quinta-feira, 6 de junho de 2013

Os Herdeiros do Contestado


Tu falas, em teu artigo, que o terceiro monje - José Maria - foi um desertor do exército e tinha antecedentes criminais. Podes me informar qual a fonte em que fizestes a pesquisa?

Valeu pelo artigo.Fico no aguardo.

1 de setembro de 2010 13:47

Foi com este questionamento, sutilmente reprobatório nas entrelinhas, que conheci Gilead Maurício. Ele se referia a um texto, publicado no “Letras da Torre” em 28 de Novembro de 2009, em que reuni algumas informações sobre a Guerra do Contestado, conflito envolvendo caboclos e forças militares a serviço dos coronéis de então, tendo como palco, o meio-oeste do estado de Santa Catarina.

Na época eu pesquisava sobre outro fato que também teve grande influência na constituição e formação do meio oeste e oeste de Santa Catarina: os balseiros do Rio Uruguai. Ambos os fatos, a Guerra do Contestado e o comércio e transporte de madeiras através do Rio Uruguai, se entrelaçavam em alguns momentos, geográfica, histórica, sociológica e temporalmente. A guerra, de 1912 a 1916 e a atividade balseira logo a seguir, entre 1918 e 1965. A exploração extrativista e destrutiva das árvores nativas existentes na região está presentes nos dois casos.

O texto sobre a Guerra do Contestado foi, portanto, uma inserção periférica ao objetivo da minha pesquisa, pois encontrei várias referências a ela durante entrevistas que realizei nas localidades que sofreram a influência da exploração da madeira.

Respondi ao Gilead no mesmo espaço do blog, citando a fonte (que já constava do texto) e acrescentei algumas observações pessoais. A partir daí passamos a trocar informações de forma mais ou menos constantes. Foi assim que fiquei sabendo que ele preparava uma expedição ao meio oeste catarinense com o intuito de resgatar, no que fosse possível, a história do Contestado. Não se contentava em pesquisar fontes bibliográficas, queria conhecer a região, falar com pessoas, sentir na pele.

E isso ele fez, no lombo de uma motocicleta. Curiosamente o mesmo meio que usei para obter informações sobre os balseiros. Minhas expedições eram, no entanto menores e pontuais. Limitei-me a percorrer comunidades ao longo da margem direita do Rio Uruguai, desde Itá até São Miguel do Oeste, passando pelo Goio-en, um dos locais de montagem e partida das balsas e cenário da estória que, mais tarde, eu viria a contar. Também estive nas comunidades indígenas de Sapé-Ty-Kó no Distrito de Água Amarela, município de Chapecó e na reserva indígena de Xapecó, no município catarinense de Ipuaçu.

A expedição do Gilead foi mais ampla. Partindo de Florianópolis ele percorreu o Planalto Serrano até a região do conflito, no meio-oeste catarinense, visitando lugares, falando com pessoas, sentindo o clima.

Na minha infância, no interior de Lagoa Vermelha - RS, e lá já se vai mais de meia década, eu escutava, nas rodas de mate, os mais velhos falarem de um tal de São João Maria, muito benzedeiro e curador de várias moléstias, inclusive do gado e outros animais.

Alguns o chamavam de Jujo Idéia, mas não sei se a referência era à mesma pessoa. O fato é que um nome e outro eram pronunciados com respeito e, às vezes, devoção e esperança.

Quase nessa época o cantor gaúcho, José Mendes, em uma canção chamada “Homenagem à Lagoa” dizia nos versos, que ouviámos no rádio e repetíamos distraidamente:

Lagoa Vermelha cidade sulina
Divide o Rio Grande e Santa Catarina
Lá existe uma água que corre da bica
Quem bebe esta água por lá ele fica
A água é clara como a luz do dia
Dizem que foi benta por São João Maria
O velho profeta milagres fazia
Mataram três vezes mas nunca morria

Gilead Maurício remexe nessa história, no seu recente livro, “Morte ao Caboclo”, fruto da sua expedição, de maneira singular. Transcrevo a sinopse do livro extraído do Site Livrarias Curitiba - http://www.livrariascuritiba.com.br/morte-ao-caboclo-aut-catarinense,product,LV324220,3153.aspx – onde o livro pode ser encontrado:

Que tal uma viagem de motocicleta pelos lugares onde aconteceu a Guerra do Contestado? Alem da aventura, você ficará sabendo em detalhes o que foi esse conflito que matou milhares de brasileiros na segunda década do século passado. Com uma linguagem despojada, Gilead Maurício mostra neste livro quem eram os sertanejos que enfrentaram o Exército Brasileiro e deram seu sangue por uma causa. Suba na moto desse jornalista potiguar radicado em Santa Catarina e descubra a quem interessava o conflito armado. Saiba qual o foi o papel dos políticos, dos empresários, do clero católico e da imprensa nessa guerra fratricida.

Por que a Guerra do Contestado não tem o destaque que tem a Guerra de Canudos? Ora, é fato que em termos de grandeza a segunda não foi metade do que foi a primeira. A quem interessava esconder os fatos? É verdade que tudo começou com um movimento religioso em torno de um monge e terminou em um massacre de caboclos abandonados pelo poder público? Ou o Contestado não passou de uma revolta camponesa que contrariava a lógica capitalista imposta com a proclamação da República?

Com uma dose de humor e uma ponta de poesia, o escritor te levará por caminhos esquecidos ao longo da história, e no fim restará apenas uma pergunta: o que mudou?

Eu recomendo. Não só porque Gilead Maurício é hoje meu amigo, mas porque ainda não encontrei a resposta para a pergunta: “O que mudou?...

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