domingo, 21 de dezembro de 2008

Balseiros - II

A efetiva colonização do oeste de Santa Catarina se deu a partir do final da Guerra do Contestado. Esse acontecimento de ordem econômica-político-social estabeleceu nessas terras, antes ocupadas por remanescentes de nativos e caboclos2, os descendentes de imigrantes europeus, vindos especialmente do Rio Grande do Sul.

Os colonos recém- chegados procuram, a partir das condições locais, encontrar subsídios necessários à subsistência e ao acúmulo de capital dentro da ótica capitalista, comum à cultura européia. O confronto cultural entre os caboclos e os ‘novos colonos’ foi inevitável, já que os primeiros tinham uma economia de subsistência, distante da visão européia capitalista.

A região do Alto Uruguai catarinense e gaúcho passa a ser explorada nesse contexto.

Os migrantes buscaram apropriar-se da terra e de todos os recursos naturais existentes na região. A madeira foi uma das primeiras fontes de riqueza. As árvores eram retiradas da mata, levadas até as encostas do rio Uruguai, onde eram embalsadas3 e ficavam à espera da enchente que permitisse o seu transporte até São Borja/RS. Lá eram comercializadas ou seguiam até o Uruguai e Argentina, para obter um preço melhor pelo produto.

A partir da década de 1920, intensifica-se a exploração do corte das matas, que era feita por pequenos proprietários, empresários, empreiteiros ou apenas prestadores de serviço braçal. O trabalho era árduo e realizado de forma bastante rudimentar, baseado na força física do homem, no machado e no serrote. Verifica-se, também, precaríssimas condições climáticas, demográficas, administrativas e de segurança.

O transporte da madeira para as serrarias ou pontos de embarque, era realizado por carroças ou através do arrasto com três, quatro ou cinco juntas de bois. Somente a partir da década de 1940 é que aparecem os veículos motorizados, época em que o cedro começa a ficar escasso e a exploração do pinho torna-se mais intensa.

O ‘negócio das balsas’ desenvolveu-se em vários municípios do oeste catarinense e Alto Uruguai gaúcho. Essa atividade incrementou a economia regional, já que impulsionou a criação de várias serrarias e a melhoria da infra-estrutura nas estradas da região e, ainda, possibilitou a abertura de novos mercados e o escoamento da produção agropecuária dos colonos. Além disso, deu origem a vários municípios, às margens do rio Uruguai.

Retomar a história dos trabalhadores balseiros se justifica, na medida em que algumas cidades, antes objeto da exploração da madeira e transporte através das balsas, estão cobertas pelas águas das barragens construídas nessa região. São igrejas, pontos comerciais, prédios antigos, casas comerciais e praças. Assim, parte da memória e da identidade cultural da região está perdida.

As bibliografias disponíveis a respeito do assunto são poucas, geralmente referem-se a histórias de famílias de balseiros e madeireiros. Dentre essa obras, podemos destacar o livro ‘O velho balseiro’, de Heitor Lothieu Angeli e ‘ Madeiras, balsas e balseiros no rio Uruguai’, de Eli Maria Bellani.

Trata-se de um período relativamente curto no contexto da nossa história, porém faz-se necessário seu registro, pois ainda dispomos de alguns [poucos] balseiros em vida, que estão nos fornecendo relatos importantes para esta tarefa.

2 Originário da miscigenação dos portugueses, espanhóis e nativos. Na região são chamados, também, de brasileiros.
3 Preparação das balsas. As toras eram amarradas umas às outras.





Fonte: Trabalhadores do Rio - Os Balseiros do Rio Uruguai - Noeli Woloszyn


Foto - Rio Uruguai - Internet




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Capítulo II – Elvira


Elvira nasceu Xokléng, mais precisamente Ngrokóthi-tõ-Prèy, ao sul do rio Iguaçu, onde havia muito pinhão, caça e matos extensos, a se perder neles.


Ao contrário de seus parentes Kaingangs que moravam mais ao sul, seu povo Ngrokóti-tõ-Prèy pelo seu cacique, e demais membros da tribo, inclusive os Xamãs e guerreiros jovens com beiços recém furados, não aceitavam pacificamente as propostas do Coronel.

O Cacique Condá, dos parentes Kaingangs, tinha uma tribo estabelecida e de morada permanente, e até roças faziam, queimando os restos das matas que os peões do Coronel derrubavam para arrastar as toras. E até sementes de milho e feijão o Coronel dava para eles plantarem. E até cachaça ganhavam.


Elvira nasceu Xokléng, nas matas ao sul do Iguaçu quando ainda os primeiros tropeiros de mulas passavam com medo pelas picadas que levavam ao rio, no Porto da União.


Elvira nasceu mestiça Ngrokóthi-tô-Prèy cruzada com caboclo do santo José Maria. Moço bonito e de coragem, como contava sua mãe. Diz-que morreu no Irani em defesa do beato, atravessado por uma espada dos regulares. Tornou-se Ngaium – Espírito. Ngaium-Hu – Espírito bonito.


Tudo isso Elvira recordava enquanto lavava o lençol azul, que nem muito sujo estava, afora umas manchas amarronzadas sobre o meio.


Antes de ser Elvira, fora Xá-Cunhã-Tõ-Prèy, mas a recordação era vaga, avivada às vezes pela marca tatuada a fogo na perna esquerda.


Ainda menina fora levada pelo Manuel Pereira, agregado do Coronel nas lidas das derrubadas das matas que ainda existiam mais ao sul, nas terras onde viviam os parentes Kaingangs.


Na casa do tal Manuel, virou moça e aprendeu a falar a língua dos brancos, a lavar roupa e varrer a casa. Aprendeu as letras ajudada por Manuela, a filha mais velha do Manuel Pereira. O nome Elvira foi dado pelo padre das aulas de catecismo, que, junto com Manuela freqüentava na igreja de Dom José. Dizia este ser um nome de branco, que significava “Verdade Suprema”, mais apropriado que o tosco nome Xá-Cunhã-Tõ-Prèy, inculto e pagão. Foi batizada então como Elvira Pereira.


Por ter vindo ainda pequena para a casa de Manuel Pereira, no aglomerado de casas cujo lugar os Kaingangs chavam de Xá-Pé-Kó – pequeno lugar onde se avista o caminho da roça – Elvira sobreviveu à extinção de seu povo.


Contaram-lhe que muitos da sua tribo foram mortos pelos homens do Martim Bugreiro, em tocaias e emboscadas. Poucos em luta direta. A grande maioria, no entanto, pereceu de doenças pegadas dos brancos, como a febre amarela, sarampo e gripe.


Os guerreiros mais valentes e fortes, alguns ainda com o botoque recente enfiado no beiço de baixo, que haviam se embrenhado mata adentro para fugir dos bugreiros e dos capangas dos madeireiros, morreram quando beberam a água pesteada do rio.


Elvira não estava mais lá. E não fosse pela marca na perna esquerda, pouca coisa mais a lembrava a aldeia.


Conheceu Fulgêncio numa noite, quando vieram à casa tratar com Manuel Pereira, três rapazes. Um moreno e forte, outro ainda menino de barba rala, e um alto e bem vestido que trazia no braço uma pulseira que parecia ser de prata. Este era Fulgêncio. O que mais falava com Manuel, a quem chamava de “Patrão” e que parecia ser o líder do grupo. Por entre a porta semi-aberta, que dava da cozinha para a sala, ouviu combinarem que a próxima descida da balsa teria Fulgêncio como prático. Elvira não sabia o que isso significava, mas lhe pareceu ser importante, pois na janta, servida mais tarde, os rapazes pareciam alegres.


Trocaram alguns olhares rápidos e ela foi refugiar-se envergonhada no quarto. Sentia um calor estranho nas faces.


Dias depois Fulgêncio voltou à vila e à casa, agora desacompanhado dos outros moços. Conversou brevemente com seu “pai” na sala e se foi. Nem bem o moço havia saído, Manuel chamou-a e lhe entregou um pacote. Disse-lhe ser um presente do prático Fulgêncio. Correram, ela e Manuela para o quarto e abriram sofregamente o pacote rasgando o papel pardo. Era um corte de seda azul, com flores amarelas e vermelhas. Umas grandes, outras pequenas.


Fez um vestido, que só usava nos domingos, quando havia reza na igreja. Sentia vergonha de usá-lo, e do olhar de inveja das outras moças do lugar.


Meses depois se casaram. O Coronel não foi, mas mandou-lhe pelo Manuel um jarro e uma bacia de louça grossa, enfeitados de flores, parecido com o vestido de seda. Quando foram embora para o Goio-En ela deu à Manuela o jarro e a bacia.


- Mas é presente do Coronel, criatura. Isso é desfeita.


- Pegue minha irmã. É teu. Lá pronde vou tem bastante água. Não vou carecer da bacia e nem de jarro. E o Coronel não precisa saber que te dei.


Lembrava desse dia quando avistou Fulgêncio trotando apressado na beira do rio, balançando os peixes. Tiço ainda não voltara da faixa, onde vendia frutas. Tomara que trouxesse algum dinheiro. Estava sem sal em casa, e o Moura não queria mais fiar.


Estendeu as últimas peças de roupa e entrou em casa. Tiço apareceu na ponte.



Foto: Mulher Xokléng - Internet


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KRIKA

Krika não veio hoje. Temos tido alguns desencontros, por força, talvez, da época do ano e das tarefas que se acumulam.
Seu projeto "Estímulo à Leitura" continuará e contará sempre com o apoio da Torre e de seu anfitrião.
Interessante notar que a partir da publicação de seus textos neste modesto espaço, novas perspectivas se abriram, novos contatos apareceram, o reconhecimento de seu trabalho começa a aflorar.
Iniciativas semelhantes surgiram, como o da professora Géssica, que criou o blog http://projetoseideias.zip.net/ que recomendo a todos que se interessam pelo tema Educação.
Sigamos em frente, amigas. É hora de repensar, fortalecer os ideais, e de nos prepararmos para os embates do próximo ano, que se vislumbram ainda mais desafiadores.
Beijos... Abraços. FELIZ NATAL a todos que, no decorrer de 2008 somaram na Torre.
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10 comentários:

Anônimo disse...

Ó,tô de volta!..rs
Me perdi por este mundo netiano,me perdi desejando me perder...nem deixei migalhas de pão pelo caminho...nem guardei o mapa...
Mas,cá estou e que surpresa!!!
Mudanças na Torre!
E que belo texto,guri!
Adoro tuas histórias!
Em alguns momentos,vi meu avô,"taliano" grandalhão falando dos bugres...
Resgatar nossa história é uma bela tarefa,não é?
Continue...faz um bem danado te ler!
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Feliz Natal!
Boas Festas!
Beijos!
.
.

Anônimo disse...

Sempre aprendendo quando entro aqui.
Lindo texto!
Sabe nos prender com o que escreve.
parabéns...

Que 2009 seja um ano marcante com boas novas. Saúde, paz e amor.
Feliz Natal
bj*ss

Anônimo disse...

Bejuuuuuuuuuuuuu
Que eu nunca q consigo deixar uma testemunha de que aqui passei!rs
Vim, pra dizer q não te vi mais..e pra deixar um forte abraço beijo carinho de um ÒTIMO NATAL, pra vc e todos os que te são queridos!!
MonaLis@

Anônimo disse...

Que seja um Bom Natal para todos nós!

Com carinho,
Luzia

P.S. - Passo com mais tempo para o comentário que se me merece! Beijo Amigo!

Unknown disse...

Camarada, aqui sempre sorvo o que há de bom, sabedoria,aprendizagem.
Grande abraço. Feliz Natal!

Anônimo disse...

Quasímodi...
A história se mistura, entre fatos e acontecimentos desde a barranca até pessoas que são próximas a nós.

Nossos assuntos, tem sido de grande valia para nos situarmos, dentro deste contexto todo.A importância de que se dá aos fatos, romanceados ou não, fazem com que mais pessoas tomem pé, do que aconteceu e da história em si.

Um feliz natal e obrigada por sua presença constante.
Beijo!

M A R I Z A disse...

Quasímodo, passei para te desejar um Bom Natal...Um abraço.

Gata de Rua disse...

Voltei...acho que sou um pouco Elvira, entendo árvores, vento e terra e cansei de justificar a maldade humana.
Continuas feliz, em em teus relatos, meu amigo. Ler-te faz bem a alma.
Desejo um dois mil 'inove'...cada vez mais inspirado.
Com carinho
Gata de Rua

Anônimo disse...

Esse é o meu querido amigo, rico em todos os sentidos, envolvente, cativante, cuidadoso, carinhoso.
Tão bom poder sentar num banquinho de tua torre e ouvir tua voz relatando fatos, causos e tudo de bom que nos trazes.
Te gosto por dimais da conta.
Beijo meu querido amigo.

Anônimo disse...

hummmmmm

misturo todos os comentários e os faço meus.

beijo p todos

um especial p o anfitrião

 
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