domingo, 25 de julho de 2010

Procissão de São Cristóvão e outros santos


Hoje tinha procissão aqui. Dia de São Cristóvão, padroeiro.

São Cristóvão é aquele santinho que atravessou um rio, com Jesus nas costas. Não está na Bíblia, mas é um santo muito popular, apesar da carequinha que ele tenta disfarçar com a auréola.

Ele é padroeiro de muitas causas: motoristas, agricultores e cidades, como a que vivo.

O Rogério, amigo de Passo Fundo, chamava essas procissões de “perseguição do santo” – ou da santa - dependendo da anatomia do (a) homenageado (a).

Já na semana passada me venderam cinco rifas beneficentes. Mais não comprei porque o pagamento só sai no dia cinco e o santo não vende fiado.

Às seis horas desta manhã acordei sobressaltado com o foguetório. Só então me lembrei da festa.

Às oito e meia começaram a passar aqui na frente de casa os caminhões, com suas buzinas ensurdecedoras. O santo já tinha passado.

Tentei buscar a marmitinha no restaurante, mas não consegui atravessar a rua.

Então voltei para casa, peguei as muletas que, felizmente estão aposentadas, botei uns óculos escuros e uma touca preta, de lã. No espelho me achei parecido com o Stevie Wonder. A estratégia funcionou. Os agentes do trânsito interromperam a carreata e uma bondosa senhora me conduziu pelo cotovelo até a calçada do outro lado da rua.

A volta foi mais tranqüila, já estavam a passar os carros e as motos. Os ouvidos ainda zumbiam no almoço.

Gosto de ver essas manifestações populares de fé e devoção.

O que não entendo é a barulheira toda; bombas, buzinas...

Será que os romeiros pensam que o santo é surdo?

Ou, quem sabe, um vuvuzelófilo enrustido?...
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domingo, 18 de julho de 2010

O vendedor de mel

- Alguém quer comprar mel? É cinco contos o pote!...

O menino magro, miúdo, subia os degraus da escada de cimento anunciando a mercadoria que carregava numa sacola de pano suspensa no ombro direito, para os que estavam do lado de fora do bar, bebericando.

Não esperou resposta.

- Alguém quer comprar mel? É cinco contos o pote!... Falava agora da porta grande, para que os que estavam dentro pudessem ouvi-lo.

O Sargento Nininho, reformado, estava à mesa de sinuca, numa disputa de melhor de três, na bola oito, contra o barbudinho da metalúrgica.

Nininho tinha um ar bonachão. Quem o visse assim, a jogar sinuca, de bermuda, camisa regata, barrigão à mostra, poderia imaginar, no máximo, um vovô a divertir-se. Jamais um ex truculento membro da gloriosa Brigada Militar.

Mas quem prestasse atenção nos músculos das pernas e no rijo do muque, perceberia que tivera uma vida dura, de disciplina, treinamento e ação.

O que destoava era a proeminência abdominal. Culpa da cerveja, alfinetavam alguns...

Quando na ativa, entre uma ronda e outra, nunca deixava de prestigiar os proprietários dos estabelecimentos em que, com seus comandados, realizava visitas preventivas, em busca de algum canivete, uma trouxinha ou qualquer outra substância ilegal. Depois dos devidos procedimentos, quando os suspeitos já estavam confortavelmente alojados no camburão, pagava uma rodada de Brahma.

O comandante tinha conhecimento do seu proceder, por conta de um cabo ciumento que o dedurou. Recomendou moderação, mas não o puniu e nem lhe encaminhou para a Corregedoria. Tinha mais de trinta anos de farda e o respeito da tropa.

O cabo foi transferido para o Pelotão Agrícola.

Por conta do pito do comandante, mesmo que moderado, sem mácula em seu currículum, sentiu-se desprestigiado e encaminhou sua aposentadoria, tão reclamada pela mulher. Tinha tempo de serviço de sobra, contando com os adicionais de periculosidade e os qüinqüênios.

Reformado, tratou de reformar a casa. Passava os dias dividido entre os rebocos das paredes e os netinhos nos joelhos.

Com o passar do tempo, sentia mais aguda a falta da noite e da atividade. Tornou-se cada vez mais freqüente as suas saídas ao final da tarde com a desculpa de comprar laranjas para os netos. A mulher ralhou, quando as laranjas começaram a chegar cada noite mais tarde e, soubera ela, tinha sido visto tomando cerveja no bar do Claudião.

Então comprou o Bar da Escadaria.
- Tava cheio de freguês, mulher. Não posso atropelar.

- Quer comprar mel, senhor? É puro. O pequeno vendedor agora interpelava, num corpo a corpo mais agressivo e individualizado, o pedreiro Mini-Saia, que bebia uma pinga na ponta do balcão, perto da porta lateral.

- Mas é puro mesmo? Duvido!

- É puro sim, veja.

Retirou da bolsa um pote de plástico, transparente, em que se via uma substância de aspecto agradável, consistente, amarronzada.

- Parece mesmo puro, diagnosticou o Mini-Saia, olhando o pote contra a luz. – Dá para provar?

- Não... Não pode, só se comprar o pote.

Nessa altura, alguns fregueses se aproximaram cada um pegando o pote de mel, analisando... É puro, não é, é sim, não é mel, é mel de eucalipto... Não, é de trigo mourisco, por isso é escuro. É falsificado.

- É puro, garantia o pequeno vendedor.

O sargento Nininho, que abandonara o barbudinho da metalúrgica no meio da partida final, para servir uma cerveja ao Padeirinho, requisitou o pote.

- Pois eu te compro, guri. Tá aqui os cinco pilas. Mas se não for puro, eu te enquadro nos artigos. Ainda sou autoridade. Reformado, mas sou.

Até o Toco Xeréca, que fumava um baseado na extremidade do primeiro degrau, lá fora, se aproximou do grupo. Jogou fora a bagana. Sim senhor, sargento, entendo, o bar agora é de respeito. Não pode entrar porcaria aqui. Então não entro, mas lá fora pode? Pode, se o senhor não vir? Então pode...

O pote, agora aberto, circulava de mãos em mãos, cada um lambuzava o dedo e experimentava. É puro... Não é não... É sim... Tem gosto de limão.

- Tem que passar no pão para saber... Tem pão, sargento?... Não tem? Que pena!

- Tem que botar na cachaça, sentenciou o Mini-Saia.

- Tenho bolacha, serve? Anunciou o Toco Xereca, tirando da mochila um pacote de bolachas Maria, já pela metade. Serve. Passe para cá!

O sargento, como dono do bar e autoridade expropriou de um copo de caipirinha que alguém deixara sobre o balcão, uma colher de plástico e recobriu uma bolacha com uma generosa camada de mel.

Expectativa... Todos os olhares se concentraram nas expressões faciais do sargento Nininho. Até que este, limpando o bigode com o pano de passar no balcão, solenemente sentenciou:

- É falsificado.

Olhares ameaçadores recobriam o menino.

Num derradeiro e desesperado esforço mercadológico, ele garantiu:

- É puro sim, “seu” sargento... Lhe juro. Foi a mãe quem fez, ontem à noite!...
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domingo, 11 de julho de 2010

Bolo de Farinha de Milho - Receita.



Bolo de farinha de milho

4 ovos inteiros
2 xícaras chá de açúcar
2 xícaras chá de farinha de milho
2 xícaras de leite
1 xícara de óleo (- 1 dedo)
1 colher sopa pó royal
150 g queijo ralado

bater tudo no liquidificador.
assar em forma untada e farinhada.


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Esta receita é da Marta. No tempo da ditadura, alguns jornais, censurados, preenchiam seus espaços com receitas. Sabíamos que havia sido censurado.
Não é o caso aqui. É absoluta falta de assunto e inspiração.
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Espanha ganhou a copa. Justo.
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Da amiga Krika recebi este texto, ainda sobre Copa do Mundo. No seu blog tem mais. Vale a pena ler. Confiram. Tem muita coisa boa lá, para quem se interessa por educação.
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O mistério das chuteiras - Por José Roberto Torero

Los Gatos, 17 de julho de 1994

Professora, não sei se a senhora se lembra de mim. Eu sou a Teca, que foi sua aluna na escola aí de Governador Valadares. A de óculos e aparelhos nos dentes, lembra?

Pois é, então, como eu lembro que a senhora gostava de futebol, resolvi contar umas coisas que eu vi aqui.

O aqui que eu digo é nos Estados Unidos, numa cidade chamada Los Gatos. Eu e o meu pai mudamos para cá. Ele conseguiu emprego legal: dirige ônibus para turistas. -
Bom, aí, um dia, falaram que ia ter uma Copa do Mundo aqui.

Eu nem acreditei: "Uai, gente, deve ser mentira. Os americanos nem gostam de futebol". Mas era verdade.

Depois vieram duas boas notícias. Boas, não. ótimas! A primeira era que a seleção ia se hospedar na minha cidade. A segunda, que o meu pai ia dirigir o ônibus do Brasil. Eu pedi para o meu pai me levar nos jogos.

Ele falou que não dava, que não podia,.que onde já se viu. Aí eu armei minha cara de cachorro triste e disse: "Tudo bem, eu fico aqui sozinha ... ".

Esse truque sempre dá certo, professora. Ele me arranjou um cantinho no ônibus, junto com as malas dos jogadores, aquelas onde eles levam as chuteiras. Era um chulé danado, mas tudo bem, porque ia escutando a batucada do pessoal.

Até conheci o Romário, que era só um tiquinho mais alto do que eu.

Na primeira fase, o Brasil não teve problemas: ganhou da Rússia, de Camarões empatou com a Suécia.

Depois ganhamos dos Estados Unidos com um golzinho do Bebeto e derrotamos a Holanda: 3 a 2. Aí veio a chata da Suécia de novo. Parece mentira, mas ganhamos com um gol de cabeça do Romário. Ele é baixinho, mas pula bem alto.

A final ia ser contra a 'Itália. Eu já estava toda feliz, pensando em viajar com os brasileiros, Quando meu pai veio com a bomba: "Filha, fui escalado para dirigir o ônibus da Itália".

Aquilo foi terrível! Nem falei com ninguém no ônibus. Fui lá para o fundo e descontei minha raiva nas chuteiras. Teve uma, coitada, Que sofreu mais Que todas: eu apertei, torci e até mudei as travas de lugar, Fiz o diabo! Bom, como todo mundo sabe, o jogo terminou em O a O, ea decisão foi para os pênaltis.

Então eu olhei para o campo e vi que o Baggio, da Itália, estava trocando de chuteira. E colocando justo aquela que eu tinha maltratado. Depois ele correu, bateu e errou!

Foi bom demais da conta ajudar o Brasil a ser campeão, professora. Mas não conte isso para o Baggio tá? Ele ia ficar o maior bravo comigo.

Um beijo da Teca, que agora é tetra!
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A noite aqui, fria e chuvosa, promete ser nostálgica...
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domingo, 4 de julho de 2010

Lições da Copa



Gosto de esportes. De todas as modalidades.

Já me aventurei até mesmo pelo boxe, até que o Campetti, um menino mau do ginásio me arroxeou um olho.

Gosto de futebol, como a maioria dos brasileiros. Enquanto as pernas me obedeciam, jogava na meia-direita, com a camisa oito. Na época a posição no campo, obedecia alguma lógica. A ponta esquerda era sempre ocupada pelo jogador da camisa onze, a ponta direita com a sete, o centro-avante era o nove. Eu era o oito. Chamavam, na época, de meia-armador. Diferentemente do meia-esquerda, que vestia a dez, o oito, no caso eu, tinha uma dupla função. Precisava voltar para ajudar os zagueiros, inevitavelmente compostos por quatro pesadões, que ocupavam essas posições por falta de opções. Ou por imposição do dono da bola. E depois da bola rebatida pelo paredão, organizar as jogadas de ataque. Era uma tarefa exaustiva, mas na época o fôlego sobrava.

Até fiz alguns gols bonitos e decisivos em torneios pelo interior, quando a partida era dividida em dois tempos de dez minutos cada, e o troféu era uma ovelha miúda. Viva. Ela ficava num cercadinho improvisado na beira do mato. Um pouco preocupada com o movimento e a curiosidade, imagino que se alheava do motivo de tantos marmanjos correrem ao sol de 40 e picos, e os olhares cobiçosos de quem saia do campo vitorioso, até o próximo embate.

Mais que o prêmio, que iria virar um churrasco em algumas semanas, quando se convidava o anfitrião do torneio para uma partida amistosa, agora no nosso campo, o que nos movia era o espírito da competição e a integração que se fazia com as comunidades que encontrávamos na disputa.

Nem sempre eram disputas cordiais. Havia rivalidades históricas, mesmo que na segunda-feira, estivéssemos no mesmo eito, cada um com sua enxada.

O que tem isso a ver com a copa?

Acho que tem tudo.

O esporte, e especialmente o futebol deixou de ser uma atividade lúdica. Passou a ser uma mercadoria. Uma atividade econômica. Os jogadores deixaram de serem jogadores, para virarem empresas cercados de profissionais que os administram. As competições se tornaram mega-eventos. E nos seduzem nos impondo ídolos, para dar audiência às redes da mídia.

Cuba, que nunca teve tradição no futebol, mostrou ao mundo grandes atletas, no vôlei, no basquete ou em competições individuais. E nenhum deles era profissional. Jogavam e competiam pelo esporte, ou quando muito, por uma medalha simbólica, como uma ovelha viva e um nome na história. Alguns, maldosos, dizem que tinham medo do paredón do Fidel. Maldade ideológica.

Nesta copa a empáfia e a tradição foram derrotadas. Restou a Alemanha, para mim a melhor equipe, embora torça pelo Uruguai.

A Argentina soçobrou na megalomania do Maradona.

A grande Itália sucumbiu já na primeira fase, vitimada pela falta de renovação de seus quadros. O mesmo aconteceu com França, agravada pela falta de comando e hierarquia. Ao montarem grandes times em seus países, contratam, à peso de ouro, jogadores de outros países, inclusive do Brasil, fechando as portas para os seus próprios jogadores incipientes. Não lhes dão oportunidade. Então, embora por lá tenhamos o grande Milan, Internacionale, Barcelona, Manchester... na hora de montar uma seleção nacional, o que se vê? Vazio. Os melhores estão fora, representando suas seleções, Brasil, Argentina, Paraguai, Gana.

E esses jogadores, vindos de lá, dessas equipes européias, representaram bem as suas nações? Messi, Cristiano Ronaldo, Kaká (apesar do desconto físico), foram em algum momento decisivos para suas equipes? Melancólicos. Para nós que queríamos vê-los mostrando lances bonitos. Para eles não. São empresas. Valorizaram-se no mercado por terem participado da copa, mesmo que de forma medíocre.

Culpar o Dunga? Seria muito simplismo.

É preciso antes resgatar uma competição por amor ao esporte e não pelos lucros e interesses de quem está envolvido, sejam confederações, países ou jogadores-empresas. É preciso voltar a jogar por uma ovelha e pela honra.
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