quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A Meia-Canha (Vamos dançar?)

A meia-canha é uma dança e canto do fandango do Rio Grande do Sul. De origem ibérica, aí chegou proveniente da região do Prata.

Para a escolha dos participantes, um moço acena com um lenço, convidando uma parceira, que faz o mesmo sinal para outro rapaz, e assim por diante, até que estejam reunidos os pares. Ao som de uma polca forma-se uma roda, e um rapaz vai para o centro, tirando uma das moças. Sempre dançando, a roda gira em sentido contrário ao do par central. Depois de muitas negativas e requebros, o dançarino que está no centro ordena a parada da música e, de frente para sua dama, recita uma quadra que é respondida por ela. Recomeça a música, o par volta a dançar e em seguida a moça leva o rapaz até seu lugar na roda. Convida então outro moço e repetem-se os cantos e danças.

Meia-canha é o nome dado, no Rio Grande do Sul, à polca-de-relação ou polca-de-versos. Segundo Barbosa Lessa e Paixão Cortes, “com o nome de media-canha ou meia-canha ou ainda ‘relacione’ essa troca de versos subiu com o tropeiro de mulas através de Santa Catarina, Paraná e região sul de São Paulo, e o sabor castelhano estava presente inclusive na ordem que se dava ao violeiro na hora de dizer o verso: ‘pára la guitarra, pra eu dizer minha relación’. Na região dos tropeiros no sul de São Paulo essa mesma meia-canha para trocar recitados foi também conhecida pelos nomes de guitarra e arrasta-pé”.

Também designada meia-cana.

Fonte: Enciclopédia da Música Brasileira - Art Editora.

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Assisti a muitas dessas danças quando era meninote. Nos bailes, em que se programara a “meia-canha”, era esta a atração mais esperada.

Era a forma de um rapaz ou de uma moça dizer de público as suas intenções e seus sentimentos. E em versos simples, nem sempre muito rimados.

Embora a maioria dos versos fossem improvisados ou, por outra, criados ao longo da semana para aquela ocasião específica, algumas quadrinhas ficaram célebres e encaixadas no momento específico, eram como uma declaração de amor ou um pedido de namoro e casamento.

O rapaz poderia declamar os seguintes versos:
Águas claras correntinas,
que uma só beleza nasce.
Infeliz seria eu
se te visse e não te amasse.

Ao que a prenda poderia responder:
Venho de longe bem longe,
somente para te ver.
Chega à janela querido,
vem minh'alma socorrer.

Pronto; sinal de que estava começando ali um namoro, que o tempo diria se iria frutificar.

Mas nem sempre a investida poética-romântica encontrava eco na companheira de dança:

Peão:
Não te encosta na parede
que a parede solta pó
te encosta aqui nos meus braços
que esta noite eu dormi só.

Prenda:
Não te encosta na parede
que a parede solta pó
e encosta no relho do papai
que na ponta tem um nó.

Quando um rapaz (peão) recitava algum verso que, por algum motivo deixava a prenda encabulada e sem resposta, outro peão da roda poderia tomar para si as suas dores:

Sempre existe resposta
Pra gente assim como tu
Falo eu pela prendinha
Fala o rabo do tatu.

Quase sempre essa intervenção não acabava bem. Haveria um acerto de contas depois do baile.

O nome “Meia-Canha” diz-se, teve origem porquê, durante a dança e os versos, circulava na roda formada, uma guampa de cachaça, também chamada de “cana” ou “canha”. Então poderia acontecer a seguinte situação:

Peão:
Sou um gauchão completo
da presilha até a ilhapa
respeito teu pai prendinha
mas hoje tu não me escapa.

A prenda respondia:
Da presilha até a ilhapa
com cara de sorro manso
com esse bafo de cachaça
contigo é que eu não danço.

Já o gaúcho enamorado poetizava:
Eu não namoro teus cabelos
Nem o brinco nas tuas oreia
namoro teus lindos zóio
debaixo da sobranceia.

E a prenda respondia, dando ao verso um sentido bastante dúbio e fora do contexto:
No tempo que tu me tinha
eu não queria te ter,
agora que eu te tenho
é tu que não quer me ter.

A Jovem Guarda influenciou também a Meia-Canha. A ponto de um rapaz, lá do interior de Lagoa Vermelha, declamar estes versos para uma prenda, demonstrando a todos a sua modernidade:

Atirei um tição n’água,
De pesado foi ao fundo.
Os lambaris comentaram
É UMA BRASA, MORA?...

Já lá pelo fim da dança, quando a guampa de cachaça tinha dado várias voltas, um peão qualquer se arriscava e misturava versos de várias quadrinhas, saindo algo parecido com isto:

Lá vem o sol nascendo,
Redondo como um tamanco.
Se tu não gostas de mim,
Porque roubastes minha égua?...

(Bons tempos!...)




6 comentários:

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Que delícia, Clóvis!
Quando estive em Porto Alegre, assisti à uma dança que, acredito, fosse a meia-canha. É tudo tão bonito, tão brejeiro. Interessante, como em pouco tempo, a forma de namorar mudou tanto...
Velhos e bons tempos!
Já não "se fazem" namoros como antigamente...'
Beijo

Lu disse...

Mas bah! Coisa linda vivente.

Lembrei-me dos meus tempos de prendinha.

Um abraço do tamanho do Rio Grande.

Quasímodo disse...

Lúcia, amiga...

É possível, sim, que tivesses assistido à uma Meia-canha, embora existam outras danças coletivas no RS. A Meia-canha se caracteriza pela interrupção da música para o "dizer" dos versos.

Quanto ao namoro... Tenho dúvidas se ainda se namora hoje em dia... Na correta acepção do termo.

Um abraço, amiga.

Quasímodo disse...

Lu, prendinha linda do meu coração.

Deu até vontade de te dizer uns versos.

Mas tu sabes que, quem foi "prendinha", tal como as rainhas, nunca perdem a majestade.

Quando eu for por essas bandas, (e eu vou, prometo), precisamos achar um fandango para irmos. Já não me atrevo mais na dança, mas os versinhos ainda saem...

Um beijo, amiga querida. Muito bom te ler na Torre.

Anônimo disse...

Por algum tempo eu fiz parte do grupo musical do DTG Lenço Colorado, do Inter. Lá eu pude conhecer essas, entre outras danças da nossa tradição. Lá também aprendi que o nível de profissionalismo e capricho para quem dança e toca, canta enfim, participa de rodeios, competindo, é grande. Geralmente esses artistas participam de rodeios para se preparar para a disputa do Encontro de Artes e Tradição Gaúcha - ENART. Lá, pode-se verificar o trabalho de grandes artistas da dança e da nossa música. Um abraço e parabéns pela postagem amigos do Letras da Torre!

Quasímodo disse...

É verdade, Carlos. Não conheço outro povo que leve tão a sério a sua cultura e a sua tradição.

Abraço.

 
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