sábado, 30 de julho de 2011

Aulas Cronometradas

Interrompo a narrativa a respeito das charqueadas no RS, por conta de um material enviado pela Krika. Lembram-se dela? Krika foi colaboradora da Torre, logo no seu início, quando trazia matérias relacionadas à educação e seu projeto de estímulo à leitura.

Hoje ela possui dois dos, a meu ver, melhores blogs relacionados à educação e à pedagogia: Linguagem e Afins (http://www.linguagemeafins.blogspot.com/) e Projetos & Linguagem e Afins (http://projetoslinguagemeafins.blogspot.com/), o primeiro já com mais de dois anos de existência. É compreensível que, para manter atualizados ambos os blogs, Krika tivesse que se ausentar da Torre, embora as portas aqui estivessem sempre abertas. Aliás, ela tem as chaves.

Pois bem; eis a matéria que ela me enviou. Logo abaixo da “Resposta” que se segue, publico a que a originou, publicada na Revista Veja.

Creio ser de interesse dos vários amigos relacionados ao ensino que visitam a Torre.

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RESPOSTA À REVISTA VEJA

Sou professora do Estado do Paraná e fiquei indignada com a reportagem da jornalista Roberta de Abreu Lima "Aula Cronometrada". É com grande pesar que vejo quão distante estão seus argumentos sobre as causas do mau desempenho escolar com as VERDADEIRAS razões que geram este panorama desalentador. Não há necessidade de cronômetros, nem de especialistas para diagnosticar as falhas da educação. Há necessidade de todos os que pensam que: "os professores é que são incapazes de atrair a atenção de alunos repletos de estímulos e inseridos na era digital" entrem numa sala de aula e observem a realidade brasileira.

Que alunos são esses "repletos de estímulos" que muitas vezes não têm o que comer em suas casas quanto mais inseridos na era digital? Em que pais de famílias oriundas da pobreza trabalham tanto que não têm como acompanhar os filhos em suas atividades escolares, e pior em orientá-los para a vida? Isso sem falar nas famílias impregnadas pelas drogas e destruídas pela ignorância e violência, causas essas que infelizmente são trazidas para dentro da maioria das escolas brasileiras.

Está na hora dos professores se rebelarem contra as acusações que lhes são impostas. Problemas da sociedade deverão ser resolvidos pela sociedade e não somente pela escola.Não gosto de comparar épocas, mas quando penso na minha infância, onde pai e mãe, tios e avós estavam presentes e onde era inadmissível faltar com o respeito aos mais velhos, quanto mais aos professores e não cumprir as obrigações fossem escolares ou simplesmente caseiras, faço comparações com os alunos de hoje "repletos de estímulos". Estímulos de quê? De passar o dia na rua, não fazer as tarefas, ficar em frente ao computador, alguns até altas horas da noite, (quando o têm), brincando no Orkut, ou o que é ainda pior envolvidos nas drogas. Sem disciplina seguem perdidos na vida.

Realmente, nada está bom. Porque o que essas crianças e jovens procuram é amor, atenção, orientação e disciplina.

Rememorando, o que tínhamos nós, os mais velhos, há uns anos atrás de estímulos? Simplesmente: responsabilidade, esperança, alegria.

Esperança que se estudássemos teríamos uma profissão, seríamos realizados na vida. Hoje os jovens constatam que se venderem drogas vão ganhar mais. Para quê o estudo? Por que numa época com tantos estímulos não vemos olhos brilhantes nos jovens? Quem, dos mais velhos, não lembra a emoção de somente brincar com os amigos, de ir aos piqueniques, subir em árvores?

E, nas aulas, havia respeito, amor pela pátria.. Cantávamos o hino nacional diariamente, tínhamos aulas "chatas" só na lousa e sabíamos ler, escrever e fazer contas com fluência.

Se não soubéssemos não iríamos para a 5ª. Série. Precisávamos passar pelo terrível, mas eficiente, exame de admissão. E tínhamos motivação para isso.

Hoje, professores "incapazes" dão aulas na lousa, levam filmes, trabalham com tecnologia, trazem livros de literatura juvenil para leitura em sala-de-aula (o que às vezes resulta em uma revolução), levam alunos à biblioteca e a outros locais educativos (benza, Deus, só os mais corajosos!) e, algumas escolas públicas onde a renda dos pais comporta, até a passeios interessantes, planejados minuciosamente, como ir ao Beto Carrero.

E, mesmo, assim, a indisciplina está presente, nada está bom. Além disso, esses mesmos professores "incapazes", elaboram atividades escolares como provas, planejamentos, correções nos fins-de-semana, tudo sem remuneração;

Todos os profissionais têm direito a um intervalo que não é cronometrado quando estão cansados. Professores têm 10 minutos de intervalo, quando têm de escolher entre ir ao banheiro ou tomar às pressas o cafezinho. Todos os profissionais têm direito ao vale alimentação, professor tem que se sujeitar a um lanchinho, pago do próprio bolso, mesmo que trabalhe 40 h.semanais. E a saúde? É a única profissão que conheço que embora apresente atestado médico tem que repor as aulas. Plano de saúde? Muito precário.

Há de se pensar, então, que são bem remunerados... Mera ilusão! Por isso, cada vez vemos menos profissionais nessa área, só permanecem os que realmente gostam de ensinar, os que estão aposentando-se e estão perplexos com as mudanças havidas no ensino nos últimos tempos e os que aguardam uma chance de "cair fora".Todos devem ter vocação para Madre Teresa de Calcutá, porque por mais que esforcem-se em ministrar boas aulas, ainda ouvem alunos chamá-los de "vaca","puta", "gordos ", "velhos" entre outras coisas. Como isso é motivante e temos ainda que ter forças para motivar. Mas, ainda não é tão grave.

Temos notícias, dia-a-dia, até de agressões a professores por alunos. Futuramente, esses mesmos alunos, talvez agridam seus pais e familiares.

Lembro de um artigo lido, na revista Veja, de Cláudio de Moura Castro, que dizia que um país sucumbe quando o grau de incivilidade de seus cidadãos ultrapassa um certo limite.

E acho que esse grau já ultrapassou. Chega de passar alunos que não merecem. Assim, nunca vão saber porque devem estudar e comportar-se na sala de aula; se passam sem estudar mesmo, diante de tantas chances, e com indisciplina... E isso é um crime! Vão passando série após série, e não sabem escrever nem fazer contas simples. Depois a sociedade os exclui, porque não passa a mão na cabeça. Ela é cruel e eles já são adultos.

Por que os alunos do Japão estudam? Por que há cronômetros? Os professores são mais capacitados? Talvez, mas o mais importante é porque há disciplina. E é isso que precisamos e não de cronômetros. Lembrando: o professor estadual só percorre sua íngreme carreira mediante cursos, capacitações que são realizadas, preferencialmente aos sábados. Portanto, a grande maioria dos professores está constantemente estudando e aprimorando-se. Em vez de cronômetros, precisamos de carteiras escolares, livros, materiais, quadras-esportivas cobertas (um luxo para a grande maioria de nossas escolas), e de lousas, sim, em melhores condições e em maior quantidade.

Existem muitos colégios nesse Brasil afora que nem cadeiras possuem para os alunos sentarem. E é essa a nossa realidade! E, precisamos, também, urgentemente de educação para que tudo que for fornecido ao aluno não seja destruído por ele mesmo Em plena era digital, os professores ainda são obrigados a preencher os tais livros de chamada, à mão: sem erros, nem borrões (ô, coisa arcaica!), e ainda assim se ouve falar em cronômetros. Francamente!!!

Passou da hora de todos abrirem os olhos e fazerem algo para evitar uma calamidade no país, futuramente. Os professores não são culpados de uma sociedade incivilizada e de banditismo, e finalmente, se os professores até agora não responderam a todas as acusações de serem despreparados e "incapazes" de prender a atenção do aluno com aulas motivadoras é porque não tiveram TEMPO.

Responder a essa reportagem custou-me metade do meu domingo, e duas turmas sem as provas corrigidas.

Vamos fazer uma corrente via internet, repasse a todos os seus! Grata.

Vamos começar uma corrente nacional que pelo menos dê aos professores respaldo legal quando um aluno o xinga, o agride... chega de ECA que não resolve nada, chega de Conselho Tutelar que só vai a favor da criança e adolescente (capazes às vezes de matar, roubar e coisas piores), chega de salário baixo, todas as profissões e pessoas passam por professores, deve ser a carreira mais bem paga do país, afinal os deputados que ganham 67% de aumento tiveram professores, até mesmo os "alfabetizados funcionais". Pelo amor de Deus somos uma classe com força!!! Somos politizados, somos cultos, não precisamos fechar escolas, fazer greves, vamos apresentar um projeto de Lei que nos ampare e valorize a profissão.

Vanessa Storrer - professora da rede Municipal de Curitiba!


A matéria da revista Veja que originou a resposta acima:

As avaliações oficiais para medir o nível do ensino no Brasil têm se prestado bem ao propósito de lançar luz sobre os grandes problemas da educação – mas não fornecem resposta a uma questão básica, que se faz necessária diante da sucessão de resultados tão ruins: por que, afinal, as aulas não funcionam? Muito já se fala disso com base em impressões e teoria, mas só agora o dia a dia de escolas brasileiras começa a ser descortinado por meio de um rigoroso método científico, tal como ocorre em países de melhor ensino. Munidos de cronômetros, os especialistas se plantam no fundo da sala não apenas para observar, mas também para registrar, sistematicamente, como o tempo de aula é despendido. Tais profissionais, em geral das próprias redes de ensino, já percorreram 400 escolas públicas no país, entre Minas Gerais, Pernambuco e Rio de Janeiro. Em Minas, primeiro estado a adotar o método, em 2009, os cronômetros expuseram um fato espantoso: com aulas monótonas baseadas na velha lousa, um terço do tempo se esvai com a indisciplina e a desatenção dos alunos. Equivale a 56 dias inteiros perdidos num só ano letivo.

Já está provado que a investigação contínua sobre o que acontece na sala de aula guarda relação direta com o progresso acadêmico. Ocorre, antes de tudo, porque tal acompanhamento permite mapear as boas práticas, nas quais os professores devem se mirar – e ainda escancara os problemas sob uma ótica bastante realista. Resume a especialista Maria Helena Guimarães: "Monitorar a sala de aula é um avanço, à medida que ajuda a entender, na minúcia, as razões para a ineficácia". Não é de hoje que países da OCDE (organização que reúne os mais ricos) investem nessas incursões à escola. Os americanos chegam a filmar as aulas. O material é até submetido aos professores, que são confrontados com suas falhas e insucessos. Das visitas que fez a escolas nos Estados Unidos, o pedagogo Doug Lemov depreendeu algo que a breve experiência brasileira já sinaliza: "Os professores perdem tempo demais com assuntos irrelevantes e se revelam incapazes de atrair a atenção de alunos repletos de estímulos e inseridos na era digital".

Numa manifestação de flagrante corporativismo, os professores brasileiros chegaram a se insurgir contra a presença dos avaliadores dentro da sala de aula. Em Pernambuco, o sindicato rotulou a prática de "patrulhamento" e "repressão". Note-se que são os próprios professores que preferem passar ao largo daquilo que a experiência – e agora as pesquisas – prova ser crucial: conhecer a fundo a sala de aula. Treinados pelo Banco Mundial, os técnicos já se puseram a colher informações valiosas. Afirma a secretária de educação do Rio de Janeiro, Claudia Costin: "Pode-se dizer que o cruzamento das avaliações oficiais com um panorama tão detalhado da sala de aula revelará nossas fragilidades como nunca antes". Nesse sentido, os cronômetros são um necessário passo para o Brasil deixar a zona do mau ensino.


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Muita coisa já foi dita e escrita sobre este assunto, em diversos espaços da internet. Não li, no entanto, nenhuma referência ao que verdadeiramente entendo ser a raiz do problema.

Ora, a educação (ou o sistema educacional como um todo), está a serviço do sistema político-econômico ao qual está inserida ou por outra, submetida a sociedade. Seria ingenuidade pensar que esse, o sistema educacional, não procurasse reproduzir e aprofundar esse sistema.

Assim, a lógica capitalista de produzir bens de troca e de acúmulo de capital, com o menor custo possível, levou, desde Henry Ford, a desenvolver métodos e fórmulas a automatizar os meios de produção. O trabalho deixou de ser feito por pessoas que tinham a visão global do processo, a finalidade e o valor intrínseco do que faziam, para ser executado por pessoas automatizadas e robotizadas que, através de infinitas repetições altamente se especializavam naquela ínfima parte do processo produtivo. E como maior produção em menor tempo significa maiores lucros, a necessidade de se avaliar a produção de um determinado operário só podia ser feito com a fórmula quantidade/tempo.

A escola, desde há muito, ao reproduzir o sistema, deixou de formar cidadãos e passou a construir robôs. São raras as escolas que mantém em seu currículo a disciplina de filosofia. Só os mais antigos se lembram do ensino de moral. Filosofia e moral requerem pensar, requerem formação de caráter, e nem o pensamento crítico e nem a moral geram lucros, pelo contrário, perigosamente podem levar a questionamentos a respeito do papel exercido pelo indivíduo na imensa engrenagem em que se transformou a sociedade.

É preciso, pois, cronometrar as aulas, para que não se perca tempo em pensar. É preciso rapidamente colocar no mercado o maior número possível de andróides mecanizados, para que, de um lado, não pensem, e de outro sirvam de peças de reposição para a máquina ou aviltem os salários das peças que ainda estão em uso.

E aí se questiona: para onde foram os valores morais? Porque há tantos bandidos e drogados? Porque há loucos invadindo escolas e matando crianças?

A escola, por ser um mecanismo do sistema, deixou de ser uma formadora de homens para se tornar uma linha de montagem. E linhas de montagem requerem cronômetros.

Recomendo a leitura de: Capitalismo e Educação: Pontos para Reflexão. http://www.apagina.pt/?aba=7&cat=159&doc=11766&mid=2

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1 comentários:

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Olá, Clóvis...
A propósito: consegui uma semana de férias, a última de julho. Nunca, em 40 anos de magistério, deixei de ter férias no mês de julho. Aconteceu que eu me uni à classe,aos meus pares, e aderi a uma greve de 50 dias. Greve, é a única "arma", parece, que o professor tem pra protestar. Um Juiz deu a greve como ilegal. Tive que trabalhar nas férias, para "pagar" parte da greve...

Já tinha lido a matéria da Veja e é para se indignar mesmo.

Para mim, o que falta é investimento em Educação. Entra governo, sai governo e nada muda, ao contrário, só piora. A grande maioria dos professores, da rede pública, precisa trabalhar os 3 turnos para sobreviver. Fossem bem remunerados,produziriam melhor.
É necessário investimento maciço na educação básica. As escolas são mal
equipadas. Tudo que foi mostrado pela Krica é a pura realidade. Mas, que força tem o professor para mudar esse status quo. Todo o "segredo" está no orçamento: o pedaço maior deveria ir para a Educação e Saúde...mas não vai.
Qual o escândalo do momento, no Governo? a corrupção no Ministério dos Transportes.Depois virá outro e outro, como já correram tantos...
Para a Educação o MEC só "fala" no ENEM, que dá votos...Nada se fala para a melhoria das escolas e benefícios para os mestres.
Aquela professora do Rio Grande do Norte, falou por todos os professores. Hoje, ninguém mais fala dela. Tenho mais um ano lidando com a educação na escola pública.Não vejo solução, caso não seja investido muito, muito mais verba pelo MEC.

Um abraço, amigo

 
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