Fim de uma viagem... Preparação para outra
Quando os balseiros chegavam ao seu destino, em São Borja/RS, encontravam com o patrão, que já estava à espera de seus empregados. Algumas vezes eram recepcionados com um churrasco, para comemorar a chegada. Ali mesmo, os trabalhadores recebiam seus pagamentos.
Em épocas de enchente, os bancos ficavam abertos, também, à noite. Alguns já gastavam o seu dinheiro ainda em São Borja, mas a maioria trazia para casa e investia nos negócios da família.
No entanto, para Angeli, haviam outras formas de gastar o dinheiro:
“A descida de balsa para o peão era uma aventura gostosa. Além de viajar e conhecer outros lugares ganhavam um bom dinheiro. Em cinco dias recebia o valor de dois meses de trabalho, mas, como não tinha noção de economia, gastava tudo em supérfluos, principalmente coisas da Argentina. O Uruguai era uma esperança, uma porta que se abria para o futuro, para as aventuras, as farras nas descidas, os cabarés de São Borja que na época de enchente se enchiam de mulheres de todos os cantos e principalmente correntinas... O balseiro quase sempre era explorado pelas damas da noite, e muitas vezes um velho remador tinha que pedir dinheiro emprestado para voltar, porque gastara todo o seu em uma única noite.”
O retorno acontecia por via terrestre. De São Borja até Santa Maria, eles vinham de trem. De Santa Maria a Erexim, de ônibus e de lá, vinham a pé até Itá (aproximadamente 50 km). A partir dos anos 1950, era utilizado o caminhão como meio de transporte até Erexim. De lá, a Itá já poderiam dispor de ônibus. O retorno demorava de três a quatro dias. Dependendo das condições do tempo, muitas vezes esses trabalhadores logo seguiam viagem com mais uma balsa pelo rio Uruguai.
Enquanto os balseiros retornavam para casa, o patrão, juntamente com um ou dois peões, ficava para comercializar a madeira. Os trabalhadores cuidavam da balsa e o patrão procurava os compradores. Muitas vezes a negociação era difícil, em função da superprodução e da especulação. Isso prolongava a permanência em São Borja. Eventualmente pernoitavam nos hotéis da cidade, o Glória e o Central. A madeira era vendida por varas. Dezoito varas davam um metro cúbico. Os compradores eram brasileiros e argentinos. Eles adquiriam as toras para exportar.
Após receberem os pagamentos, iniciavam-se as preparações para o retorno. Cada um era responsável pelos seus custos. Em São Borja, eles compravam a passagem e vinham de trem até Santa Maria. Para isso, viajavam durante um dia. De Santa Maria a Erexim, mais um dia e meio, de ônibus. De lá, nos primeiros anos, vinham a pé até Itá, aproximadamente 50 quilômetros.
Carregavam uma mochila com seus pertences e o pagamento para a viagem. Segundo Angeli,
“Na bagagem desses homens arrojados iam os presentes para a família: sedas, crepes, gabardinas, mantos, chalés e perfumes. As mulheres dos balseiros eram as damas mais bem vestidas da região”. No final da década de quarenta, já podiam voltar de caminhão até Erexim e de lá vinham de ônibus. A grande dificuldade era que em épocas de cheias as estradas ficavam intransitáveis, devido à lama existente.
-0-
O dia ainda não amanhecera de todo, as nuvens atrasara o sol, a fúria do rio espantara os biguás, e a umidade das penas calara os pios dos bem-te-vis.
As réstias de luz que rompiam as frinchas das nuvens prateavam, aqui e ali, o lombo das ondas revoltas.
Fora uma noite mal dormida. Fulgêncio não pregara o olho. Tiço dormira um pouco, até o meio da madrugada, depois ficou desperto, atento ao movimento do pai, no quarto ao lado. Na outra margem do rio, Natalício amanhecera mateando, acompanhando o bruxulento movimento das sombras nas paredes do rancho, ora apagadas como num sonho vago, ora bem desenhadas e nítidas como um espectro de gavião, conforme as labaredas mermavam ou se avivavam com os gravetos achegados.
A sanga onde estava amarrada a balsa, já virara um Uruguai só, mas sem a correnteza do canal do rio.
Quando Fulgêncio soltou as amarras, a balsa seguiu lenta para o rio grande, como se conhecesse o caminho e estivesse esperando, saudosa, o encontro com as águas ligeiras.
Ao sair do remanso, adernou para a direita, batida pela força das águas que lhes vinham do Uruguai. Era a hora do Prático assumir o seu papel. Gritando com os remadores de Itá, que estavam do lado direito, empunhou seu remo e aos poucos corrigiu o rumo, cortando em diagonal o rio, afastando-se da margem catarinense.
As toras eram finas e tortas e mesmo empilhadas em dois lastros sobrepostos deixavam ver a água passando por baixo, quando deslizava por breves momentos, e espirrava como uma chaleira fervente quando batia nas ondas.
Antes mesmo de chegar à caixa do rio, o rancho construído com galhos amarrados com cipós pendeu para um lado, e com os primeiros solavancos das ondas vomitou tudo o que havia dentro, esparramando a panela e o arroz, a chapa de lata e o garrafão de cachaça, que rolou para as águas.
- Cuida da bóia, Florão. Cuida da bóia.
- Natalício óia a pinga...
- Vicente; corre cá, desgraçado, corre cá!...
A balsa rodopiou na corredeira e soltou as toras onde estavam os remadores de Itá.
O Prático viu chegar Vicente ao seu lado, gritando e apontando os chefadores na margem do Rio Grande.
- Tá perdida, compadre... tá perdida. Melhor que seja assim. Mas desta feita me vou contigo, compadre. Era mesmo de ti que Elvira gostava. Dos teus zóios e de teus agrados. Desde que te fostes no Yucumã, que ela acabrunhou-se comigo. Desde esse tempo que olho as águas e é teu semblante que ela reflete. Nem toda a pinga do Moura apaga a covardia que te fiz...
O que restava de toras amarradas bateu no barranco e a balsa se desfez como num jogo de varetas. O velho prático balseiro caiu de costas e abraçado a Vicente deixou-se afundar no rio, entre o madeirame que rodopiava na correnteza.
Dividiriam, a partir de agora, o fundo lamacento do Uruguai, como dividiram em vida os perigos e as alegrias das descidas. Como dividiram em vida o amor e a cama da bugra Elvira.
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Tiço corria pela margem, pelas trilhas do mato, acompanhando a caravela. Por entre as frestas dos sarandis viu quando Vasco da Gama, em pé, lançou a embarcação rumo às pedras, do outro lado do mar. Viu-a partir-se. Viu quando alguém jogou-se na água ainda com roupa. Viu quando ele saiu da água mais abaixo, e embrenhar-se novamente no mato arrastando um corpo inerte.
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O HÁBITO SAUDÁVEL DA LEITURA
REFLETINDO COM LYA LUFT
SOLIDARIEDADE...È muito mais do que doar agasalhos ou alimentos para instituições. Mas... O que é ser solidário? Onde deve começar este aprendizado? O texto a seguir aborda essas questões, é um chamamento para a ação (que pode estar bem ao seu alcance).
O gesto não precisa ser grandioso nem público, não é necessário pertencer a uma ONG ou fazer uma campanha. Sobretudo, convém não aparecer.
O gesto primeiro devia ser natural, e não decorrer de nenhum lema ou imposição, nem convite nem sugestão vinda de fora. Assim devíamos ser habitualmente, e não somos, ou geralmente não somos: cuidar do que está do nosso lado.
Cuidar não só na doença ou na pobreza mas no cotidiano, em que tantas vezes falta a delicadeza, a gentileza, a compreensão; esquecidos os pequenos rituais de respeito, de preservação do mistério, e igualmente da superação das barreiras estéreis entre pessoas da mesma casa, da família, das amizades mais próximas. dentro de casa, onde tudo deveria começar, onde se deveria fazer todo dia o aprendizado do belo, do generoso, do delicado, do respeitoso, do agradável e do acolhedor, mal passamos, correndo, tangidos pelas obrigações.
Tão fácil atualmente desculpar-se com a pressa: o trânsito, o patrão, o banco, a conta, a hora extra... Tudo isso é real, tudo isso acontece e nos enreda e nos paralisa.
Mas, por outro lado, se a gente parasse (mas parar pra pensar pode ser tão ameaçador...) e fizesse um pequeno cálculo, talvez metade ou boa parte desses deveres aparecesse como supérfluo, frívolo, dispensável.
Uma hora a mais em casa não para se trancar no quarto, mas para conviver. Não com obrigação, sermos felizes com hora marcada e prazo pra terminar, mas promover desde sempre a casa como o lugar do encontro, não da passagem; a mesa como lugar do diálogo, não do engolir quieto e apressado; o quarto como o lugar do afeto, não do cansaço.
Pois se ainda não começamos a ser solidários dentro de nós mesmos e dentro de nossa casa ou do nosso círculo de amigos, como querer fazer campanhas, como pretender desfraldar bandeiras, como desejar salvar o mundo - se estamos perdidos no nosso cotidiano? Como dizer a palavra certa se estamos mudos, como escutar se estamos surdos, como abraçar se estamos congelados?
Para mim, a solidariedade precisa ser antes de tudo o aprendizado da humanidade pessoal.Depois de sermos gente, podemos - e devemos - sair dos muros e tentar melhorar o mundo. Que anda tão, tão precisado.
Livro Caminhos de Solidariedade
Retirado do livro didático Novo Diálogo, 9ºano - Editora FTD
Retirado do livro didático Novo Diálogo, 9ºano - Editora FTD
A amiga Géssica construiu um blog onde abriga projetos e idéias sobre educação, e onde também a professora Krika colabora.
Recomendo a todos que tem interesse pelo assunto a que a visitem através do link abaixo, ou pela lapela ao lado.
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8 comentários:
Olá, caro Amigo!
Retirei do texto, o que achei maravilhoso...
“... e a umidade das penas calara os pios dos bem-te-vis.”
“... e espirrava como uma chaleira fervente quando batia nas ondas.”
“... como se conhecesse o caminho e estivesse esperando, saudosa, o encontro com as águas ligeiras”.
Quando eu crescer, quero escrever lindo assim!
Transpôs lindamente para escrita um pouco da nossa história. Gosto de como descreves personagens simples, de uma forma grandiosa. Como consegues estampar esses personagens, ressaltando a sabedoria, suas qualidades e defeitos, suas inquietações, seus sonhos e dúvidas...Resta-me dizer: Parabéns!
Uma ótima semana, beijo!
P.S.: Lendo-o, lembrei-me que meu genitor fez transporte de caminhão, da madeira (toras), só não sei em que ano.
(volto para ler a krika)
Corcundinhaaaaaaaaaaaaa..eu vim ler.. e deixar o meu beijo de uma ótima semana...
..
Aprendo mto com o que escreves aqui... obrigada..
Eu nem sou anônimo tá.. a msg acima é minhaaaa...
mais beijossssssssss
Ara,Prima!
Eu serei igual a ele qdo crescer!
Tu já és uma bela escritora....
Agora,deixe eu aprender...rs
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Adoro o jeito como contas os causos,guri...adoro!
Consigo ver detalhes...sabes que imagino até as roupas e as feições dos personagens?...rs
Vivo tuas histórias...
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Lindo texto!!
Beijos!!
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Parabéns Krika pela escolha do texto para postagem.
Esse cotidiano engole os seres que sem reflexão sobre suas ações e comportamentos, fazem de seu dia a dia estressante a si e ao seus. Discute-se a mesa, no momento em que se deveria agradecer tão precioso alimento e fazer desse momento, um momento agradável e de partilha.
As pessoas correm estressadas e mergulham no trabalho ficando além do expediente, enfatizando sua falta de tempo e o quanto são importantes. Vejo isso muitas vezes como fuga de quem não quer parar para a reflexão, tendo sua vida pessoal renegada. Na verdade eu acho até meio ridículo. Nada mais interessante e atraente que ver um ser moderado, com sorriso no rosto, equilibrado e em paz e de mão estendida para o cumprimento.Que tem consciência de seus atos e de seus passos. Que faz do ócio um momento de reciclagem e reflexão, dando a si o direito e o prazer de fazer o que gosta.
Acredito que as pessoas nem percebem e não param para pensar, o que fazem minuto a minuto com suas vidas e com as pessoas ao seu redor. O ser se desconhece cara Krika e muitas vezes passa somente a ser um reagente. Tudo começa com a gente mesmo e nas pequenas mudanças internas. Assunto vasto, né mesmo?
Beijos!
'
o texto sobre os balseiros é impecável. leva-nos a uma viagem pelo sul do nosso maravilhoso país.
fulgêncio... ah, fulgêncio! o que será que ainda está por vir? a beleza do linguajar único, recheada de minúcias, nos transporta às sutilezas do imaginário. coisa boa de se ler...
no entanto, dessa vez, foi a reflexão proposta pela prof. krika, que mais me chamou a atenção: "cuidar não só na doença ou na pobreza mas no cotidiano, em que tantas vezes falta a delicadeza, a gentileza, a compreensão; esquecidos os pequenos rituais de respeito, de preservação do mistério, e igualmente da superação das barreiras estéreis entre pessoas da mesma casa, da família, das amizades mais próximas."
ah, quantas dores poderíamos evitar, se nos dedicássemos a seguir essas regras de convivência extremamente simples?!
beijos meus a todos...
Prima de longe que agora é de perto,pelo menos em reflexões nos encontramos. Muito bom te ler aqui e melhor ainda saber que prestigia minha participação aqui junto ao nosso amigo.
E eu aqui...uma perdida ou "metida"
quem nem sei escrever nem pertenço a realidades desses lindos contos..aqui ..vivos!
Tão vivos que senti o balanço da balsa na corredeira..o spray do rio...o cheiro do mato..
Sempre tão bom..ler..o q magicamente nos transporta! Mágico Quasi!
Bejuzãaoo..pra ti..adoro suas visitas, tá!! rs
MonaLis@
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