sábado, 28 de novembro de 2009

A GUERRA DO CONTESTADO


Tenho referido aqui na Torre, já por várias vezes, a Guerra do Contestado ou fatos a ela relacionados.

Apesar de sua dimensão e importância histórica, este conflito é pouco conhecido, não só fora das fronteiras onde ele ocorreu, mas também dentro delas.

Não se pode negar que a Guerra do Contestado foi determinante para o estabelecimento do modelo colonizatório do meio-oeste e oeste de Santa Catarina, influenciando a cultura da região e dando origem à muitas cidades, algumas antigos redutos rebeldes, outras antigos povoados erguidos ao longo do trecho em construção da estrada de ferro São Paulo – Rio Grande do Sul, estopim importante, mas não único, para a explosão da revolta.

Recolho aqui, uma síntese do que foi a Guerra do Contestado.

Costumo dizer, (ou repetir, já que a frase não é minha) que não tivemos aqui um Euclides da Cunha, e talvez por isso, essa importante página da nossa história tenha sido relegada à um mero acidente de percurso para a República e para o estabelecimento do modelo exploratório e desenvolvimento capitalista que se implantou.
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A Guerra do Contestado (1912-1916)

Povoamento e Disputa

A ocupação do planalto serrano foi diferente da do litoral catarinense na sua composição de recursos humanos. As escarpas serranas, densamente cobertas pela Mata Atlântica, junto com os povos indígenas, representavam sérios obstáculos para o povoamento da região.

A ocupação se deu através do comércio de gado entre o Rio Grande do Sul e São Paulo já no século XVIII, fazendo surgir os primeiros locais de pouso. A Revolução Farroupilha e Federalista também contribuíram para o aumento de contingente humano, que buscavam fugir dessas situações beligerantes. Em 1853 começa a disputa de limites entre Santa Catarina e Paraná, quando este último se desmembra de São Paulo e firma posse sobre o oeste catarinense.
Com a constituição de 1891, é assegurada aos Estados o direito de decretar impostos sobre as exportações e mercadorias, como também indústrias e profissões, o que acirra ainda mais a questão dos limites, pois a região era rica em ervas.

Em 1904 Santa Catarina tem ganho de causa perante o Supremo Tribunal Federal, mas o Paraná vai recorrer perdendo novamente em 1909 e 1910. Porém a discussão não finda por aqui, sendo resolvida em 1916 quando os governadores Felipe Schmidt (SC) e Afonso Camargo (PR), por intermédio do Presidente Wenceslau Bráz, assinam um acordo estabelecendo os limites atuais entre os dois estados.

Vale lembrar que essa disputa não tinha muita relevância na população, pois o poder era sempre representado pelos coronéis, tanto fazia pertencer a Santa Catarina ou ao Paraná.

O poder dos monges

A figura dos monges teve valor fundamental para a questão do Contestado, sendo mais destacado o José Maria. O primeiro monge foi João Maria, de origem italiana, que peregrinou entre 1844 e 1870 quando morre em Sorocaba. João Maria levava uma vida extremamente humilde, e serviu para arrebanhar milhares de crentes, porém não exerceu influência nos acontecimentos que viriam a ocorrer, mas serviu para reforçar o messianismo coletivo.

O segundo monge, que também se chamava João Maria surge com a Revolução Federalista de 1893 ao lado dos maragatos. De começo vai mostrar sua posição messiânica, fazendo previsões a respeito dos fatos políticos. Seu verdadeiro nome era Atanás Marcaf, provavelmente de origem Síria. João Maria vai exercer forte influência sobre os crentes, que vão esperar pela sua volta após seu desaparecimento em 1908.

Essa espera vai ser preenchida em 1912 pela figura do terceiro monge: José Maria. Surgiu como curandeiro de ervas, apresentando-se com o nome de José Maria de Santo Agostinho. Ninguém sabia ao certo qual a sua origem, seu verdadeiro nome era Miguel Lucena Boaventura e, de acordo com um laudo da polícia da Vila de Palmas/PR, tinha antecedentes criminais e era desertor do exército.

Dentre as façanhas que deram fama ao monge José Maria, podemos destacar a ressurreição de uma jovem, provavelmente vítima de catalepsia, e a cura da esposa do coronel Francisco de Almeida, acometida por uma doença incurável. O coronel ficou tão agradecido que ofereceu terras e uma grande quantidade de ouro, mas o monge não aceitou, o que ajudou ainda mais a aumentar a sua fama, pois passou a ser considerado santo, que veio à terra apenas para curar e tratar os doentes e necessitados.

José Maria não era um curandeiro vulgar, sabia ler e escrever, anotando propriedades medicinais em seus cadernos. Montou a "farmácia do povo" no rancho de um capataz do coronel Almeida, onde passou a atender diariamente até tarde da noite.

As riquezas da região

A região planaltina vai exercer grande cobiça entre os Estados de Santa Catarina e Paraná, assim como para o Grupo Farquhar (Brazil Railway Company), como veremos adiante, apropriando-se do maior número de terras possíveis.

A vida econômica da região, durante muito tempo, vai girar em torno da criação extensiva de gado bovino, na coleta da erva mate e na extração de madeira, material empregado na construção de praticamente todas as residências. Os ervais encontravam seu mercado na região do Prata.

Nas terras dos coronéis os agregados e peões podiam servir-se das ervas sem qualquer proibição, porém quando o mate adquiriu valor comercial, os coronéis começaram a explorar a coleta abusiva do mate em suas terras.

Como região fornecedora de gado para a feira de Sorocaba e erva mate para os países do Prata, o planalto catarinense inseria-se economicamente em nível nacional, no modelo agrário-comercial-exportador dependente.

Brazil Railway Company

Com a expansão da área cafeicultora brasileira, surgiu a necessidade de se interligarem os núcleos urbanos com a região sulina, para que esta os abastecesse com produtos agro-pastoris. É criada então uma comissão para a construção de uma Estrada de Ferro para ligar esses dois pólos.

A concessão da Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, iniciou com o engenheiro João Teixeira Soares em 1890, abandonando o projeto em 1908, transferindo a concessão para uma empresa norte-americana Brazil Railway Company, pertencente ao multimilionário Percival Farquhar, que além do direito de terminar a estrada, ganha também o direito de explorar 15 km de cada lado da estrada.

Farquhar cria também a Souther Brazil Lumber and Colonization Co., que tinha por objetivo extrair a madeira da região e depois comercializá-la no Brasil e no exterior. Além disso, a empresa ganha também o direito de revender os terrenos desapropriados às margens da estrada de ferro. Esses terrenos seriam vendidos preferencialmente aos imigrantes estrangeiros que formavam suas colônias no sul do Brasil.
Para a construção do trecho que faltava da ferrovia, a empresa contratou cerca de 8000 homens da população urbana do Rio de Janeiro, Santos, Salvador e Recife, prometendo salários compensadores.

Ao encerrar a construção da ferrovia, esses funcionários foram demitidos, sem ter para onde ir pois a empresa não honrou o acordo de levá-los de volta ao término do trabalho. Passam então a engrossar a população carente que perambulava pela região do Contestado.

A Brazil Lumber providencia a construção de duas grandes serrarias, uma em Três Barras, considerada a maior da América do Sul, e outra em Calmon, onde se dá início às devastação dos imensos e seculares pinheirais.

A Guerra

A guerra inicia-se oficialmente em 1912, com o combate do Irani, que resultou nas mortes do monge José Maria e também do coronel João Gualberto, e vai até a prisão de Adeodato, último e mais destacado chefe dos fanáticos, em 1916. É também neste ano que é assinado o acordo de limites entre Santa Catarina e Paraná.

Durante esse período, podemos observar uma mudança nos quadros dos fanáticos com a adesão dos ex-funcionários da Brazil Railway Company. Junta-se também ao movimento um expressivo número de fazendeiros que começavam a perder terras para o grupo Farquhar e para os coronéis. Com essas mudanças o grupo vai tornar-se mais organizado, distribuindo funções a todos, utilizando também táticas de guerrilha.

No episódio em que José Maria monta sua "farmácia do povo" nas terras do coronel Almeida, cresce absurdamente sua popularidade, sendo convidado a participar da festa do Senhor do Bom Jesus, em Taquaruçu – município de Curitibanos. Atendendo ao convite, José Maria participa acompanhado de 300 fiéis, e ao terminar a festa José Maria continuou em Curitibanos atendendo pessoas que não tinham mais aonde ir. Curitibanos era uma cidade sob o domínio do coronel Francisco de Albuquerque que, preocupado com o acúmulo dos "fiéis" manda um telegrama para a capital, pedindo auxílio contra "rebeldes que proclamaram a monarquia em Taguaruçú", sendo atendido com o envio de tropas.

Diante dessa situação, José Maria parte para o Irani com toda essa população carente. Porém na época Irani pertencia a Palmas, sob controle do Estado do Paraná, que via nesse movimento de pessoas uma "estratégia" de ocupação por parte do Estado de Santa Catarina. Logo são enviadas tropas do Regimento de Segurança do Paraná, sob o comando do coronel João Gualberto, que junto com José Maria, morre no combate.

Terminada a luta com dezenas de mortos e com a vitória dos fanáticos, José Maria é enterrado com tábuas para facilitar a sua ressurreição, que aconteceria acompanhado de um Exército Encantado, ou Exército de São Sebastião. Os caboclos defendiam a Monarquia Celeste, pois viam na República um instrumento do diabo, dominado pelas figuras dos coronéis.

Em dezembro de 1913, organiza-se em Taquaruçú um novo reduto que logo reuniu 3000 crentes, que atenderam ao chamado de Teodora, uma antiga seguidora de José Maria que dizia ter visões do monge. Ao final deste ano, o governo federal e uma Força Pública catarinense, atacam o reduto. O ataque fracassa e os fanáticos se apoderam das armas. A partir de então começam a surgir novos redutos, cada vez mais em locais afastados para dificultar o ataque das tropas legais.

Em janeiro de 1914 um novo ataque é feito em conjunto com os dois Estados e o governo federal que arrasa completamente o acampamento de Taquaruçú. Mas a maior parte dos habitantes já estava em Caraguatá, de difícil acesso. No dia 9 de março de 1914 os soldados travam uma nova batalha, sendo derrotados. Essa derrota repercute em todo o interior, trazendo para o reduto mais e mais pessoas. Neste momento, formam-se piquetes para o arrebanhamento de animais da região para suprir as necessidades do reduto.

Mesmo com a vitória é criado outro reduto, o de Bom Sossego, e perto dele o de São Sebastião. Este último chegou a ter aproximadamente 2000 moradores. Os fanáticos não ficam só a esperar os ataques do governo, atacam as fazendas dos coronéis retirando tudo o que precisavam para as necessidades do reduto. Partiram também para atacar várias cidades, como foi o caso de Curitibanos. O principal alvo nesses casos eram cartórios onde se encontravam registros das terras, sendo incendiados. Outro ataque foi em Calmon, contra a segunda serraria da Lumber, destruindo-a completamente.

No auge do movimento, o território ocupado equivalia ao Estado de Alagoas, totalizando 20.000 km2. Até o fim do movimento haviam morrido cerca de 6000 caboclos. (Algumas fontes afirmam terem sido mais de 20.000 o número de mortos N. A.)

O contra-ataque do governo

Com a nomeação do General Setembrino de Carvalho para o comando das operações contra os fanáticos, a guerra muda de posição. Até então os rebeldes haviam ganho grande parte dos combates e as vitórias do governo eram inexpressivas. Setembrino vai reunir 7000 soldados, dispondo também de dois aviões de observação e combate.

Em seguida manda um manifesto aos habitantes das áreas ocupadas garantindo a devolução de terras para quem se entregasse, e tratamento inóspito para quem continuasse. Setembrino vai adotar uma nova postura de guerra, ao invés de ir ao combate direto, cerca os fanáticos com tropas vindas de todas as direções: norte – sul – leste – oeste.

Com esse cerco, começa a faltar comida nos acampamentos, fazendo com que alguns fanáticos começassem a se entregar, mas na sua maioria eram velhos, mulheres e crianças, talvez para que sobrasse mais comida aos combatentes. Começa a se destacar do reduto a figura do Adeodato, o último líder dos fanáticos, que muda o reduto-mor para o vale de Santa Maria, que contou com cerca de 5000 homens.

Na medida em que ia faltando comida, Adeodato começa a se revelar autoritário, não aceitando ser desafiado. Aos que queriam desertar, ou se entregar, era aplicada a pena máxima: a morte.
Em dezembro de 1915 o último reduto é devastado pelas tropas de Setembrino. Adeodato foge, vagando com tropas ao seu encalço, conseguindo escapar de seus perseguidores, mas a fome e o cansaço fazem com que Adeodato se entregue em início de agosto de 1916.

Em 1923, sete anos após ter sido preso, Adeodato é morto numa tentativa de fuga pelo próprio diretor da cadeia. Chegava ao fim a trajetória do último comandante dos fanáticos da região do Contestado.



Fotos: 1: Bandeira dos revoltosos - 2: Região do conflito - 3: Monge José Maria - 4: Construção da Estrada de Ferro - 5: Grupo de caboclos.


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10 comentários:

Anne disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anne disse...

Meu querido amigo!
Eu tinha que passar por aqui hj e agradecer a surpresa que vcs me fizeram! Eu fiquei feliz por demais em finalmente conhecer vc pessoalmente, e mais feliz ainda por vc ter lembrado de minha pessoa e passado lá pra me dar um abraço. Saiba q isso significou demais pra mim, fiquei imensamente feliz!

Adorei te ver, adorei a "moça" (e ve se sai da moita no msn, corcundinha...dá um oizim pros pobres mortais, vai? =P) e adorei a Lu ter ido lá, fazia séculos q ela nao passava no nosso porão...rs.

Enfim, obrigada! Obrigada pelo carinho de vcs, pela amizade, pelo apoio, por vcs estarem na minha vida! Eu amo vcs, todos vcs! Da proxima vez vou junto tomar o sorvete e mato o trabalho...rs. Podexá pra mim q mato mesmo, sem nada de dó!

Bjos, meu querido amigo, e nao manda bj pro juca! Depois q tu disse q nem a terapia do joelhaço dá jeito nele, fiquei com medo...ahsuahsuhasuhaus. Vou pedir pro analista de bagé tentar o metodo do pelego, quem sabe dá mais resultado? =P

Ah, fui eu q deletei ali de cima pq escrevi errado... coisas de Anne!
Beijossss

fá... disse...

___meu camaradinha querido.
deixo minhas pegadas, tímidas, porque seria uma heresia minha querer acrescentar algo mais, tudo muito bem dito, um revisitar fantástico. e eu só tenho a agradecer por essa viagem linda.
obrigada, mesmo!
.
muitos beijos
.

Quasímodo disse...

Anne, querida amiga.

Não poderias estar fora do nosso roteiro, mesmo que fosse só para te dar um abraço rápido.

Queria ter te levado um licor de jabuticabas, já que o outro derramou, mas neste ano os temporais prejudicaram a safra.

Ainda tenho um pouco do antigo, mas está muito curtido.

Te gosto de montão, minha amiga, e foi muito bom te conhecer pessoalmente também.

Agora aguardo a tua visita e da Lu... A erva já está "coarando" em cima do zinco...

Beijo grande...

Quasímodo disse...

Fá, camaradinha...

Existem muitas histórias que a História não conta, ou conta pela metade. Pois são contadas pelos vencedores.

Aos poucos vamos "pinicando" na ferida, trazendo-as à luz, arrancando a casca, fazendo sangrar.

Venha sempre, querida amiga, sem timidez, pois sei que compartilhamos dessa mesma ânsia de não aceitar o prato pronto.

Beijo verde (e azul, branco e preto)... Não deu, né?... Eu torci.

José Leite disse...

Bom Natal!

Quasímodo disse...

Obrigado, amigo de além mar... Retribuo com um abraço fraterno.

Gilead Maurício disse...

Olá.
Tu falas, em teu artigo, que o terceiro monje - José Maria - foi um desertor do exército e tinha antecedentes criminais. Podes me informar qual a fonte em que fizestes a pesquisa?

Valeu pelo artigo.
Fico no aguardo.

Quasímodo disse...

Amigo Gilead;

Há mais de uma fonte que cita esse fato. Especialmente, dentre as que me embasei para extrair esses textos foi o Professor Ivo Pitz, cujo blog está abaixo da matéria, e que reproduzo aqui: http://www.ivopitz.pro.br/?arquivo=texcontestado

Se é verídico ou não é de se questionar, pois com toda a certeza haveria o interesse por parte das autoridades de Palmas em denegrir a imagem dos revoltosos e de seu líder.

Grato pela visita.

Abraço.

E ela disse...

1912-2012 = 100 anos de da Guerra Santa do Contestado. Aos amigos Paranaenses e Catarinenses o abraço gentil. Faz parte da nossa vida, da nossa historia. Certos, errados? Santos ou Infames? Opressores ou vitimas? Gente.. apenas gente que queria um pouco de terra e na sua inocencia de ser foram dominados por mentes insanas que os conduziram a atos de tirania pela sobrevivencia. Está em nós! É parte de nossa história.

 
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