Tenho saudade do meu tempo.
A vida era dura e cruel.
Cotizávamos moedas para comprar pão. Economizamos fósforos para acender uma fogueira de gravetos. Bombas explodiam mais adiante, trazendo para nós um cheiro ocre.
Tínhamos ideal e lutávamos por ele...
Primeiro foi pela anistia, para que brasileiros pudessem voltar à sua terra, ao seio de suas famílias... Queríamos de volta Miguel Arraes, Leonel Brizola, Henfil, Vandré, Bona Garcia.
Apanhávamos pelas ruas e nos campus das universidades... Mas nem doía. O lanho e as chagas dos cassetetes eram, para nós, medalhas de honra.
Lembro bem do Kiko, menino secundarista , rosto infantil, poeta e seiótico. Isso mesmo. Desenhava seios à ponta de lápis. Eram lindos os seus desenhos.
Pois uma noite ele chegou ao nosso refúgio todo machucado e chorando. Tinha apanhado da polícia na frente do colégio por estar desenhando e distribuindo panfletos pela anistia. Tratamos logo de curar suas feridas, mas ele não parava de chorar... E então, entre soluços, ele desabafou: “Aqueles macacos rasgaram os seios mais lindos que já desenhei”...
Tempos depois Kiko foi metralhado quando pichava um muro com a frase “ Fora Videla” referindo-se à visita do então ditador argentino ao nosso pais. Os jornais do dia seguinte anunciaram... “Bandido morto em tentativa de assalto.” Bandido, o Kiko? Era um menino meigo, uma criança, um idealista.
Descobrimos depois que fomos traídos por um companheiro. Ele condenou o Kiko à morte.
Hoje esse traidor vive de esmolas, e se depender de mim, morre de fome.
Todo esse preâmbulo para dizer que não vejo nos jovens de hoje nenhuma gana. Não têm ideais, não pensam além do seu próprio umbigo.
E se algum generalzinho de pijama, tipo um que conheço se sentir ofendido, eu lhe acuso: vocês assassinaram uma geração.
Mas não nos destruíram...
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