terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A Euglossini "Spartacus Nutrillis"



Uma Euglossini, também chamada abelha das orquídeas

Esta história é verdadeira e aconteceu mais ou menos assim:


Durante um recente curso sobre Meliponicultura (abelhas nativas sem ferrão) que eu e minha esposa Marta fizemos, aprendemos sobre os diversos gêneros de Meliponinis existentes.


Assim, tivemos que começar a nos familiarizar com alguns nomes como Tetragonisca angustula, Plebeia droryana, Scaptotrigona, Frieseomelitta varia, Melipona rufiventris, Melipona quadrifasciata, só para citar as mais comuns dentre nós.


Claro que, como marinheiros de primeira viagem nesse mar de nomes esquisitos, tivemos dificuldades em associar o nome científico com os bichinhos que conhecíamos como jataí, mirim, uruçu, mandaçaia...


Eis que, durante um manejo prático, em que aprendíamos como transferir um enxame de uma caixa rústica para outra, padrão racional, uma abelhinha verde pousou na ponta da mesa em que laborávamos, possivelmente uma Euglossini.


Alguns alunos mais próximos e, de certa forma alheios às explicações do professor, notaram a presença dela e começaram a especular...


Lembrei-me de um livro que estava lendo lá na roça, nas horas vagas da noite, sobre a revolta dos escravos romanos e falei, com ar professoral:


- Essa é uma Espartacus Nutrillis...


A Marta, que não perde oportunidade para espichar uma estória inverossímil, complementou de pronto:


- O pai do Clóvis criava essas abelhas lá no Rio Grande do Sul.


A curiosidade aguçou-se:


- Verdade?... E dá mel?...


A partir daí travou-se um debate nestes moldes:


(Colega) – E seu pai não cria mais?


(Marta) – Não. Foi proibido.


(Colega) – Ela é bonita, brilhante, metálica...


(Eu) – É que ela é originária da Trácia, e tem essa coloração para se camuflar nos brilhantes escudos dos soldados romanos...


(Colega) – E como ela veio parar aqui, em Pindamonhangaba?


(Marta) – É uma longa história. Conta “preles” Clóvis!


(Colegas) – Conta... conta...


(Eu) – Bom... Foi assim: Essas abelhinhas viviam felizes na Trácia, buscando seu néctar nas montanhas da Cordilheira do Haimos e trazendo água do mar Egeu até que o Império Romano dominou toda aquela região. Foi aí que elas adquiriram o seu tom metálico, para brilharem junto com o brilho dos escudos e dos elmos dos soldados romanos e assim, camufladas, passarem despercebidas das Apis mellifera ligustica, as abelhas italianas, que vieram juntas com os soldados.


(Colegas) – E o que aconteceu depois?


(Marta) – O Império Romano dominou toda aquela região, e fez dos Trácios seus escravos e as Ligústicas fizeram suas escravas as Espartacus Nutrillis, para servirem-lhes como amas de leite, por isso o seu sobrenome “Nutrillis”...


(Colegas) – Ohhhh!...


(Eu) – Depois de feitas escravas, as Spartacus foram levadas para Roma, juntamente com os prisioneiros; homens, mulheres e crianças trácios, para servirem a seus senhores: os humanos aos Senadores, Consules e Pretores, e as abelhas às Ligústicas...


(Um colega de Minas) – Côisdiloco!...


(Eu) – Mas essa situação não durou muito tempo. Cerca de três anos depois de terem sido feitas prisioneiras e escravas, uma colméia de Spartacus Nutrillis se rebelou em Cápua, ao sul de Roma, e saíram libertando as outras abelhas trácias que estavam cativas...


(O mesmo colega mineiro) – Aí fedeu!...


(Marta) – O exército delas engrossou tanto, que as Ligústicas de Roma organizaram um exército para combatê-las, sob o comando de um zangão eunuco chamado Caio Pinto Glabro, mas foram derrotadas.


(Eu) – Depois de muitas batalhas entre as Ligústicas e as Spartacus, estas foram finalmente vencidas, e as prisioneiras sobreviventes foram amarradas, pelas asas, até morrerem, nas forquilhas das braquiárias que existiam ao longo da estrada que ligava Roma à Cápua. Por isso essa estrada passou a chamar-se Via Ápis...


- Via Ápia – corrigiu alguém.


(Marta) – Não. Era Ápis, mesmo. Virou Ápia por um erro de transliteração...


(Colegas) – Ahhhh!... Sem entenderem muito bem o que poderia ser transliteração.


(Colega) – Mas como elas vieram parar em Pindamonhangaba? É isso que eu queria saber...


(Marta, tirando o corpo fora) – Explica pra eles, Clóvis...


(Eu) – Já ia chegar lá. Algumas sobreviventes das Spartacus conseguiram voar até a Sicília e dali voaram para o norte da África, onde tentaram se estabelecer na Numídia e na Mauretânia, mas, devido estarem muito debilitadas em consequência da guerra, e do longo voo da travessia, foram novamente escravizadas, desta vez pelas Abelhas Africanas, as Scutellatas.


Quando as abelhas africanas vieram para o Brasil, trouxeram junto as suas escravas, as Spartacus nutrillis.


(Marta) – E assim permaneceram escravas até 1888, quando a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea. Por isso o pai do Clóvis não pode mais criá-las em cativeiro.


(Colega) – Mas se não se pode criá-las, de onde veio esta aqui?


(Eu) – Depois da Abolição, elas passaram a viver em pequenas comunidades isoladas chamadas de Quilostárculos. Às vezes elas saem de lá, em busca de alimentos, como possivelmente tenha acontecido com esta.


(Marta) – Mas já se sabe que algumas colmeias ainda são escravizadas, principalmente na Região Amazônica...


(Eu) – Sim... Noticiou-se que foram descobertas, no sul do Pará, Spartacus Nutrillis exercendo trabalho escravo para as abelhas amazônicas Curióticas Peladensis. Mas o IBAMA, com a ajuda da Polícia Federal, já as libertou.

Na altura dessa didática explanação, o professor Celso não se conteve e explodiu irritado:

- Calem a boca, vocês dois. Eu estou aqui me esforçando para enfiar na cabeça de vocês as coisas certas, e me veem com essas baboseiras para confundir ainda mais. Não liguem para nada do que esses dois malucos disseram...


Calamo-nos.

A "nossa" Spartacus Nutrillis, na mão da Marta.

Mas ainda ouvi sussurrada às minhas costas a voz da Miriam, uma colega adepta do Hare Krishna, referindo-se a mim:


- Isso que ele ainda nem bebeu hoje!...

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