuga" (boa forma de fugir). Essa fuga não é prejudicial à saúde.

Com uma boa leitura, podemos transformar a ignorância por sabedoria; alienação por conhecimento; ociosidade por ação.

Não se esqueça: ninguém evolui sozinho. Portanto, busque no livro sua parceria, seu auto-conhecimento, sua imaginação, seu passatempo, seu lazer, seu prazer. Leia.

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6 comentários:

Anônimo disse...

Passei pra deixar beijos,tá?
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Ara!
Agora eu vi de onde era o Tiço...rs
Vais ganhar um prêmio pelo resgate de nossa história!
Belo texto!!
Parabéns!
Beijos!!
.
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Anônimo disse...

Olá Quasimodo

Pediste autorização ao Victor para usar o nome? Com uma mesa pé-de-galo, óbvio. Olha que o Hugo é homem capaz de te meter em trabalhos.... hahahahahaha

Gostei muito do teu imeile. E fiquei todo vaidoso com os elogios. Vou comprar uns ólicos escuros, um sombrero mexicano e um capote alentejano para andar na rua sem ser recunhecido, com o.

Como sou muito obediente, aqui estou. E aproveito a ocasião: quero informar-te que atingi o bonito número de 110 Seguidores, pelo que as coisas começam a aquecer quanto à entrada d’A Minha Travessa no famigerado Guiness. Há uns anos, os CTT diziam que o Código Postal era meio caminho andado. Ali, já se ultrapassou o dito publicitário.

A partir de agora, o/a Seguidor/a que atinja um número redondo ganhará uma lembrança deste blogue. Assim, quem chegar primeiro aos 120, toma! E aos 130 e aos 140, 150, 160 e por aí fora, toma! Será um «prémio-mistério» que espero que os ganhadores achem interessante. Pelo menos, é exótico e pouco vulgar. E mais não digo. Boa sorte. Obrigado.

Nota: Gostava de botar um cumentário, com o, no post acima, mas... não tem onde...

Anônimo disse...

Amigo Quasímodo!

Hoje entrei aqui com a intensão de ler os Balseiros de fio a pavio, e se bem o pensei, melhor o fiz.

Comento aqui apenas para deixar rasto da minha presença... atempadamente conversaremos sobre o assunto... tenho muitas perguntas a fazer... você sabe, a minha curiosidade é atroz!

Deixo um beijo e desejo-lhe um fim-de-semana muito profícuo, mais não seja pelo descanso!

O beijo, é o de sempre: Luso ele!

Quasímodo disse...

Milly, o sul do Brasil viveu verdadeiras histórias épicas, como as Reduções Jesuíticas, a Guerra dos Farrapos, a Revolução de 23 e de 30, a Guerra do Contestado, em SC, os balseiros do rio Uruguai, os tropeiros de mulas.

Sem falar nas diversas etnias que formaram este canto do Brasil, cuja história de imigração e sofrimento, é, por si só, uma verdadeira epopéia.

Não tivemos aqui um Euclides da Cunha ou um Jorge Amado para contá-las e talvez por isso ela, a história, aparece quase que exclusivamente em livros escolares. Mesmo assim há muitos escritos e escritores que procuraram resgata-la, como João Simões Lopes Neto, Antonio Augusto Fagundes, Paixão Cortes, Fidélis Dalcin Barbosa (aquele professor ao qual me referi numas das primeiras postagens da Torre).

Com certeza há muito ainda a ser resgatado, além da narrativa linear e cronológica de fatos.

Um abraço, amiga e obrigado pela visita.

Quasímodo disse...

Ô, Ferreira; finalmente as correntes marinhas trouxeram-te para o sul do Brasil. Sejas bem vindo. É um deleite ler-te na Travessa. Tens um humor sutil e refinado o que torna a leitura muito prazeirosa.
Irei aderir ao séquito de teus seguidores, (formalmente, pois que anonimamente já o faço) pelo que o tal do Guiness estará um pouco mais próximo. Quando entrares me contes como é lá por dentro, como são as moças, se o vinho é caro, etc...

Quanto ao comentário, as postagens do Projeto da professora Krika iniciaram fazendo parte da mesma postagem do corcundinha, e assim os mantive até agora, até mesmo como um testemunho do meu engajamento a ele. Mas tens razão. É hora dele romper o cordão umbilical e seguir seu próprio caminho autonomamente pois que já está taludinho o danado. E assim sendo, estarão também melhor direcionados os interesses e as discussões.

O Victor não se importará por eu ter-lhe tomado o nome. Afinal, quasi modos não são seres tão raros quanto imaginamos.

Um abraço.

Quasímodo disse...

Luzia, de alma lusa.

Os ventos marinhos estão mesmo a soprar para cá. Agora trouxe-me outra lisboeta, muito mais bela que o amigo AEFE...rss.

Será um prazer responder aos teus questionamentos, se isso me for possível e estiver ao meu alcace. Se bem que muitas coisas acontecidas fogem da racionalidade e da lógica humana.

Bom final de semana para ti também, amiga querida.

Beijos. Com gosto de guabiroba do mato.

 
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