domingo, 18 de julho de 2010

O vendedor de mel

- Alguém quer comprar mel? É cinco contos o pote!...

O menino magro, miúdo, subia os degraus da escada de cimento anunciando a mercadoria que carregava numa sacola de pano suspensa no ombro direito, para os que estavam do lado de fora do bar, bebericando.

Não esperou resposta.

- Alguém quer comprar mel? É cinco contos o pote!... Falava agora da porta grande, para que os que estavam dentro pudessem ouvi-lo.

O Sargento Nininho, reformado, estava à mesa de sinuca, numa disputa de melhor de três, na bola oito, contra o barbudinho da metalúrgica.

Nininho tinha um ar bonachão. Quem o visse assim, a jogar sinuca, de bermuda, camisa regata, barrigão à mostra, poderia imaginar, no máximo, um vovô a divertir-se. Jamais um ex truculento membro da gloriosa Brigada Militar.

Mas quem prestasse atenção nos músculos das pernas e no rijo do muque, perceberia que tivera uma vida dura, de disciplina, treinamento e ação.

O que destoava era a proeminência abdominal. Culpa da cerveja, alfinetavam alguns...

Quando na ativa, entre uma ronda e outra, nunca deixava de prestigiar os proprietários dos estabelecimentos em que, com seus comandados, realizava visitas preventivas, em busca de algum canivete, uma trouxinha ou qualquer outra substância ilegal. Depois dos devidos procedimentos, quando os suspeitos já estavam confortavelmente alojados no camburão, pagava uma rodada de Brahma.

O comandante tinha conhecimento do seu proceder, por conta de um cabo ciumento que o dedurou. Recomendou moderação, mas não o puniu e nem lhe encaminhou para a Corregedoria. Tinha mais de trinta anos de farda e o respeito da tropa.

O cabo foi transferido para o Pelotão Agrícola.

Por conta do pito do comandante, mesmo que moderado, sem mácula em seu currículum, sentiu-se desprestigiado e encaminhou sua aposentadoria, tão reclamada pela mulher. Tinha tempo de serviço de sobra, contando com os adicionais de periculosidade e os qüinqüênios.

Reformado, tratou de reformar a casa. Passava os dias dividido entre os rebocos das paredes e os netinhos nos joelhos.

Com o passar do tempo, sentia mais aguda a falta da noite e da atividade. Tornou-se cada vez mais freqüente as suas saídas ao final da tarde com a desculpa de comprar laranjas para os netos. A mulher ralhou, quando as laranjas começaram a chegar cada noite mais tarde e, soubera ela, tinha sido visto tomando cerveja no bar do Claudião.

Então comprou o Bar da Escadaria.
- Tava cheio de freguês, mulher. Não posso atropelar.

- Quer comprar mel, senhor? É puro. O pequeno vendedor agora interpelava, num corpo a corpo mais agressivo e individualizado, o pedreiro Mini-Saia, que bebia uma pinga na ponta do balcão, perto da porta lateral.

- Mas é puro mesmo? Duvido!

- É puro sim, veja.

Retirou da bolsa um pote de plástico, transparente, em que se via uma substância de aspecto agradável, consistente, amarronzada.

- Parece mesmo puro, diagnosticou o Mini-Saia, olhando o pote contra a luz. – Dá para provar?

- Não... Não pode, só se comprar o pote.

Nessa altura, alguns fregueses se aproximaram cada um pegando o pote de mel, analisando... É puro, não é, é sim, não é mel, é mel de eucalipto... Não, é de trigo mourisco, por isso é escuro. É falsificado.

- É puro, garantia o pequeno vendedor.

O sargento Nininho, que abandonara o barbudinho da metalúrgica no meio da partida final, para servir uma cerveja ao Padeirinho, requisitou o pote.

- Pois eu te compro, guri. Tá aqui os cinco pilas. Mas se não for puro, eu te enquadro nos artigos. Ainda sou autoridade. Reformado, mas sou.

Até o Toco Xeréca, que fumava um baseado na extremidade do primeiro degrau, lá fora, se aproximou do grupo. Jogou fora a bagana. Sim senhor, sargento, entendo, o bar agora é de respeito. Não pode entrar porcaria aqui. Então não entro, mas lá fora pode? Pode, se o senhor não vir? Então pode...

O pote, agora aberto, circulava de mãos em mãos, cada um lambuzava o dedo e experimentava. É puro... Não é não... É sim... Tem gosto de limão.

- Tem que passar no pão para saber... Tem pão, sargento?... Não tem? Que pena!

- Tem que botar na cachaça, sentenciou o Mini-Saia.

- Tenho bolacha, serve? Anunciou o Toco Xereca, tirando da mochila um pacote de bolachas Maria, já pela metade. Serve. Passe para cá!

O sargento, como dono do bar e autoridade expropriou de um copo de caipirinha que alguém deixara sobre o balcão, uma colher de plástico e recobriu uma bolacha com uma generosa camada de mel.

Expectativa... Todos os olhares se concentraram nas expressões faciais do sargento Nininho. Até que este, limpando o bigode com o pano de passar no balcão, solenemente sentenciou:

- É falsificado.

Olhares ameaçadores recobriam o menino.

Num derradeiro e desesperado esforço mercadológico, ele garantiu:

- É puro sim, “seu” sargento... Lhe juro. Foi a mãe quem fez, ontem à noite!...
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3 comentários:

Torrone disse...

foi a mãe quem fez, haha!

Lu disse...

Mas que barbaridade!
Isso é que saber fazer mel de qualidade!

Delícia de se ler!

Beijos!

Quasímodo disse...

Torrone, Lu...

Uma verdadeira abelha rainha.

Nosso povo é rico em sabedoria de sobrevivência.

Grande abraço aos dois.

 
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