domingo, 27 de fevereiro de 2011

Palavras


Quando eu era meninote, e tinha lá uns dez ou doze anos, assisti a um filme na antiga TV Tupi, do qual eu gravei indelevelmente na memória uma frase específica.

Todas as semanas, se não me engano às quartas-feiras, a TV exibia um filme, criteriosamente selecionado, em um programa chamado Poltrona Cinco. Os mais antigos haverão de lembrar.

O filme em questão chamava-se Taras Bulba, baseado no livro homônimo do escritor russo Nikolai Gogól e tinha no elenco, dentre outros, Tony Curtis e Yul Brynner, ainda vivo e com alguns cabelos.

Grande clássico da literatura russa, o livro e o filme narram a história de um velho cossaco, Taras Bulba, e de seus dois filhos, que regressando da universidade onde estudavam, encontram seu povo em guerra contra os polacos, antigos aliados na luta contra os turcos otomanos.
A intenção aqui não é contar o filme, mas pinçar do contexto a frase. Envolvidos nos preparativos da guerra, a um dado momento, os dois irmãos discutiram quando ofensas foram mutuamente lançadas, o que culminou com um desafio para um duelo, segundo os costumes do povo.

A mãe de ambos, temendo um desfecho sangrento, apela para o velho líder:

- Taras, impeça-os. Foram apenas palavras!...

Ao que Taras Bulba sobriamente responde:

“- Um homem deve morrer por proferir certas palavras.”

Não me lembro do desfecho do duelo, mas o filme segue conforme o livro.

Hoje, pensando na frase de Taras Bulba me dei conta do quanto as palavras foram banalizadas. Palavras que ouvimos, mas que também proferimos sem atentar ao seu significado mais amplo. Desde o inocente xingamento à progenitora do juiz de futebol, a maledicência com que nos referimos a alguém e até mesmo ao “sim” diante do padre num casamento sem amor.

Palavras podem edificar e alegrar uma pessoa, mas também podem ferir. Palavras podem matar. Ferir com palavras é extremamente fácil, pois não depende de condições externas – por exemplo, uma arma ou qualquer outro objeto. É fácil também porque nossa língua está intimamente relacionada com a nossa mente. Nós pensamos com palavras.

A professora e amiga Krika abordou recentemente em seu blog “Linguagem e Afins” (http://www.linguagemeafins.blogspot.com/) a questão do bullying. Mas o que é bullying senão o reiterado uso de palavras maledicentes para denegrir a imagem e a moral de alguém?

Se pensamos com palavras é preciso então moldar os nossos pensamentos.

A própria Bíblia é rica em ensinamentos sobre precauções no uso da palavra. Tiago em 1:19 diz: “Todo homem, pois, seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar”. Inúmeros são os exemplos bíblicos, especialmente em Tiago.

Mas se ao falar devemos ser tardios, refreando o reflexo de falarmos impensadamente, maior cuidado devemos ter quando escrevemos. Ao falar, a entonação da nossa voz pode dar um significado de “sim” à um “não”. Na palavra escrita não há entonação e um não será sempre um advérbio de negação e recusa. Ao falarmos diretamente com uma pessoa, estamos interagindo, no tempo e no espaço, com todas as condições objetivas e subjetivas do momento. Podemos adequar nossas palavras ao que podemos perceber no estado emocional do interlocutor. Não falaremos de festa ou de pescaria durante um velório. Já quando escrevemos, não podemos prever por quem e em qual situação seremos lidos. A palavra escrita supõe-se a priori, que foram exaustivamente pensadas e dadas a ela o real significado que queremos que ela tenha e que assim seja interpretada por quem nos lê.

Gritantes exemplos de banalização da palavra encontramos nos discursos políticos. Basta compararmos o que disseram e prometeram durante a campanha com a prática e o que fazem e dizem depois de eleitos.

Recentemente, o ex presidente da República José Sarnei, ao ser eleito para mais um mandato como presidente da casa (o quarto) declarou que faria mais esse “sacrifício pessoal”. Ora, esse “sacrifício pessoal” significa somar aos já nababescos ganhos e vantagens que os parlamentares usufruem, uma série de outras mordomias, prestígio político, influência na nomeação e contratação de apaniguados e a perpetuação da dinastia coronelística maranhense.

É atualíssima a frase de Taras Bulba: “Um homem deveria morrer por proferir certas palavras”.
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2 comentários:

krika disse...

Caro amigo,
Profunda sua postagem de hoje.
Deixou-me pensativa,mais uma vez.
Você estava muito inspirado, e realmente tem tudo a ver com nossa conversa no coiso,ontem.
Sempre será pouco eu lhe dizer OBRIGADA!

disse...

Olá, Quasímodo!
Há muito não apareço para visitá-lo, aliás, estou em débito com vários amigos da blogosfera, mas, sempre que posso faço questão de ler e comentar posts tão interessantes!
Não pense que não sinto saudade em lê-lo com mais frequência, porém, bem sabemos que nos dividimos nesta vida em muitos papéis, blogar é um deles que, se não é trabalho imposto, fica com o tempinho que nos sobra de lazer (coisa que ficou reduzida no corre-corre louco do mundo atual!).
Sobre esse post, realmente vem à mente muitas passagens bíblicas, inclusive uma delas que aprecio muito em Eclesiástico 28, 13-14 que diz: "Uma querela precipitada acende o fogo; a presteza na disputa derrama sangue; e a língua que presta (falso) testemunho causa a morte.
Sopra sobre uma centelha e ela se abrasará; cospe sobre ela e ela se apagará: ambos saem de tua boca."
Então, eis que as palavras têm função importantíssima em nossa vida, pena que muitas pessoas ignorem isso, aliás, entristece não só o uso interesseiro e cheio de artifícios dos políticos como também a maneira desinteressada que a grande maioria de eleitores (e nem tanto leitores/ouvintes atentos das mesmas palavras!). Já ouvi muito que "cada povo tem o governo que merece!", pois bem, talvez por isso o brasileiro sofra e reclame tanto a falta de segurança, boa educação e saúde digna nesse país. De fato, falar é fácil, criticar e denegrir, ainda mais! Pouco as pessoas se acautelam no uso indevido da língua, coisa que deveria ser bem o oposto.
Bela reflexão! Sempre vale a pena passar pelo Letras da Torre. Bjins e até!

 
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