domingo, 28 de novembro de 2010

A Guerra do Rio


O Brasil e o mundo assistem, estarrecidos, o que se passa no Rio de Janeiro.

Durante toda a semana os veículos de comunicação, especialmente os televisivos, transmitem alguns de forma ininterrupta, outros com intervenções pontuais e edições extraordinárias, a guerra que se passa em seus quintais.

Numa ação, ou melhor, reação, o estado brasileiro uniu suas forças de segurança para a retomada de territórios ocupados por traficantes e bandidos de toda a espécie.

Digo reação porque o que motivou essa operação foi o fato de os bandidos terem invadido o asfalto, incendiando carros e ônibus em protesto contra a transferência de um figurão do crime para uma penitenciária de segurança máxima no interior do Paraná.

Na minha modesta opinião essa afronta, combinada com outros fatores externos convergiram para, pela primeira vez e de forma inédita, com o perdão da redundância, colocar diversos órgãos do mesmo lado da trincheira.

Analisemos, pois.

Durante muito tempo, décadas até, o morro ficou abandonado pelo poder público. Gentes vindas de diversos lugares do Brasil em busca de uma vida melhor, expulsos de seus cantos por conta de revezes diversos, só encontraram os morros para erguerem seus barracos e abrigar os seus.

Áreas pertencentes ao estado foram ocupadas de forma irregular e clandestina e ergueram ali os seus precários abrigos, que só vieram à mídia quando a encosta desmoronava e soterrava pessoas. Era manchete com a certeza de vários pontos no Ibope para o veículo que mostrasse as imagens mais impactantes.

Os ecologistas, e com razão, apareciam e denunciavam a ocupação irregular e a destruição das matas que protegiam o morro. Mas eu pergunto o que faziam antes do morro desmoronar? Protegiam baleias e papagaios? Sou totalmente favorável a que os protejam contra a extinção. Mas sou muito mais favorável a que se proteja o ser humano contra a extinção, embora uma coisa esteja ligada à outra.

Os moradores, ou melhor, os sobreviventes, sabendo da sua situação de irregularidade, temem o estado. Vêm nele uma ameaça aos seus espaços duramente conquistados.

Numa análise psico-sociológica, área em que não me atrevo aprofundar, mas que ouso palpitar, essas gentes se sentem e assumem a sua condição de marginais. Estão à margem da lei.

Quebrada essa barreira moral, fica fácil a aceitação de uma autoridade que se impõe, igualmente consideradas marginais.

Pela ótica dos traficantes, essa situação é a ideal para estabelecerem-se nessas comunidades. A ausência do estado é suprida pela ação dos traficantes. São eles que fazem e executam as leis. São eles que socorrem os moradores, com pequenas atitudes, como o fornecimento de um botijão de gás, uma cesta básica para a família necessitada ou o socorro a uma criança doente.

Coisas que o estado não faz para eles, considerados à margem da sociedade.

Além desse aspecto sociológico, o morro é, estrategicamente, fundamental como base operacional. Dali se tem uma visão privilegiada do que se passa no asfalto lá embaixo. Dali se tem a visão da fuga, caso algo não der certo, como vimos na invasão da Cruzeiro.

E nesse ambiente, crescem as crianças.

Seus heróis não são os homens de farda. Seus heróis são aqueles que estão presentes ao seu lado. Por isso, numa reportagem de televisão, um menino, inquirido por uma repórter sobre o seu futuro, respondeu, sem pestanejar: “quero ser bandido!”. Garantia da continuidade dos quadros do crime.

Triste? Triste sim. Mas é a nossa realidade.

Agora precisamos analisar outro aspecto. Porque só agora agiram? Porque permitiram durante todo esse tempo que a população dos morros vivesse sob o domínio desse poder paralelo? Uma parte da questão, penso, foi respondida acima.

Agora o estado se move. Foi só pelos carros e ônibus incendiados? Penso que não. Já tivemos outros incidentes semelhantes no passado recente e as ações da polícia foram tópicas e ineficazes.

Temos hoje um quadro diferenciado. Politicamente diferenciado.

O Rio e o Brasil se preparam para receber os maiores eventos esportivos da terra. Os jogos olímpicos e a copa do mundo de futebol.

Os novos (novos?) governantes que ascenderam ao poder nas últimas eleições precisam mostrar ao mundo que, soberanamente dominam a situação. A área está limpa, no jargão militar. Coisa para inglês ver? Espero que não.

É preciso que o estado solidifique sua presença nessas comunidades reconquistadas para o Brasil, não só pelo meio militar e repressivo, mas principalmente com o desenvolvimento de políticas públicas que visem à inclusão social de seus habitantes: educação, saneamento, trabalho, saúde.

Eu não me engano, e não se enganem aqueles que pensam que o crime organizado foi desbaratado. O morro e a favela são apenas territorialmente uma zona de operações. Os (poucos) suspeitos presos nada mais são que soldados rasos de coisa muito maior.

Se quisermos verdadeiramente combater o crime, exterminar com ele é preciso atacar quem os sustenta. Gente que se abriga em palacetes e coberturas de luxo. Gente que se esconde atrás de um mandato, de uma toga ou de uma divisa.

Tenho dito.
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domingo, 21 de novembro de 2010

Gerineldo ou o Cusco do Juca


Compadre Juca, depois de uma longa e inexplicável ausência, finalmente apareceu.

Chegou à Torre, como sempre costuma chegar. Ao fim da tarde, carregando os baixeiros, as botas secas, cobertas de poeira vermelha, a mala de brim riscado de listras vermelhas, azuis e brancas, sobre o ombro direito.

Eu distraia-me a regar as pequenas mudas de gerânios que havia, dias antes, disposto de forma irregular, em vasos marrons na parede externa da torre.

Ao olhar para o horizonte, à oeste, assoviando a música “Entardecer”, deparei-me com o vulto a me observar, curioso, estático. Foi preciso colocar a mão sobre os olhos para reconhecê-lo, contra o sol que se despedia.

Então larguei o afazer e fui cumprimentá-lo. Ele estendeu-me a mão sem entusiasmo, olhos fixos nos gerânios, com indisfarçável esgar de reprovação.

Depois de alguns instantes, finalmente disse a frase costumeira, que esperava ouvir, mas desta vez sem entusiasmo:
- Buenas, cumpadre, vim prá pousar...

Notei imediatamente, pela entonação do cumprimento, que algo não ia bem.

Talvez o cansaço da viagem. Tentei animá-lo, e abracei-o efusivamente. – Que surpresa, compadre, há quanto tempo!... Vamos, vamos, passe prá diante!... Vou preparar o mate. Ainda tenho da erva que me trouxestes da última vez.

Ele deixou-se levar pela minha mão em seu ombro, olhando de soslaio para os gerânios como se fossem alguns animais de peçonha.

Lá dentro, como de costume, largou a mala a um canto e sentou-se no degrau da escada, enquanto eu retirava os apetrechos do armário para fazer o chimarrão. Com o canto do olho observei que ele não estava se sentindo à vontade. Bem, pensei, esclareço isso enquanto mateamos.

- Ainda sabe fazer mate, estrupício? - Rosnou de lá. É, pensei; algo não ia mesmo bem.

- Claro que sei, compadre. Um gaúcho nunca esquece. Mas por que da pergunta?

- Cumpadre tem andado esquisito nos últimos tempos.

(Eu? Esquisito? Na verdade sempre o fui, mas compadre Juca estava acostumado com isso.)

- Não estou lhe entendendo, compadre Juca. Continuo sendo o que sempre fui.

- Não. Desta feita é grave. Por primeiro fez campanha pruma china. Lugar de china é nos pelegos, dengueando seu homem, não nos gabinetes dos palácios.

Ah, começo a entender. Deve ser difícil para um homem como Juca, com a formação que teve, aceitar uma mulher no mais alto cargo da nação.

- Mas compadre, lá mesmo, no Rio Grande, teve a Ieda, uma mulher governadora.

- Pois então... Viu a bosta que deu?

Melhor não polemizar, pensei.

- E agora chego aqui e te acho acarinhando mato. Onde se viu? Te afrescalhastes? Se fosse ainda uma arve de serventia. Uma guabiroba, um guabiju, um araçá do campo...

Fiquei em silêncio e servi-lhe a cuia.

Sorveu do mate em silêncio, devagar, meditativo. Só ao me devolver a cuia retomou a palavra.

- Me adesculpe, cumpadre. Ando meio acabrunhado. Não foi pela mulher aquela que vim. Nem porque virastes fresco ou não. Tenho andado receoso com as tuas amizades. Me dá cuidado tuas prosas com aquele tal de Gilead. Não gostei do boi. Me dá gana.

- Mas que boi, vivente? Retorqui verdadeiramente surpreso.

- Aquele com nome de gente e sobrenome correntino. Onde se viu um boi macho se batizar de Gerineldo? Boi, lá em São Luis Gonzaga, no Alegrete, no Quaraí, é boi, e só!... Quando era de canga, até se permitia umas extravagâncias prá mode entender o comando da ranjeira. Mimoso, Vaqueano, Baíto. Mas qualquer boi fronteiriço se apinchava nas pedras do Salto Grande se fosse chamado de Gerineldo. De vergonha, cumpadre, de vergonha!...

Fiquei perplexo. Então o motivo de tanta indignação era, nada mais, nada menos que o nome dado pelo amigo Gilead à um terneiro Jersey de sua fazenda? Que coisa!...

- Compadre... É só um nome, compadre. Gilead é um amigo escritor. Ele poderia ter colocado qualquer nome. Tem ele o direito de homenagear quem quiser, colocando o nome em seus animais. Veja você compadre, não deu nome ao seu cavalo, seu cachorro...

-Êpa lá... Não misture as coisas. Não meta meu cusco nessa cachorrada. Além do mais ele é só Cusco. Não tem nome. Do outro lado da fronteira, as chinas chamam de “Cusco do Juca”, quando ele vai prá lá, negaciar as cadelinhas. A nado, cumpadre, a nado.

Tirou do bolso da bombacha uma fotografia amarelada pelo manuseio, e entregou-me com a recomendação:

- Mostre para esse teu amigo, cumpadre, o que é um bicho macho. E é só Cusco, cumpadre... Só Cusco.


Achei melhor não comentar. Disfarcei e fui virar a erva.


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segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Proclamação da República



A própria forma pela qual em geral nos referimos aos eventos ocorridos em 15 de novembro de 1889 - a "Proclamação da República" - já incorpora algumas idéias importantes. Em primeiro lugar, a de que ocorreu uma "proclamação". Mas o que é "proclamar"?

É apenas anunciar publicamente algo - no caso, que a Monarquia fora substituída pela República. Logo surgem outras idéias, como a de que a República no Brasil teria sido algo inevitável, uma etapa necessária da "evolução" da sociedade brasileira. Mais ainda, podemos imaginar que o fácil sucesso do golpe de Estado - que, tecnicamente, foi o que aconteceu no 15 de Novembro- seria resultado de um consenso nacional, e que os militares, os principais protagonistas do movimento, teriam atuado de forma unida e coesa.

Não é essa a visão que hoje podemos ter desses fatos. Não havia uma maioria republicana no país e nem mesmo unidade entre os militares. De fato, apenas uma pequena fração do Exército, e com características muito específicas, esteve envolvida na conspiração republicana.

O golpe de 1889 foi um momento-chave no surgimento dos militares como protagonistas no cenário político brasileiro. A República então "proclamada" sempre esteve, em alguma medida, marcada por esse sinal de nascença (ou, para muitos, pecado original). Havia muitos republicanos civis no final do Império, mas eles estiveram praticamente ausentes da conspiração. O golpe republicano foi sem dúvida militar, em sua organização e execução. No entanto, ele foi fruto da ação de apenas alguns militares. Quase não houve participação da Marinha, nem de indivíduos situados na base da hierarquia militar (as "praças", como os soldados ou sargentos). Mas isso não significa que o movimento foi promovido por oficiais situados no topo da hierarquia. Dos generais, apenas Deodoro da Fonseca esteve presente. Os oficiais superiores podiam ser contados nos dedos, e o que mais se destacou entre eles não exercia posição de comando de tropa: trata-se do tenente-coronel Benjamin Constant, professor de matemática na Escola Militar.

Quem foram, então, os militares que conspiraram pela República e se dirigiram ao Campo de Santana na manhã do dia 15 de novembro de 1889 dispostos a derrubar o Império? Basicamente, um conjunto de oficiais de patentes inferiores do Exército (alferes-alunos, tenentes e capitães) que possuíam educação superior ou "científica" obtida durante o curso da Escola Militar, então localizada na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. Na linguagem da época, a "mocidade militar".


Essa versão dos acontecimentos difere em alguns pontos importantes das opiniões disponíveis nos livros de história. Em alguns desses relatos, Deodoro aparece unindo simbolicamente todo o Exército; em outros, representando apenas os oficiais mais ligados à tropa, que eram chamados de "tarimbeiros", geralmente não tinham estudos superiores e constituíam a maior parte da oficialidade. Minha visão de Deodoro é a de um chefe militar levado ao confronto com o governo motivado pelo que imaginava ser a defesa da "honra" do Exército e por algumas particularidades da política do Rio Grande do Sul, que havia chefiado pouco tempo antes. Foi somente nas vésperas do golpe que se reuniu em torno dele um grupo muito pequeno de oficiais de patentes médias.


Todas as fontes disponíveis sobre o 15 de Novembro destacam a liderança que Benjamin Constant exercia sobre a "mocidade militar" formada na Escola Militar da Praia Vermelha, por ter sido durante muitos anos seu professor de matemática. Ele seria o "mestre", "líder", "catequizador" ou "apóstolo" desses militares. Para vários autores, principalmente os vinculados à tradição positivista, Benjamin Constant e seus jovens liderados teriam sido o principal elemento na conspiração. Minha perspectiva, no entanto, focaliza não o "líder" ou "mestre", mas seus pretensos "liderados" ou "discípulos". Quando examinamos com atenção as fontes documentais disponíveis, ao invés de assistirmos a Benjamin Constant catequizando os jovens da Escola Militar, encontramos justamente a "mocidade militar" seduzido-o e convertendo-o ao ideal republicano. Atribuo à "mocidade militar", portanto, o papel de principal protagonista da conspiração republicana no interior do Exército.


Formados pela Escola Militar da Praia Vermelha, esses jovens contavam com dois poderosos elementos de coesão social: a mentalidade "cientificista" predominante na cultura escolar e a valorização do mérito pessoal. Esses elementos culturais informaram a ação política que levou ao fim da monarquia e à instauração de um regime republicano no Brasil.


A supervalorização da ciência, ou "cientificismo", expressava-se na própria maneira pela qual os alunos se referiam informalmente à Escola Militar - "Tabernáculo da Ciência" -, deixando desde logo evidente a alta estima que tinham pelo estudo científico. É importante observar que a Escola Militar foi durante muito tempo a única escola de engenharia do Império. Como a Escola Militar não era passagem obrigatória para a ascensão na carreira militar, havia um fosso entre os oficiais nela formados e o restante (a maioria) da oficialidade do Exército, sem estudos superiores, mais ligado à vida na caserna, com a tropa.


Por outro lado, durante todo o Império, foi clara a hegemonia dos bacharéis em direito no interior da elite. Enquanto o status social dos militares era baixo, os jovens bacharéis tinham caminho aberto para cargos e funções públicas em todos os quadros administrativos e políticos do país. Os jovens "científicos" do Exército tinham que lutar para situar-se melhor dentro de uma sociedade dominada pelos bacharéis.


O republicanismo da "mocidade militar" era oriundo da valorização simbólica do mérito individual somada à cultura cientificista hegemônica entre os alunos e jovens oficiais. A "mocidade militar" era francamente republicana desde muito antes da "Questão Militar" de 1886-1887, geralmente considerada um marco da radicalização política dos militares ao final do Império. A partir de 1878, alunos da Escola Militar criaram clubes secretos republicanos e, em diversas ocasiões, cantaram ou tentaram cantar, desafiando seus superiores, a Marseillaise, o hino revolucionário francês. É notável o radicalismo de sua atuação e o fato de que, nos escritos e nas memórias dos jovens "científicos", não apareçam referências a professores ou políticos convertendo-os ao republicanismo. As referências a esse respeito levam sempre a livros por eles adquiridos e devorados e, principalmente, à influência de outros jovens "científicos" agrupados em associações e clubes de alunos.


Entre a "mocidade militar" não havia clareza a respeito de como a República vindoura seria organizada. Parece ter sido suficiente saber que se tratava da única forma "científica" de governo, aquela onde reinaria o mérito, ordenador de toda a vida social. A falta de definição a respeito de como seria a República facilitou, por um lado, a unidade de pensamento e ação da "mocidade militar" antes do golpe de 1889; por outro lado, ajudou a apressar sua fragmentação tão logo a República foi instituída.


Foi com esse espírito "científico" e republicano que a "mocidade militar" participou ativamente da conspiração que levou ao fim da monarquia no Brasil. Nesse processo, esses jovens conseguiram atrair alguns oficiais não politizados - como Benjamin Constant - e outros de perfil mais troupier, como Deodoro. Apesar de poucos, esses oficiais mais graduados foram importantes para passar à Nação e ao Exército a idéia de que representavam a "classe militar".


Fonte: www.cpdoc.fgv.br
Texto e imagens extraídos do Portal São Francisco:
http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/proclamacao-da-republica/proclamacao-da-republica-4.php

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domingo, 7 de novembro de 2010

Puxirão



Puxirão... Sim, era assim que chamavamos.
Puxirão.

Em alguns outros lugares do Brasil, se usa “mutirão”, o que é a mesma coisa.

Segundo o que dizem os dicionários é “ (Gauches-Portugues) auxílio mútuo que se dão aos vizinhos para as lides da roça, ou derrubadas de matos, colheita, raspagem da mandioca para o fabrico da farinha. O puxirão é uma reunião alegre, em que cada um leva os instrumentos que lhe pertencem para auxiliar o seu vizinho, que retribui tal auxílio com festas, bailes, comidas fartas, etc. é um procedimento que está na índole do povo. O mesmo que muxirom.”

A Wikipédia diz que é “(termo de origem tupi de etimologia obscura) é o nome dado no Brasil a mobilizações coletivas para lograr um fim, baseando-se na ajuda mútua prestada gratuitamente. É uma expressão usada originalmente para o trabalho no campo ou na construção civil de casas populares, em que todos são beneficiários e, concomitantemente, prestam auxílio, num sistema de rodízio.

Atualmente, por extensão de sentido, "mutirão" pode designar qualquer iniciativa coletiva para a execução de um serviço não remunerado, como um mutirão para a pintura da escola do bairro, limpeza de um parque e outros.

Para nós, guris da roça, era “Puxirão”.

Se originava de várias formas. Por iniciativa do dono da roça, que, ajudara outros em outros puxirões, ou por iniciativa de algum vizinho que, percebendo a dificuldade momentânea de um amigo, por causa de doença ou outra desgraça, convocava os amigos para ajudar àquele a tirar a roça do mato.

Era sempre uma festa. Já de madrugada chegavam os primeiros roceiros. Alguns faziam uma fogueira no pátio, cantavam o Chico Mineiro e coavam o café na pixorra de lata de óleo Primor. Outros traziam a erva e a cuia para o mate.

Alguns passavam a lima na enchada ou na foice, sentados no travesseiro do lenheiro.

Logo iam par o eito. O morro mudava de cor como se houvesse um fogo a queimá-lo, desde baixo até descambar do outro lado, deixando pequenos pontos verdes enfileirados a balançar ao vento. Milho, feijão, cana.

Pelo meio da manhã, chegavam as mulheres e as moças. Algumas também iam para a roça, ajudar na lida, mas a grande maioria ia para a cozinha e para as panelas. Algumas iam ao galinheiro escolher as penosas mais gordas. Outras preparavam o arroz no panelão de três pernas na trempe do fogo de chão.

Lá no eito, se cantava. Um que outro, por alguma desavença havida no passado, procurava ficar pelas beiras, bem longes um do outro para evitar algum enroscar de foice. As moças chegadas, ombreavam ao lado do pretendente num esforço de demonstrar serventia. Os mais arredios aos calos, buscavam água na sanga.

Mas o eito andava. A roça ficava limpa lá pelas duas horas da tarde. Então se voltava para casa. O almoço estava pronto.

Depois da purinha e da bóia, alguém tirava do saco a viola ou a gaita, e se arranjavam casamentos ou divórcios.

Até um outro puxirão, na vizinhança.

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