domingo, 6 de junho de 2010

O Meu Terrorista

Formalmente nunca fomos apresentados e não recordo com precisão a data exata em que nos conhecemos.

Deve ter sido entre meados de junho ou julho, logo que mudei de Torre.

No início ele era tímido, quase não aparecia. Não fosse por alguns ruídos noturnos que, por ser uma casa velha, poderia ser atribuída a qualquer coisa (um galho de árvore roçando no beiral, uma taboa mal pregada), passaria despercebido.

Com o passar do tempo fui identificando os ruídos intrínsecos da velha casa e acostumando-me com eles. Mas havia alguns que fugiam dos padrões rítmicos naturais de uma casa velha.

Depois passei a encontrar vestígios, ora uma sacola plástica junto à lixeira que não deveria estar ali, ora umas bolotinhas ovais perto da pia.

Certo dia o vi em cima do armário das louças, observando-me pacientemente enquanto eu, na mesa próxima, navegava na internet.

Parecia tão meigo, olhar curioso. Dei-lhe o nome de Ben, em homenagem ao Michael Jacson.

Poderíamos ter uma convivência harmoniosa, e até tivemos por um curto período. Logo, porém, comecei a perceber pequenos desvios de conduta, que me desagradaram; o furto de um pedaço de pão, a mudança de canal na televisão enquanto eu, semi-desperto, assistia ao jogo do Grêmio, para uma emissora que passava o desenho do Mickey, e outras diabices aparentemente inocentes, como assustar minhas visitas ao desfilar pela sala, nas horas menos próprias.

Uma noite, ao chegar a casa, encontrei-o alucinado a correr de um lado para o outro, dando cambalhotas e fazendo gestos obscenos com o bigode. Tinha roído todos meus comprimidos de Paracetamol e bebido o álcool de acender o carvão do churrasco de domingo.

Relevei. Afinal quem nunca tomou um porre na vida?

Mas ele foi ficando cada vez mais ousado. Num domingo acabou o gás do isqueiro. Doido para acender um cigarro, lembrei-me que tinha uma caixa de fósforos na gaveta. Encontrei a caixinha toda desfiada e os palitos sem cabeça. Imaginei que ele estaria armazenando explosivos para construir algum artefato nuclear. Vemos essas coisas todos os dias na televisão.

E passou a desafiar-me ostensivamente. No dia em que comprei um pãozinho frances, fiz café, e não encontrei nada na geladeira para passar no pão, ele saltitava sobre o armário, me apontava o focinho e guinchava como a acusar: “danou-se, pequeno-burguês de merda! Herege!...”

Começaram ali nossas hostilidades, com nítida vantagem estratégica ao seu favor. Não me permitia mais dormir. Bastava eu cochilar por um momento que ele começava com sua campanha de roer sacolas plásticas, ou outra coisa qualquer que fizesse ruídos irritantes. Eu passava os dias a bocejar, com olheiras. Mudei seu nome de Ben, para Bin.

Recomendaram-me comprar Fubarin, mas não sou adepto da guerra química, que poderia atingir outras espécies, como o sabiá e a pombinha Xuxa. Optei por promover emboscadas cirúrgicas. Comprei uma ratoeira.

Durante mais de mês o alimentei com queijo prato, sem que a ratoeira desarmasse. Nas poucas vezes em que desarmou, ele safou-se. Não entendo como conseguia.

Depois comprei um Roqueforte, mais duro e de aroma mais atrativo. E bem mais caro.

Numa madrugada acordei com o barulho... plect... Corri lá e ele estava agonizando. Logo morreu.

Passei duas noites de sono tranqüilo, até que o vi novamente sobre o armário a me observar com sua barba rala, seu focinho encovado e seus olhinhos maus. Ele deve ter mandado um sósia roubar o Roqueforte.

Marta quer dar-me um gato, dos dela. Talvez fosse uma boa idéia. Com a presença de forças estrangeiras, ele poderia se sentir ameaçado e fugir para a serra do Rastro ou se exilar no Paraguai.

Mas dos oito gatos de Marta não tem nenhum que tenha o perfil bélico adequado. São todos uns mimados.

Além do mais, embora com cérebro mais desenvolvido, nenhum deles tem os orelhões do Bush.
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3 comentários:

krika disse...

Mas tchê! Que ratinho danado!

Lu disse...

Bem, e se você colocar o queijo pro lado de fora da casa? rsss

Amigo, esse aí está tomando conta do rancho. Ou tu dá um jeito, ou vai ter que mudar de torre...rss

Um abração!

a xirua... disse...

ele fala, fala, fala, mas a verdade é que bin e quasímodo tornaram-se grandes amigos... eu já os presenciei bebendo juntos. fica um chorando as mágoas p cá, outro p lá... e assim segue a vida.
quantos aos meus gatos, são mimados, sim... só pegam ratos de raça.
beijos

 
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