domingo, 17 de maio de 2009

Culinária Gaúcha - Os Negros


Negros - A história dos gaúchos sem história



Os negros entraram na história do Rio Grande do Sul desde seu início. Mas o fizeram como personagens secundários, pouco lembrados, pouco citados - não obstante sua atuação tenha sido, provavelmente, decisiva para a própria formação do estado. Porque para o português branco, o negro era um complemento indispensável de sua atividade: na terra, na casa, na luta, ele se assemelhava à argamassa que, escondida entre os tijolos, mantinha a estrutura, mas que não era nunca levado em conta.
Não é à toa que em um texto escrito em 1807 por Manoel Antonio de Magalhães, em que faz reflexões sobre a situação da capital do Rio Grande, os negros sejam equiparados, literalmente, a equipamentos. O autor defende que deva ser proibida a exportação de escravos do Brasil para as colônias espanholas, pois os escravos são de importância militar "como os artigos de guerra: pólvora, balas, armas, chumbo, ferro, cobre, aço, estanho, salitre e toda a sorte de massames náuticos".

Quando a bandeira de Raposo Tavares explorou os vales dos rios Taquari e Jacuí, no final de 1635, existiam escravos negros entre seus membros. Também em 1680, na fundação da Colônia de Sacramento, a expedição comandada por Manoel Lobo trazia escravos negros. Eram 200 militares, três padres e 60 negros, dos quais 41 escravos do comandante, seis mulheres índias e uma branca e índios. Os negros representavam, portanto, mais de 20% da expedição - sem se considerar os soldados negros e mulatos livres que eram usados pelos exércitos daquela época. Também as expedições posteriores que se dirigiram à Colônia de Sacramento levavam mais negros.
Outro ponto fundamental para a história da ocupação do Rio Grande foi a fundação de Laguna, em Santa Catarina. Afinal, de lá sairiam várias expedições destinadas primeiro a prear gados, segundo a ocupar o Continente de São Pedro. E na fundação de Laguna também o negro estava presente, bem como nas expedições que os lagunenses fizeram ao Rio Grande, em que constituíam a maioria dos membros.
Mas foi a partir do desenvolvimento das charqueadas - que começa em 1780, com ocupação da área de Pelotas - que o tráfico negreiro começa a tomar volume. Naquele ano, os escravos - calculados em 3.280 - representavam 29% da população total do Rio Grande do Sul, e se encontravam concentrados em duas áreas principais. A primeira era ao longo da estrada dos tropeiros, que ligava o extremo sul do Rio Grande ao resto do país, pelo roteiro Rio Grande-Mostardas-Porto Alegre-Gravataí-Santo Antônio da Patrulha-Vacaria, ao longo do qual se localizavam as maiores estâncias.
Nessa região estavam cerca de 65% dos escravos. A outra área de grande concentração estava no eixo Porto Alegre-Caí-Taquari-São Jerônimo-Santo Amaro-Rio Pardo-Cachoeira, ao longo do Jacuí, onde se concentravam 35% dos escravos, especialmente em São Jerônimo.
Esses números seriam grandemente aumentados com as charqueadas, saltando para 50% da população gaúcha em 1822, quando José Antonio Gonçalves Chaves, estancieiro e charqueador de Pelotas, calculou que dos 106.196 habitantes da província metade fosse de escravos.
Esses números talvez estivessem exagerados - afinal, Gonçalves Chaves era contra a escravidão, e usou de todos os argumentos para combatê-la em sua obra "Memórias Economo-políticas sobre a administração pública do Brasil". Um deles era justamente o de que "o excessivo número de escravos faz com que não o possamos tratar como temos obrigação". Mas, de qualquer forma, sabe-se atualmente que seu número era expressivo, e calcula-se que em 1858 alcançava quase 25% da população gaúcha.
No entanto, a história desse povo sem história tem de ser procurada em dois tipos de fontes: ou nas notas que acompanham as narrativas, em que aparecem geralmente como "e uma grande quantidade de homens negros", ou em alguns episódios mais marcantes - que, por suas características singulares, são registrados. É esse o caso dos dois corpos de lanceiros que participaram das tropas farroupilhas durante a Revolução, que entraram para a história mais por terem sido vítimas de uma ainda não bem esclarecida traição (na Batalha de Porongos), que fez com que fossem eliminados para não comprometerem as negociações de paz entre farrapos e o Império.
É difícil estabelecer de que região da África vieram os negros que aportaram, ao longo do século passado, no Rio Grande do Sul. Sabe-se que vieram do porto do Rio de Janeiro, mas não existem detalhes precisos quanto aos portos de origem da África, e menos ainda quanto às regiões em que foram capturados para serem levados para os portos de embarque.
Isto porque os africanos muitas vezes eram caputados a centenas de quilômetros do porto onde seriam embarcados para o cativeiro. E, geralmente, na chegada ao Rio - ou aos outros portos - registrava-se como origem o porto de embarque. Mas, de maneira bastante imprecisa, é possível falar em três regiões principais de origem, com especial destaque para uma delas.
A região que se destaca é a da costa angolana, que mantinha maior contato com o porto do Rio de Janeiro. Dali vieram os escravos de cultura banto e congo. Outra região que também foi fonte de abastecimento de escravos para o Brasil foi a de Moçambique e adjacências. Os africanos vindos dessa área eram denominados genericamente de moçambiques. Por último também vieram grupos de cultura sudanesa, na região da Costa do Ouro, entre os quais se destacavam os minas.
No Rio Grande os grupos de africanos aqui introduzidos recebiam geralmente a denominação de angolas, congos, minas e moçambiques. Isto, entretanto, não significa que fossem efetivamente dessas áreas.

A INFLUÊNCIA DA CULINÁRIA AFRICANA NO BRASIL
Os Africanos quando foram trazidos para o Brasil, já eram dotados de uma vasta sabedoria na culinária e introduziram na culinária brasileira alguns dos produtos que podemos destacar como marcantes – o leite de coco, a pimenta malagueta, o gengibre, o milho, o feijão preto, as carnes salgadas e curadas, o quiabo, o amendoim, o mel, a castanha, as ervas aromáticas e o azeite de dendê que é, sem dúvida, uma das maiores contribuições para a comida brasileira, indispensável na confecção de inúmeros pratos típicos do Brasil e nas oferendas aos Deuses dos cultos afro-brasileiros, como o vatapá, o caruru, o abará, o abrazô, o acaçá, o acarajé, o bobó, os caldos, o cozido, a galinha de gabidela, o angu, a cuscuz salgado, a moqueca e a famosa feijoada - fruto da adaptação do negro às condições adversas da escravidão que com sobras de carnes juntamente com a sabedoria da culinária africana adaptaram-se aquela situação resultando num dos pratos típicos mais apreciados em todo o país.
Não podemos deixar de mencionar os pratos doces à base de ovos, coco e milho – canjica, mungunzá, quindim, pamonha, angu doce, doce de coco, doce de abóbora, paçoca, quindim de mandioca, tapioca, bolo de milho, bolinho de tapioca, etc. A cozinha negra fez valer os seus temperos, os verdes, a sua maneira de cozinhar. Modificou os pratos portugueses, substituindo ingredientes; fez a mesma coisa com os pratos nativos da terra; e finalmente criou a cozinha brasileira, descobrindo o chuchu com camarão, o quibebe ensinando a fazer pratos combinados com camarão seco, ovos, coco, castanhas e a usar as panelas de barro ou ferro, as terrinas de jacarandá, a peneira de palha, o pilão e a colher de pau.
Os iorubanos ou nagôs, os jejês, os tapas e os haussás, todos sudaneses islamitas e da costa oeste também, fizeram mais pela nossa cozinha porque eram mais aceitos como domésticos do que a gente do sul, como o povo de Angola, a maioria de língua bantu, ou do que os negros cambindas do Congo, ou os minas, ou os de Moçambique, gente mais forte, mais submissa e mais aproveitada para o serviço pesado das lavouras e dos engenhos.

O tráfico negreiro no Brasil teve início em 1525, intensificando-se em 1600, sendo que no Rio Grande do Sul, o trabalho escravo só começou a ser usado no fim do século XVIII, quando esta província passou a inserir-se no contexto nacional, servindo como ponto de apoio dos exércitos imperiais.
Além disso, o trabalho escravo foi muito utilizado na agricultura extensiva e no comércio de carne salgada, nas atividades de courama, nas plantações de linho cânhamo e no cultivo da erva-mate.
O africano, escravizado, não podia prover-se de alimentos e apenas os recebia uma provisão de milho fresco ou assado, aipim e farinha de mandioca, e raramente tinham tempo de fazer um angu com a farinha de milho ou uma sopa.
Apesar de serem detentores de um grande conhecimento gastronômico, esse era muitas vezes reprimido, obrigando-o a adaptar a sua alimentação com o que lhes era fornecido. Com isso surgiu um prato muito apreciado pelos brasileiros, a feijoada. Esta preparação foi o resultado da fusão de costumes alimentares europeus aliada à criatividade do negro escravo, uma vez que eles utilizavam as sobras de alimentos que os brancos rejeitavam para preparar este prato . Por outro lado, alguns hábitos alimentares foram em parte estimulados isto é, incorporado pela sociedade da época. O exemplo da caça que, dependendo da localidade geográfica, era uma prática gastronômica estimulada e permitida, além da pimenta de várias regiões da África, apreciada na preparação de muitos pratos. Não só os negros escravos, mas também os negros libertos (após a abolição da escravatura) tinham que usar de imaginação para preparar suas refeições, uma vez que após a abolição da escravatura, muitos deles viviam de esmolas e marginalizados, muitas vezes vivendo em quilombos. O termo quilombo sempre foi sinônimo de “grupos formados por escravos fugitivos lutando pela sobrevivência”, porém, além da luta pela sobrevivência, esses grupos, também formados por escravos libertos, visavam construir uma nova realidade, com garantia de igualdade, convívio com a coletividade e ancestralidade. Esse grupos permaneceram até hoje e, a partir da Constituição Brasileira de 1988, quilombo adquiriu uma significação atualizada, ao ser inscrito no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), adquirindo direitos nas terras ocupadas pelos seus remanescentes).

A influência africana na culinária do Rio Grande do Sul refere-se principalmente às comidas para orixás. A culinária de origem africana tem uma relação muito forte com rituais religiosos, sendo que muito dos pratos tradicionais do nosso Estado, são adaptações de pratos religiosos à “cozinha laica”,( cozinha que não tem ligação com a religião).
Apesar disso, não há estudos sobre a adaptação da culinária de origem africana ao no Rio Grande do Sul, sendo este tipo de estudo comum em outros Estados, principalmente, Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. Com isso, há uma certa dificuldade em obter informações sobre a contribuição, as adaptações e até mesmo as receitas de pratos típicos de origem africana relacionada com a cultura do Rio Grande do Sul, devido à escassez de bibliografia a respeito.

Dos pratos identificados como de origem africana, verificamos que são pratos que constam da bibliografia especializada em receitas típicas do Rio Grande do Sul, porém sem indicativo de sua origem étnica, dificultando dessa forma a busca destas informações para pesquisas relacionadas.
Uma possível explicação para essa escassez de bibliografia a respeito da culinária de origem africana pode ser o fato de que para o homem branco havia, simplesmente, o negro escravo e não grupos de negros portadores de culturas diversificadas.
Dos ingredientes predominantes nestas receitas, observa-se a presença de feijões, milho e condimentos, o que está de acordo com os alimentos tradicionais da África do século XVI, época da vinda dos negros como escravos ao Brasil, com destaque aos diferentes tipos de feijões, aos temperos e condimentos e ao milho, que mesmo sendo de origem americana, foi assimilado com grande aceitação na África.
Além disso, observa-se que pelo menos três dos pratos ditos de origem africana tiveram sua
origem provavelmente da utilização, por parte dos negros ainda escravizados, de restos de comida do branco. São eles: o sopão, o mocotó e a feijoada. O sopão, ao que tudo indica, utilizava, ao invés da carne, o osso, além de vários legumes altamente energéticos, garantindo assim a energia e nutrientes necessários em um único prato de fácil preparo e consumo, não esquecendo que também auxiliava no aquecimento do corpo, uma vez que era servido quente. Hoje em dia se usa carne no lugar do osso, talvez nem tantos legumes, nem a banha de porco, substituída pelo azeite, mas o sopão ou sopa é um prato comum no nosso dia-a-dia, principalmente em dias frios.
No mocotó e na feijoada observa-se o uso de várias partes menos nobres de animais como porco e gado. O uso de pata de vaca, mondongo, orelha de porco, pé de porco, rabo de porco, entre outros, evidencia a criatividade do negro que usava estas partes desprezadas pelos brancos para fazer pratos calóricos e saborosos.
Estes pratos foram tão bem aceitos que passaram a fazer parte dos pratos típicos do Rio Grande do Sul. Como o sopão, são preparadas em dias de maior frio. Atualmente, para fazer estas receitas, continua-se usando as partes “menos nobres” dos animais, pois é a mistura destes ingredientes que dá o sabor e o valor nutricional característico destes pratos.
A origem do mocotó parece ter sido nas charqueadas, onde os escravos das estâncias gaúchas encontravam nessa mistura uma solução para seu sustento alimentar.
Na receita de todos os pratos, observou-se a presença de banha de porco, o que hoje em dia já é substituída pelo azeite. O uso de banha de porco ocorria pelo fato de ser comum a criação de porcos, mas com o passar do tempo, isso já não ocorre mais, além de uma melhora do poder aquisitivo.
Além dos pratos salgados, os pratos doces de origem africana, mostram sua “identidade”, uma vez que, para fazer o prato conhecido como canjica, utilizava-se o milho quebrado, provavelmente considerado como “resto”. O cuzcuz também é preparado com milho, porém na forma de farinha.
O doce de laranja azeda também é de origem africana. Para fazer esse doce, utiliza-se um tipo de laranja especial que serve apenas para fazer este prato, não podendo ser consumida in natura,
mostrando uma forma de aproveitamento de uma fruta que, em outra situação, provavelmente seria desprezada.

- Mesmo não encontrando muitas referência dos pratos de origem africana na culinária gaúcha, os negros tiveram grande influência na tradição alimentar do Rio Grande do Sul.
- Apesar de sua condição inicial de escravo, sem direitos e com sua cultura desprezada pelos brancos, os negros conseguiram se adaptar às condições de vida a que eram submetidos, formando e transformando pratos de diferentes culturas, graças a sua imaginação, através da combinação de diferentes ingredientes.
- Os pratos de origem africana que fazem parte da culinária tradicional do Rio Grande do Sul, sofreram adaptações para as condições atuais de vida.
Fontes de pesquisa: RS Virtual. Wikipédia, e
de maneira singular o Centro Universitário Metodista
através do trabalho das doutoras Maria Claudete Bastos
e Paula Cibele dos Santos em www.palmares.gov.br
Imagens: Debret, Jean-Victor Frond e Rugendas.
__________________________________

6 comentários:

retalhos disse...

Esse cantinho, é um encanto, cada página um tanto mais de cultura, um tanto a mais de guloseimas.
Abraço!

Milly disse...

Eita,guri sabido,sô!
Teus textos são tão leves..que a gente lê num piscar de olhos...
Já disse que gosto muito de teu jeito,né?
Gosto,sim!..rs
Beijos!
.
.

Quasímodo disse...

Meninas...

Os méritos não são meus. São das fontes que sempre cito.

Se algum mérito por ventura eu tiver, é o de recolher os "retalhos" da história já escrita, costurá-los e com muito carinho postá-los aqui, procurando dar aos relatos uma certa sequência lógica, histórica e cronológica.

Abraços às queridas amigas, a dos Retalhos, e à moça do cabelo ruivo, mãe (adotiva) do Francisco e da Maria.

lili disse...

Como sempre as letrinhas mágicas em ação, estava com muitas saudades, vim mata-la na sua telinha, beijossssssssssssssssss

uns... disse...

ai, dá uma fome danada ler essas coisas. ainda mais a esse hora (são 13h14min e ainda não almocei).
conta p/ mim, corcundinha mais amor, quando poderei experimentar um desses pratos em sua companhia?
eu pago o licor, tá?
beijão

uns... disse...

voltei...

esqueci de dizer que uma coisa importante...
o alimento cultural também ficou muito bom. foi digerido com prazer.
mais beijos

 
Letras da Torre - Templates Novo Blogger