Ontem eu vi um Disparate.
Foi a primeira vez em que vi um, assim ao vivo e a cores. Aliás, muito vivo, porém de poucas cores. Muito vivo porque emergiu das águas do rio Paraíba do Sul e caminhou pela margem com seus próprios meios, sem que ninguém o empurrasse. Displicentemente passou por mim e se dirigiu aos arbustos verdes onde mordiscou as folhas mais tenras e chafurdou as raízes.
As cores é que me pareceram um pouco desbotadas, tendentes ao marrom acinzentado.
A princípio pensei tratar-se de uma tartaruga ou de um cágado devido à sua forma abaulada e aos gomos no seu casco, parecidos com os gomos das bolas de futebol de antigamente, antes de aparecerem as bolas de futebol fabricadas pelos patrocinadores dos diretores da FIFA.
A primeira vez em que ouvi alguém falar no Disparate foi na Escola Normal Rainha da Paz, em Lagoa Vermelha. O colégio era mantido e administrado pelas freiras da Congregação de São José e que formava professoras. Normalistas, como se chamavam.
Criaram lá as classes de ensino primário para abrigar crianças de poucos recursos e, ao mesmo tempo proporcionar às normalistas em fase de conclusão de curso, um local para a prática pedagógica na condição de estagiárias.
Foi para uma dessas classes que fui enviado lá da roça. Tia Amália providenciou a vaga e a matrícula e também a hospedagem.
A minha mãe, muito religiosa, dias antes da minha partida me aconselhou, dentre outras coisas, que pedisse às Irmãs (era assim que chamavam às freiras) alguns “santinhos”, pequenos impressos de cerca de 5 x 10 cm, que tinham a imagem de um santo de um lado e a sua biografia ou uma oração no verso.
Logo que me desencabulei um pouco pedi para a professora, que levou o meu pedido à Madre Superiora. Ela, a Madre, parece ter gostado do meu interesse, pois freqüentemente me presenteava, nos corredores, com um santinho diferente que eu, zelosamente guardava para levar para a mãe quando chegassem as férias.
Durante uma aula a professora ensinou sobre a invenção do avião. No intervalo do recreio eu vi a Madre e pedi a ela um santinho do Santo Dumont.
Ela olhou para mim espantada e disse: - “Que Disparate!...” e seguiu, pisando durinho, rumo à Sacristia.
Nunca mais ela me deu santinhos e eu fiquei com vergonha de pedir novamente, imaginando que poderia tê-la ofendido, pedindo um santo que talvez pertencesse a uma ordem religiosa concorrente ou adversária das Irmãs de São José; a Ordem dos Santos Disparates Menores.
Depois desse episódio ouvi várias vezes citarem o Disparate em situações diversas, principalmente pelo Mércio, que estudava na capital e namorava a minha prima.
Vivi toda a minha vida com essa curiosidade e a vontade de conhecer um Disparate de perto.
A última vez em que alguém falou nele, no Disparate, foi ainda este ano, quando publicaram a foto do Lula apertando a mão do Maluf. Um amigo meu do Facebook publicou um comentário assim, abaixo da foto: “Vejam, que Disparate!...” e eu, inicialmente pensei tratar-se do relógio de ouro que o Maluf ostentava no pulso, um legítimo Disparate Suíço. Até comentei isso com a minha companheira Marta, mas ela credita a palavra Disparate à quantidade de dedos do Lula que, somados os das duas mãos totalizariam nove, ou seja, impares, díspares... disparates.
Ontem, no entanto, a curiosidade se desfez graças a uma pescaria no Paraíba.
Chamei o meu amigo Juliano que pescava a certa distância, para mostrar o animal, mas ele, o animal se assustou com meu grito e voltou a mergulhar nas águas barrentas.
Então contei o que vira. E o Juliano sentenciou com toda a certeza:
- Mas isso é um Disparate!...
Ah, então é esse o bicho? E eu imaginando tanta coisa diferente...
Que absurdo!...
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3 comentários:
Amigo Clóvis - vivemos de disparates; acho que é por isso que permanecemos vivos: para equilibrar um pouco as coisas...
Antigamente, eram muito raros os disparates. Hoje, são tão comuns que perderam a graça.
Quando cheguei, há pouco, antes de começar a ler, pensei em dizer que só agora vi essa postagem. Estava em "férias forçadas" às voltas com o casamento do único filhote, no sábado passado, 21.
Comecei a ler e fui rindo, me divertindo, com o tal do Disparate.
Muito bom, Clóvis, ao menos podemos rir um pouco, desses disparates...fazer o quê?
Por coincidência, estou hospedando, além de 10 gatos do meu filho, dois jabutis, que cabem, por enquanto, nas palmas da mão. Vou batizá-los de: Disparate 1 e Disparte 2...
Obrigada, pela dica involuntária...
um abraço, amigo,
da Lúcia
kkkkkkkkkkkkkkkkkk
Você e Marta só podia dar nisso!
Uma bela parceria de descobertas...Duas almas curiosas, inteligêntes, cheias de alegria e bom humor!
Adorei o texto.
Beijos
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