Quando eu era meninote, e tinha lá uns dez ou doze anos, assisti a um filme na antiga TV Tupi, do qual eu gravei indelevelmente na memória uma frase específica.
Todas as semanas, se não me engano às quartas-feiras, a TV exibia um filme, criteriosamente selecionado, em um programa chamado Poltrona Cinco. Os mais antigos haverão de lembrar.
O filme em questão chamava-se Taras Bulba, baseado no livro homônimo do escritor russo Nikolai Gogól e tinha no elenco, dentre outros, Tony Curtis e Yul Brynner, ainda vivo e com alguns cabelos.
Grande clássico da literatura russa, o livro e o filme narram a história de um velho cossaco, Taras Bulba, e de seus dois filhos, que regressando da universidade onde estudavam, encontram seu povo em guerra contra os polacos, antigos aliados na luta contra os turcos otomanos.
A mãe de ambos, temendo um desfecho sangrento, apela para o velho líder:
- Taras, impeça-os. Foram apenas palavras!...
Ao que Taras Bulba sobriamente responde:
“- Um homem deve morrer por proferir certas palavras.”
Não me lembro do desfecho do duelo, mas o filme segue conforme o livro.
Hoje, pensando na frase de Taras Bulba me dei conta do quanto as palavras foram banalizadas. Palavras que ouvimos, mas que também proferimos sem atentar ao seu significado mais amplo. Desde o inocente xingamento à progenitora do juiz de futebol, a maledicência com que nos referimos a alguém e até mesmo ao “sim” diante do padre num casamento sem amor.
Palavras podem edificar e alegrar uma pessoa, mas também podem ferir. Palavras podem matar. Ferir com palavras é extremamente fácil, pois não depende de condições externas – por exemplo, uma arma ou qualquer outro objeto. É fácil também porque nossa língua está intimamente relacionada com a nossa mente. Nós pensamos com palavras.
A professora e amiga Krika abordou recentemente em seu blog “Linguagem e Afins” (http://www.linguagemeafins.blogspot.com/) a questão do bullying. Mas o que é bullying senão o reiterado uso de palavras maledicentes para denegrir a imagem e a moral de alguém?
Se pensamos com palavras é preciso então moldar os nossos pensamentos.
A própria Bíblia é rica em ensinamentos sobre precauções no uso da palavra. Tiago em 1:19 diz: “Todo homem, pois, seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar”. Inúmeros são os exemplos bíblicos, especialmente em Tiago.
Mas se ao falar devemos ser tardios, refreando o reflexo de falarmos impensadamente, maior cuidado devemos ter quando escrevemos. Ao falar, a entonação da nossa voz pode dar um significado de “sim” à um “não”. Na palavra escrita não há entonação e um não será sempre um advérbio de negação e recusa. Ao falarmos diretamente com uma pessoa, estamos interagindo, no tempo e no espaço, com todas as condições objetivas e subjetivas do momento. Podemos adequar nossas palavras ao que podemos perceber no estado emocional do interlocutor. Não falaremos de festa ou de pescaria durante um velório. Já quando escrevemos, não podemos prever por quem e em qual situação seremos lidos. A palavra escrita supõe-se a priori, que foram exaustivamente pensadas e dadas a ela o real significado que queremos que ela tenha e que assim seja interpretada por quem nos lê.
Gritantes exemplos de banalização da palavra encontramos nos discursos políticos. Basta compararmos o que disseram e prometeram durante a campanha com a prática e o que fazem e dizem depois de eleitos.
Recentemente, o ex presidente da República José Sarnei, ao ser eleito para mais um mandato como presidente da casa (o quarto) declarou que faria mais esse “sacrifício pessoal”. Ora, esse “sacrifício pessoal” significa somar aos já nababescos ganhos e vantagens que os parlamentares usufruem, uma série de outras mordomias, prestígio político, influência na nomeação e contratação de apaniguados e a perpetuação da dinastia coronelística maranhense.
É atualíssima a frase de Taras Bulba: “Um homem deveria morrer por proferir certas palavras”.
Imagem palavras: http://br.freepik.com/fotos-gratis/palavras_348123.htm