domingo, 30 de maio de 2010

Sepé Tiaraju




Na postagem anterior, a poesia faz referência à um certo “Tiaraju Missioneiro”.

Para quem não conhece a história do Rio Grande do Sul, é a quem a postagem de hoje é dedicada,

O “Tiaraju Missioneiro” da poesia, é o cacique índio Guarani, Sepé Tiaraju.

Para entendermos a sua importância é necessário inserí-lo no contexto histórico da colonização do sul da América.

Bem sabemos que o continente, descoberto por Colombo foi, durante muitos anos, objeto de disputa entre portugueses e espanhóis, e era moeda de troca nas mesas de negociação entre os dois reinos europeus.

Do reino de Castela (vem daí o termo “castelhano” para designar os descendentes sulamericanos de língua espanhola) vieram os padres Jesuítas da Companhia de Jesus, que, em nome de Deus e do rei, tinham a “missão” de catequizar os silvícolas reduzindo-lhes a resistência ao conquistador branco, possibilitando-lhes mais facilmente o acesso às suas riquezas e à sua terra.

Foi assim que os padres se estabeleceram na América espanhola, inicialmente no que hoje é o Paraguai, estendendo-se mais tarde para o sul, em ambos os lados do rio Uruguai.

Com paciência e persuasão os catequizadores foram conquistando a confiança dos índios, pois diferentemente da truculência dos conquistadores armados, representavam uma nova perspectiva de segurança e até de cura para alguns males e enfermidades.

Organizava-se, assim, as “Reduções Jesuíticas”, comunidades que, dirigidas pelos padres, reuniam milhares de indígenas, principalmente da etnia Guarani, antes dispersos e semi-nômades.

As reduções eram formadas basicamente de uma igreja, contruída com grossos blocos de pedra, colégios onde se ensinava a doutrina cristã, a residência dos padres, tudo circundado pelas moradas dos índios.

A produção era coletiva e não havia propriedade privada. Dedicavam-se à criação de gado nas imensas pastagens nativas do pampa gaúcho, gado este introduzido nas Américas pelos padres.

Se desenvolveu também a agricultura, nas terras apropriadas para esse tipo de cultura. Outros, ainda extrativistas, cuidavam da erva-mate que, diante da inutilidade de sua proibição pelos padres, foi por eles permitida e até incentivada.

As comunidades prosperaram bem mais, comparativamente, que as outras colonizadas pela submissão forçada dos nativos.

Nesse contexto, Portugal apropriou-se da Província Cisplatina, hoje o atual Uruguai. Na Europa, na disputa entre os reinos de Portugal e Espanha, foi celebrado o Tratado de Madri (1750), que exigiu a retirada da população guarani aldeada pelos missionários jesuítas do território que ocupava, havia cerca de 150 anos, em troca da Província Cisplatina. A posse da região ainda seria objeto do Tratado de Santo Ildefonso (1777) e do Tratado de Badjoz (1801).

Sepé Tiaraju nasceu em data desconhecida (possivelmente no ano de 1.722), na redução de São Luiz Gonzaga e foi batizado com o nome cristão de Joseph.

Viviam na região dos Sete Povos das Missões aproximadamente trinta mil guaranis. Somando-se os do Paraguai e da Argentina alcançaram um total estimado de oitenta mil indígenas evangelizados, que habitavam em aldeias planejadas, organizadas e conduzidas como verdadeiras cidades. O interesse luso-brasileiro por esta extensa região deveu-se, além da posse territorial, ao gigantesco rebanho de gado, o maior das Américas, mantido por esses mesmos indígenas.

Depois de muitas lutas e sacrifícios, a prosperidade chegou e o desenvolvimento resplandeceu, graças a harmonia existente e o modelo social econômico implantado nas reduções.
No apogeu do progresso das reduções jesuíticas, quando tudo transparecia felicidade, eis que, mais uma vez a crueldade do destino chega até os povos missioneiros, desta feita através da Escarlatina, também conhecida como “ peste indígena ”, espécie de varíola, que dizimou em torno de 30% da comunidade guarani, e foi em meio ao terror dessa epidemia mais propriamente no ano de 1722, que nasceu “ Nosso Herói Sepé ”, filho do cacique Tiaraju, vítima de morte da tão temida peste, e que, momentos antes de morrer, entrega seu filho com poucos dias de vida e já acometido pela doença, aos Padres Jesuítas implorando-os que o salvassem.

Criado pelos Padres, aos poucos foi adquirindo o conhecimento e a cultura dos Jesuítas que se somaria ao espÍrito de liberdade, uma herança guarani, o suficiente para transformá-lo no maior lider da brilhante comunidade indígena, dos Sete Povos Missioneiros. Da doença, restaram em seu corpo, cicatrizes várias, uma delas em sua testa, com formato de meia-lua o que lhe dava uma aura mística e que brilhava nas noites, em cor escarlate.
A vida real de Sepé Tiaraju não precisaria de lenda para ser grande. Como Corregedor do Cabildo de São Miguel, ele foi o mais tenaz resistente à entrega dos Sete Povos aos Portugueses, em troca da Colônia de Sacramento. No início ele não tinha noção clara do que se passava e defendia com denodo e gratidão aos espanhóis, por servirem o mesmo rei dos jesuítas e guaranis. Para decepção sua, pouco tempo depois, Fernando VI, rei da Espanha, ordenaria que as reduções fossem evacuadas a força se necessário, sem a mínima consideração para com índios e padres. Quando isso começou a ser posto em prática, o até então pacato Sepé Tiaraju transformou-se num autêntico guerreiro, chamando para si a responsabilidade da defesa do povo guarani, da cobiça e do egoísmo dos Espanhóis e Portugueses, pela posse da terra.

Em uma carta, a ele atribuída, dirigida ao governo espanhol ele escreveu: “Nossa riqueza é a nossa liberdade. Esta terra tem dono e não é nem português nem espanhol, mas Guarani.”

Em São Miguel, chefiados por ele, os índios atacaram as carretas que faziam mudança dos objetos da Igreja, obrigando-os à retornar à redução . Durante mais de três anos, ele foi o grande líder dos Guaranis revoltosos.

Sepé morreu em 7 de fevereiro de 1756, às margens da sanga da Bica, afluente do rio Vacacaí, no município gaúcho de São Gabriel. Ele morrera aos 34 anos de idade, pelas mãos de homens que nunca o conheceram . Com ele morria também a grande nação guarani. A própria Companhia de Jesus foi proscrita em todo o mundo. Os Jesuítas pagaram pelo crime de não ter abandonado os guarani.

Após sua morte pereceram aproximadamente 1.500 guaranis diante das armas luso-brasileiras e espanholas.

Encerrava-se assim, uma das mais bem sucedidas experiências de vida comunitária cristã-comunista de todos os tempos.

Por seu feito, chegando a ser considerado um santo popular, virou personagem lendário do Rio Grande do Sul, e sua memória ficou registrada na literatura por Basílio da Gama no poema épico O Uruguai (1769) e por Érico Veríssimo no romace O Tempo e o Vento.

No dia 21 de setembro de 2009, foi publicada a Lei Federal 12.032/09, que traz em seu artigo 1º o texto "Em comemoração aos 250 (duzentos e cinquenta) anos da morte de Sepé Tiaraju, será inscrito no Livro dos Heróis da Pátria, que se encontra no Panteão da Liberdade e da Democracia, o nome de José Tiaraju, o Sepé Tiaraju, herói guarani missioneiro rio-grandense."

Cabe ressaltar que não é considerado santo pela Igreja Católica, sendo santo popular uma expressão apenas de sua fama.

Como homenagem ao heroísmo e à coragem de Sepé Tiaraju, a rodovia RS 344 recebeu o seu nome.

Existe também no Rio Grande do Sul o município de São Sepé, nome que reflete a devoção popular pelo herói indígena.
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NOTA: Deixou nosso convívio terreno, nesta semana, um amigo muito querido; o Véio.
Vá em paz, amigo. Agora que Deus transformou tua bengala num cajado de luz, que Ele também te reserve um potreirinho no céu, onde possas, com tranquilidade, pastorear tuas cabritas.
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6 comentários:

Anônimo disse...

Sobre Sepé Tiaraju!
Pois existe um Galpão Crioulo, da mais fina qualidade na cidade de Canoinhas, que honenageia o grande Sepé Tiaraju! Conheço diversos galpões no RS mas como este, nenhum! Fica na saída de Canoinhas para Porto União, á direita de quem vai para PUnião. Logo na entrada a estatua feita em tronco de madeira de lei de Sepé Tiaraju. denomina-se de Galpão Missioneiro e vale a pena visitar! Seu idealizador, um grande ufanista da cultura gaúcha, engenheiro agrônomo aposentado!
Para aqueles que nunca foram lá vale a pena!
Grande abraço
José Francisco Warth
labmicro@ufpr.br

Anônimo disse...

Um texto sobre a morte do Indio José Tiaraju (Sepé), descrita por Antonio Augusto Fagundes .postado no jornal Zero Hora de 12/02/2011

A cena é assim descrita pelo capitão português Jacinto Rodrigues da Cunha, autor do Diário da Expedição de Gomes Freire de Andrade às Missões do Uruguay, que estava presente naquela ocasião:

“Antes de acamparmos se adiantaram, como é costume, as guardas castelhanas de cavallaria avançadas, e nossas: e passando a outra parte do dito rio, subiram as lombas, e logo avistaram alguns Indios que se achavam em partes mais altas (...) Logo o general castelhano mandou varias partidas de dragões seus a reforçar as ditas guardas, cujo também pediu socorro ao nosso, que instantaneamente lhe foram; e assim pôz da outra parte do rio, por cima de todas as lombas, mais de oitocentos dragões. Sendo já seis horas e meia da mesma tarde, veio marchando do pé do matto um grande corpo de Indios, que foi visto dos mesmos dragões que se achavam nas lombas em distancia de meia légua. Logo se uniram umas poucas das nossas partidas, assim Castelhanos como Portuguezes, e marcharam a buscar os ditos Indios, indo por comandante o governador de Montevidéu; e chegando a elles às oito horas da noite com excellente lua, deram sobre elles com tanto valor, que logo à segunda descarga fugiu toda aquella grande quantidade de Indios,ficando-lhes mortos sete, e o seu grande capitão Sepé, o maior general que elles tinham, o qual o matou o dito governador”

José Francisco Ghingatti Warth
labmicro@ufpr.br

Quasímodo disse...

Muito interessante, amigo José Francisco. Na verdade a cultura gaúcha e, por consequência, os CTGs ou galpões estão espalhados por todo o Brasil. Aqui mesmo, em Pindamonhangaba SP, onde resido há cerca de um ano, existe um. Sei de CTGs existentes no Ceará e em outras regiões do Brasil. Até nos Estados Unidos e Europa. Pode-se até afirmar que onde existir um gaúcho existe um CTG, pois ele, por si só, já é um Centro de Tradição. .

Quanto à homenagem à Sepé, nada mais justo. Foi o primeiro a dizer: "Esta terra tem dono"... Assim também se homenageiam outas figuras da história gaúcha dando os seu nomes aos CTGs...Quando estiver passando na região de Canoinhas procurarei conhecer.

Grato por escrever esse comentário e convido-te a continuar acompanhando o blog "Letras da Torre", que nesta semana trata das Charqueadas como (uma das) causas da Revolução Farroupilha. http://letrasdatorre.blogspot.com/

Abraço.

Fred Alt disse...

Cara, gostei muito, eu desconhecia completamente essa história.
Agora, só uma coisa, "cristão-comunista", isso aí não rola não, primeiro que o conceito de comunista não existia, e segundo que os padres jesuítas tinham uma visão bem distorcida dos índios (era um diálogo de uma via só, a dos jesuítas).
Não posso concordar com o objetivo dos jesuítas, mas muito menos posso concordar com o que o império português e espanhol fizeram.
De toda forma, se não fosse pela educação jesuíta que Sepé recebeu, essas palavras nunca teriam sido ditas, e que palavras!

Quasímodo disse...

Caro Fred;

A expressão "comunista" empregada no texto não se refere à ideologia postulada por Karl Marx.

Se refere, sim, à uma sociedade igualitária, sem classes sociais onde os meios de produção e a propriedade eram comuns. Por isso o termo "comunista" - de comum, de todos.

E cristã, porque ela foi formada sobre os preceitos do Evangelho pregado pelos Jesuítas.

Um abraço.

Anônimo disse...

PORQUÊ AS LETRAS AUMENTAM TANTO???????????????????

 
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