sábado, 25 de outubro de 2008

A M´Boitatá

Buenas... Tem bóia?... Vim prá pousar!
Quê puxa, baita mormaço. Até nem aquente a água pro mate, desta feita. Calorão!...
Ai do campeiro que se pegar longe do rancho, pastoreando. Hoje é noite da Boitatá. Já vistes uma?... Já?.. Então... Mas garanto que não sabes como ela nasceu. Pois lhes conto:





I
FOI ASSIM:
num tempo muito antigo, muito, houve uma noite tão comprida que pareceu que nunca mais haveria luz do dia.
Noite escura como breu, sem lume no céu, sem vento, sem serenada e sem rumores, sem cheiro dos pastos maduros nem das flores da mataria.
Os homens viveram abichornados, na tristeza dura; e porque churrasco não havia, não mais sopravam labaredas nos fogões e passavam comendo canjica insossa; os borra­lhos estavam se apagando e era preciso poupar os tições...
Os olhos andavam tão enfarados da noite, que ficavam parados, horas e horas, olhando, sem ver as brasas vermelhas do nhanduvai... as brasas somente, porque as faíscas, que alegram, não saltavam, por falta do sopro forte de bocas contentes.
Naquela escuridão fechada nenhum tapejara seria capaz de cruzar pelos trilhos do campo, nenhum flete crioulo teria faro nem ouvido nem vista para bater na querência; até nem sorro daria no seu próprio rastro!
E a noite velha ia andando... ia andando...

II
Minto:
no meio do escuro e do silêncio morto, de vez em quando, ora duma banda ora doutra, de vez em quando uma cantiga forte, de bicho vivente, furava o ar; era o téu-téu ativo, que não dormia desde o entrar do último sol e que vigiava sempre, esperando a volta do sol novo, que devia vir e que tardava tanto já…
Só o téu-téu de vez em quando cantava; o seu - quero-quero! - tão claro, vindo de lá do fundo da escuridão, ia agüentando a esperança dos homens, amontoados no redor avermelhado das brasas.
Fora disto, tudo o mais era silêncio; e de movimento, então, nem nada.

III
Minto:
na última tarde em que houve sol, quando o sol ia descambando para o outro lado das coxilhas, rumo do minuano, e de onde sobe a estrela-d'alva, nessa última tarde também desabou uma chuvarada tremenda; foi uma manga d'água que levou um tempão a cair, e durou… e durou...
Os campos foram inundados; as lagoas subiram e se largaram em fitas coleando pelos tacuruzais e banhados, que se juntaram, todos num; os passos cresceram e todo aquele peso d'água correu para as sangas e das sangas para os arroios, que ficaram bufando, campo fora, campo fora, afogando as canhadas, batendo no lombo das coxilhas. E nessas coroas é que ficou sendo o paradouro da animalada, tudo misturado, no assombro. E era terneiros e pumas, tourada e potrilhos, perdizes e guaraxains, tudo amigo, de puro medo. E então!...
Nas copas dos butiás vinham encostar-se bolos de formigas; as cobras se enroscavam na enrediça dos aguapés; e nas estivas do santa-fé e das tiriricas, boiavam os ratões e outros miúdos.
E, como a água encheu todas as tocas, entrou também na da cobra-grande, a - boiguaçu - que, havia já muitas mãos de luas, dormia quieta, entanguida. Ela então acordou-se e saiu, rabeando.
Começou depois a mortandade dos bichos e a boiguaçu pegou a comer as carniças. Mas só comia os olhos e nada, nada mais.
A água foi baixando, a carniça foi cada vez engrossando, e a cada hora mais olhos a cobra-grande comia.

IV
Cada bicho guarda no corpo o sumo do que comeu.
A tambeira que só come trevo maduro dá no leite o cheiro do milho verde; o cerdo que come carne de bagual nem alqueires de mandioca o limpam bem; e o socó tristonho e o biguá matreiro até no sangue têm cheiro de pescado. Assim também, nos homens, que até sem comer nada, dão nos olhos a cor de seus arrancos. O homem de olhos limpos guapo e mão-aberta; cuidado com os vermelhos; mais cuidados ­com os amarelos; e, toma tenência doble com os raiados e baços!…
Assim foi também, mas doutro jeito, com a boiguaçu, que tantos olhos comeu.

V
Todos - tantos, tantos! que a cobra-grande comeu -, levam, entranhado e luzindo, um rastilho da última luz que eles viram do último sol, antes da noite grande que caiu...
E os olhos - tantos, tantos! - com um pingo de luz cada um, foram sendo devorados; no principio um punhado, ao depois uma porção, depois um bocadão, depois, como uma braçada…

VI
E vai,
como a boiguaçu não tinha pêlos como o boi, nem escamas como o dourado, nem penas como o avestruz, nem casca como o tatu, nem couro grosso como a anta, vai, o seu corpo foi ficando transparente, transparente, clareado pelos miles de luzezinhas, dos tantos olhos que foram esmagados dentro dele, deixando cada qual sua pequena réstia de luz. E vai, afinal, a boiguaçu toda já era uma luzerna, um clarão sem chamas, já era um fogaréu azulado, de luz amarela e triste e fria, saída dos olhos, que fora guardada neles, quando ainda estavam vivos…

VII
Foi assim e foi por isso que os homens, quando pela vez primeira viram a boiguaçu tão demudada, não a conheceram mais. Não conheceram e julgando que era outra, muito outra, chamam-na desde então, de boitatá, cobra de fogo, boitatá, a boitatá!
E muitas vezes a boitatá rondou as rancherias, faminta, sempre que nem chimarrão. Era então que o téu-téu cantava, como bombeiro.
E os homens, por curiosos, olhavam pasmados, para aquele grande corpo de serpente, transparente - tatá, de fogo - que media mais braças que três laços de conta e ia alumiando baçamente as carquejas... E depois, choravam. Choravam, desatinados do perigo, pois as suas lágrimas também guardavam tanta ou mais luz que só os olhos e a boitatá ainda cobiçava os olhos vivos dos homens, que já os das carniças a enfaravam...

VIII
Mas, como dizia:
na escuridão só avultava o clarão baço do corpo da boitatá, e era por ela que o téu-téu cantava de vigia, em todos os flancos da noite.
Passado um tempo, a boitatá morreu; de pura fraqueza morreu, porque os olhos comidos encheram-lhe o corpo mas não lhe deram sustância, pois que sustância não tem a luz que os olhos em si entranhados tiveram quando vivos…
Depois de rebolar-se rabiosa nos montes de carniça, sobre os couros pelados, sobre as carnes desfeitas, sobre as cabelamas soltas, sobre as ossamentas desparramadas, o corpo dela desmanchou-se, também como cousa da terra, que se estraga de vez.
E foi então, que a luz que estava presa se desatou por aí. E até pareceu cousa mandada: o sol apareceu de novo!

IX
Minto:
apareceu sim, mas não veio de supetão. Primeiro foi-se adelgaçando o negrume, foram despontando as estrelas; e estas se foram sumindo no cobreado do céu; depois foi sendo mais claro, mais claro, e logo, na lonjura, começou a subir uma lista de luz… depois a metade de uma cambota de fogo… e já foi o sol que subiu, subiu, subiu, até vir a pino e descambar, como dantes, e desta feita, para igualar o dia e a noite, em metades, para sempre.

X
Tudo o que morre no mundo se junta à semente de onde nasceu, para nascer de novo: só a luz da boitatá ficou sozinha, nunca mais se juntou com a outra luz de que saiu.
Anda sempre arisca e só, nos lugares onde quanta mais carniça houve, mais se infesta. E no inverno, de entanguida, não aparece e dorme, talvez entocada.
Mas de verão, depois da quentura dos mormaços, começa então o seu fadário.
A boitatá, toda enroscada, como uma bola - tatá, de fogo! - empeça a correr o campo, coxilha abaixo, lomba acima, até que horas da noite!...
É um fogo amarelo azulado, que não queima a macega seca nem aquenta a água dos manantiais; e rola, gira, corre, corcoveia e se despenca e arrebenta-se, apagando... e quando um menos espera, aparece, outra vez, do mesmo jeito!
Maldito! Tesconjuro!

XI
Quem encontra a boitatá pode até ficar cego... Quando alguém topa com ela só tem dois meios de se livrar: ou ficar parado, muito quieto, de olhos fechados apertados e sem respirar, até ir-se ela embora, ou, se anda a cavalo, desenrodilhar o laço, fazer uma armada grande e atirar-lha em cima, e tocar a galope, trazendo o laço de arrasto, todo solto, até a ilhapa!
A boitatá vem acompanhando o ferro da argola... mas de repente, batendo numa macega, toda se desmancha, e vai esfarinhando a luz, para emulitar-se de novo, com vagar, na aragem que ajuda.

XII
Campeiro precatado! reponte o seu gado da querência da boitatá: o pastiçal, aí, faz peste...
Tenho visto!

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Esta lenda, contada por Juca, foi resgatada por João Simões Lopes Neto, em “Lendas do Sul”, obra publicada em 1913.

João Simões Lopes Neto foi, segundo estudiosos e críticos de literatura, o maior escritor regionalista do Rio Grande do Sul. Nasceu em Pelotas, em 9 de março de 1865, filho de família abastada da região.
Publicou apenas três livros em sua vida: Cancioneiro Guasca (1910), Contos Gauchescos (1912), e Lendas do Sul (1913).
Morreu em 14 de junho de 1916, em Pelotas, aos cinqüenta e um anos, de uma úlcera perfurada.
Sua literatura ultrapassou fronteiras e hoje pertence à literatura universal, tendo sido traduzido para diversas línguas.



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Eu vi uma Boitatá. Corria o ano de 1963 ou 64, não lembro bem. Morávamos nos fundos de uma fazenda, um pequeno pedaço de terras cedido pelo meu avô materno. Ainda lá, mais no fundo havia um alagadiço, banhado – como chamávamos, onde se plantava arroz. Um pequeno riacho, de águas mansas, quase paradas, alimentava lentamente as valas que irrigavam o arrozal.

Numa noite quente, abafada, fomos, eu e um irmão mais velho pescar bagres nesse riacho, poucos metros dele se bifurcar em pequenas valas e alagar a lavoura de arroz.

Havíamos pescado alguns pequenos peixes redondos e lisos, que enfiávamos pela guerla numa forquilha de vara fina.

Ela surgiu ao lado do meu irmão que pescava a uns 5 metros abaixo de onde eu estava. Eu ouvi um pequeno barulho abafado e ela estava lá, no meio do riacho, mais próximo da margem de onde estava meu irmão, como uma cobra verdadeiramente, amarela azulada, primeiro apontando para o céu, depois pareceu rastejar sobre a água. Fiquei petrificado de medo, paralisado.

Ao contrário, meu irmão debandou para o lado da casa e ela o seguiu de perto, quase tocando em seus calcanhares. Ainda lembro quando dobraram por detrás de uma corticeira – marrequinha – e desapareceram numa ponta de mato de guamirim.

Não me lembro de ter voltado para casa. Mais tarde soube que os adultos tinham vindo me resgatar, diante do escarcéu que meu irmão havia feito ao chegar à casa. Ele ficou gago por uns tempos. Depois sarou.

Alguns anos mais tarde, quando eu já estava na cidade estudando, vim a desvendar a assombração, e entender que se tratava de um fogo fátuo.
A explicação é que são produtos da combustão do gás metano gerados pela decomposição de substâncias orgânicas encontradas em cemitérios, pântanos, brejos, etc., ou a fosforescência natural dos sais de cálcio presentes nos ossos enterrados.
Muitos que avistam o fenômeno tendem a evacuar o local rapidamente, o que, devido ao deslocamento do ar, faz com que o fogo fátuo mova-se na mesma direção da pessoa. Tal fato leva muitos a crer que o fenômeno se trata de um evento sobrenatural, tais como espíritos, fantasmas, dentre outros.
Quando um corpo orgânico começa a entrar em putrefação, ocorre a emissão do gás metano (CH4). O metano, em condições especiais de pressão e temperatura, em local não ventilado, começa a sair do solo e se misturar com o oxigênio do ar. Em uma porcentagem de aproximadamente 28%, o metano se inflama espontaneamente, sem necessidade de uma faísca. Forma uma chama azulada, de curta duração, gerando um pequeno ruído. Se a pessoa estiver perto e sair correndo, devido ao deslocamento do ar a chama "irá atrás.

Isso explica também o motivo de se jogar o laço em direção a ela e galopar arrastando-o. Ao arrastá-lo a argola do laço enrosca nas macegas e vassouras do caminho, movimentando-as e conseqüentemente movimentando o ar ao seu redor, enganando a cobra de fogo, que se dissipa fragmentada pelo movimento ou pelo esgotamento do gás, combustível que a mantinha acesa.
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Sinceramente, gostaria de não ter aprendido isso. Gostaria de ter ainda o mesmo medo ingênuo dos campeiros simples.

Abraço a todos que vierem à Torre.
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domingo, 19 de outubro de 2008

O Novo Acordo Ortográfico



O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva assinou no dia 29 de Setembro de 2008, o decreto que estabelece o cronograma para a vigência do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. O acordo entrará em vigor em janeiro de 2009, mas as normas ortográficas do Brasil e de Portugal poderão e continuarão sendo usadas até dezembro de 2012 nos exames escolares, concursos públicos e em vestibulares.
O acordo previa 20 bases de mudanças e busca unificar a escrita nos oito países que falam português: Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Timor Leste, Portugal e Brasil
As regras ortográficas que constam no acordo serão obrigatórias inicialmente em documentos dos governos. Nas escolas, o prazo será maior, devido ao cronograma de compras de livros didáticos pelo Ministério da Educação.
As mudanças mais significativas alteram a acentuação de algumas palavras, extingue o uso do trema e sistematiza a utilização do hífen. No Brasil, as alterações atingem aproximadamente 0,5% das palavras. Nos demais países, que adotam a ortografia de Portugal, o percentual é de 1,6%.
O acordo incorpora tanto características da ortografia utilizada por Portugal quanto a brasileira. O trema, que já foi suprimido na escrita dos portugueses, desaparece de vez também no Brasil. Palavras como "lingüiça" e "tranqüilo" passarão a ser grafadas sem o sinal gráfico sobre a letra "u". A exceção são nomes estrangeiros e seus derivados, como "Müller" e "Hübner".
Seguindo o exemplo de Portugal, paroxítonas com ditongos abertos "ei" e "oi" --como "idéia", "heróico" e "assembléia"-- deixam de levar o acento agudo. O mesmo ocorre com o "i" e o "u" precedidos de ditongos abertos, como em "feiúra". Também deixa de existir o acento circunflexo em paroxítonas com duplos "e" ou "o", em formas verbais como "vôo", "dêem" e "vêem".
Os portugueses não tiveram mudanças na forma como acentuam as palavras, mas na forma como escrevem algumas delas. As chamadas consoantes mudas, que não são pronunciadas na fala, serão abolidas da escrita. É o exemplo de palavras como "objecto" e "adopção", nas quais as letras "c" e "p" não são pronunciadas.
Com o acordo, o alfabeto passa a ter 26 letras, com a inclusão de "k", "y" e "w". A utilização dessas letras permanece restrita a palavras de origem estrangeira e seus derivados, como "kafka" e "kafkiano".
A unificação na ortografia não será total. Como privilegiou mais critérios fonéticos (pronúncia) em lugar de etimológicos (origem), para algumas palavras será permitida a dupla grafia.
Isso ocorre em algumas palavras proparoxítonas e, predominantemente, em paroxítonas cuja entonação entre brasileiros e portugueses é diferente, com inflexão mais aberta ou fechada. Enquanto no Brasil as palavras são acentuadas com o acento circunflexo, em Portugal utiliza-se o acento agudo. Ambas as grafias serão aceitas, como em "fenômeno" ou "fenómeno", "tênis" e "ténis".
A regra valerá ainda para algumas oxítonas. Palavras como "caratê" e "crochê" também poderão ser escritas "caraté" e "croché".
As regras de utilização do hífen também ganharam nova sistematização. O objetivo das mudanças é simplificar a utilização do sinal gráfico, cujas regras estão entre as mais complexas da norma ortográfica.
O sinal será abolido em palavras compostas em que o prefixo termina em vogal e o segundo elemento também começa com outra vogal, como em aeroespacial (aero + espacial) e extraescolar (extra + escolar).
Já quando o primeiro elemento finalizar com uma vogal igual à do segundo elemento, o hífen deverá ser utilizado, como nas palavras "micro-ondas" e "anti-inflamatório".
Essa regra acaba modificando a grafia dessas palavras no Brasil, onde essas palavras eram escritas unidas, pois a regra de utilização do hífen era determinada pelo prefixo.
A partir da reforma, nos casos em que a primeira palavra terminar em vogal e a segunda começar por "r" ou "s", essas letras deverão ser duplicadas, como na conjunção "anti" + "semita": "antissemita".
A exceção é quando o primeiro elemento terminar em "r" e o segundo elemento começar com a mesma letra. Nesse caso, a palavra deverá ser grafada com hífen, como em "hiper-requintado" e "inter-racial".
A aplicação do novo acordo ortográfico, entretanto, não é consenso como podemos ler abaixo:

Argumentos a favor
- aproximação da oralidade à escrita
- atualmente a Língua Portuguesa é a única que tem duas grafias oficiais
- simplicidade de ensino e aprendizagem
- unificação de todos os países de língua oficial portuguesa
- fortalecimento da cooperação educacional dos países da CPLP
- evolução da língua portuguesa
- pequena quantidade de vocábulos alterados (1,6% em Portugal e 0,45% no Brasil)
- o português é o 5º idioma mais falado no mundo e o 3º no mundo Ocidental. A unificação das grafias permite aumentar, ou pelo menos manter a força da Língua Portuguesa no panorama mundial.

Argumentos contra
- evolução não natural da língua
- tentar resolver um “não-problema”, uma vez que as variantes escritas da língua são perfeitamente compreensíveis por todos os leitores de todos os países da CPLP
- desrespeito pela etimologia das palavras
- a não correspondência da escrita à oralidade. Por exemplo, existem consoantes cuja função é abrir vogais, mas que o novo acordo considera mudas nomeadamente em teto, passando a escrever-se teto, dever-se-ia ler como teto (de seio)?
- processo dispendioso (revisão e nova publicação de todas as obras escritas, os materiais didáticos e dicionários tornar-se-ão obsoletos, reaprendizagem por parte de um grande número de pessoas, inclusive crianças que estão agora a dar os primeiros passos na escrita)
- o fato de não haver acordo, facilita o dinamismo da língua, permitindo cada país divergir e evoluir naturalmente, pelas próprias pressões evolutivas dos diferentes contextos geo-sócio-culturais como no caso do Inglês ou do Castelhano
- afeto com a grafia atual
- falta de consulta de lingüistas e estudo do impacto das alterações.
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A mim, parece ter faltado maior discussão e divulgação. Não encontrei em parte alguma, notícias de debate acadêmico ou um posicionamento da Academia Brasileira de Letras, salvo artigos individuais e esparsos. ( http://www.academia.org.br/ )
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Buenas, compadre. Tem bóia? Vim prá pousar.

Me representa, assim de relancina, que estás meio abichornado! Reparei nos olhos. É por causa das letras de que falastes ali em riba? Não?... Ficas aí espremendo os miolos com coisa sem importância. Pra mim isso é de somenos. Não conheço a maioria delas...

Algum cambicho mal resolvido? Não é bem isso também?... Então... Dor de cambicho é maleva. Mas tem males maior. Tu não sabes por que nunca fostes da lida. Se fosses campeiro saberias o quanto dói quando montamos mal aprumado e sentamos em cima de um ovo de encontro com a cabeça dos arreios... Como?... Não pode falar “ovo”?... Não?... Bago, então... Também não pode?... Cojones!!!...

Ainda tens da erva que trouxe? Dá para mais uma encilha? Te pare por aí mesmo, remoendo os pensamentos, que hoje eu faço os preparos do mate.

Modo de fazer:
Esquente a água. Quando a chaleira começar a tremer ou chiar apague o fogo. Obs: se a água esquentar demais queima a erva e o chimarrão não fica bom e você também pode queimar a boca.
Cevando o mate (termo gaúcho para o preparo do chimarrão):
- Despeje a erva na cuia até cobrir o pescoço.
- Tampe a cuia com o aparador.
- Tombe a cuia de lado e agite na horizontal para situar a erva no lugar certo.
- Levante a cuia mais ou menos 45 graus.
- Retire o aparador devagar e veja se a erva ficou bem posicionada.
- Derrame devagar o copo com a água morna pela parede da cuia. Obs: Não utilize água quente pois estraga a erva.
- Segure a bomba e tampe o bocal com o dedão.
- Coloque a parte de trás da bomba contra a parede de erva.
- Introduza a bomba até o fundo.
- Ainda com o bocal tampado gire a bomba no sentido anti-horário mais ou menos 90 graus até que a bomba se posicione em linha reta.
- Retire o dedão do bocal.
- Puxe a primeira água com a boca e descarte (a primeira nunca é boa)



sábado, 11 de outubro de 2008

Buraco Negro



Nada existe.

A Torre é uma abstração. Tudo é abstrato. Não; o abstrato também é uma abstração.

Quasímodo não existe, nem Victor Hugo, nem Juca nem o Rio Grande. Nem quem os criou numa blogosfera inexistente.

Não existem o céu e a terra, o paraíso ou o inferno, nem seres vivos ou mortos, nem mesmo lembranças no dia de finados, pois que memórias não existem, nem calendários.

Não há o espaço nem o tempo, nem mesmo o que gastei escrevendo estas besteiras, pois besteiras não existem, nem filosofias, nem metafísicas, metas ou físicas.

Nada existe.

Não existe a felicidade, a dor e a fratura exposta.

Não existe a História a resgatar coisas inexistentes.

Nunca existiu prata em Potosi ou carvão em Criciúma, nem mineiros soterrados ou pulmões fibrosos de pó.

Nenhuma criança guarani foi espetada na espada.

Nunca existiram operários grevistas ou capitalistas de charuto suicidando-se pela quebra da bolsa. Não... Nada existiu. Nem as mulheres queimadas vivas na fábrica ocupada.

Nunca houve nada por que lutar ou morrer. Nem John Lennon, nem o franco Francisco, nem La Pasionaria, nem Marselhesa, nem a Comuna de Paris.

Não existiram homens como Moisés, Jesus Cristo, Sidarta Gautama, Gengis Kan, Hiltler, Mussolini, Stálin, Lenin, Pol Pot, Mao, Trotski, Ernest Guevara, Bandido da Luz Vermelha ou o português da padaria... Fernando Pessoa... Nem poesia.

Nunca existiram Gulags, nem Auscwitz...

Não existe a consciência nem o conhecimento. Só existe o vazio e o nada.

Não. Nada existe.

Nem o mundo, nem o buraco negro.

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Amanhã eu vou para o mato. Lá tem passarinhos e aranhas.
(Se houver amanhã.)

domingo, 5 de outubro de 2008

Erva Mate e Chimarrão

A postagem anterior, principalmente a letra da música "Um Mate Por Ti", gerou diversas consultas ao Anfitrião da Torre sobre essa tradição. Essas consultas motivaram a que hoje publicássemos esta página exclusivamente dedicada ao assunto.

Digo "publicássemos" pois que Juca Melena trará a sua contribuição singular para o melhor entendimento do tema.

A Erva-mate (Ilex paraguariensis) é uma árvore da família das aquifoliáceas, originário da região subtropical da América do Sul, presente no sul do Brasil, norte da Argentina, Parguai e Uruguai. Os indígenas das nações Guarani e Quíchua tinham o hábito de beber infusões com suas folhas. Hoje em dia este hábito continua popular nestas regiões, consumido como chá quente ou gelado, ou como chimarrão (Brasil - principalmente Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná), Uruguai e Argentina e tereré (Brasil (especialmente Paranã e Mato Grosso do Sul) e Paraguai.

Pode atingir 12 metros de altura, tem caule cinza, folhas ovais e fruto pequeno e verde ou vermelho-arroxeado. As folhas da erva-mate são aproveitadas na culinária.

A palavra mate deriva do quíchua mati que designa a Cuia ou seja, o recipiente onde o chá era bebido ou sorvido por um canudo (bomba). O hábito ainda hoje é muito popular em todo o sul da América do Sul, e no Brasil a bebida é chamada de Chimarrão.

As plantas nativas só se reproduziam por meio de pássaros da região que ingeriam o pequeno fruto e defecavam sua semente já escarificada. A plântula é muito sensível ao sol tanto que, mesmo no plantio moderno a técnica exige sombreamento até que a planta atinja alguma maturidade.

Atualmente existem viveiros que produzem mudas de variedades selecionadas, cujo plantio é feito com técnicas especiais em grandes hortos. Para facilitar a colheita anual dos ramos, a árvore é severamente podada para manter-se a não mais de 3,00 metros de altura. Dessa forma evita-se plantas altas que dificultam a colheita das folhas jovens, consideradas nobres na infusão do chá mate.

Outra prática bastante popular no planalto curitibano, um habitát original da erva-mate, é conciliar o plantio da Araucária com o do mate. Técnicas como essa são comuns para um controle ambiental mais rígido, e para evitar o desgaste do solo.

Propriedades:

Estudos detectaram a presença de muitas vitaminas, como as do complexo B, a vitamina C e a vitamina D, e sais minerais, como cálcio, manganês e potássio. Combate os radicais livres.Auxilia na digestão e produz efeitos anti-reumático, diurético, estimulante e laxante.Não é indicado para pessoas que sofrem de insônia e nervosismo, pois é estimulante natural.Pode ser usada verde ou tostada e no preparo de chás e chimarrão.Misturada com extrato de maracuja pode ser usada como bebida quente ou gelada.Misturada com suco de limão natural e bem gelado, torna-se uma bebida muito refrescante para os dias quentes e também nos dias frios.Nos dias frios ou quentes, pode ser apreciada em um chimarrão.

Nomes Populares:

Mate, erva-mate, erveira, congonha, erva, erva-verdadeira, erva-congonha, chá-mate, chá-do-paraguai, chá-dos-jesuítas, chá-das-missões, mate-do-paraguai, chá-argentino, chá-do-brasil, congonha, congonha-das-missões, congonheira, mate-legítimo, mate-verdadeiro, chimarrão, terere, chá verde nacional.Outras denominações menos comuns são: erva-de-são bartolomeu, cu-de-boi, orelha-de-burro, chá-do-paraná, congonha-de-mato-grosso, congonha-genuína, congonha-mansa, congonha-verdadeira, erva-senhorita. Denominações indígenas para a erva-mate são caá, caá-caati, caá-emi, caá-ete, caá-meriduvi e caá-ti.Em outros idiomas temos: Yerba maté ou maté tea (inglês), maté vert (francês), yerba mate (espanhol), malté (italiano), Matetee ou Mate paraguaensis (alemão), mate-tchá (japonês), mateo (esperanto).




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Buenas, compadre. Tem bóia?... Vim prá pousar.

Hoje te trouxe umas cevas, da boa, lá da Palmeira. Da outra feita, quando por aqui me arrachei, andavas nas economias. Era falta de plata, compadre?... Não?... Então. Pensei que fosse. Por isso vim prevenido. Queres causos do mate?... Da erva?... Pois conto.

Quando o tempo desenha com sua pena o ano de 1554, o General Irala, boleou a perna na região de Guairá, situada à oeste do atual território do Paraná e encontrou lá uma tribo de guaranis pacíficos e hospitaleiros. Um dos hábitos destes indígenas lhe despertou muita curiosidade. Tratava-se do uso generalizado de uma bebida feita de folhas picotadas, tomadas dentro de um porongo, por intermédio de um canudo de taquara. Ao indagar sobre a origem daquela bebida, responderam os índios tratar-se da "caá-i", um hábito que teria sido inicialmente de uso exclusivo dos pajés em suas práticas de magia, mas que foi estendido aos outros guerreiros, em virtude de seus diversos benefícios.

E, mesmo depois do término das guerras, o seu uso continuou, pois seus efeitos estimulantes, fortaleciam tanto o corpo quanto a alma.

"Caá" era o nome da ervateira e a "caá-i" era a bebida do mate. Esta bebida nativa foi um estrondoso sucesso entre os soldados de Irala. E, quando retornaram a Assunção, levaram um carregamento da erva para apresentá-la aos amigos.

Esta bebida impressionou tanto os espanhóis por sua natureza curativa e revitalizante, que despertou o interesse dos comerciantes de Assunção que visavam antes de tudo, o lucro financeiro. Foi uma correria doida até os ervais e em pouco tempo, a cidade duplicou de tamanho e sua população de riqueza. Entretanto, tal consumo foi condenado pela Igreja Católica, em plena Inquisição, em função dos índios lhe atribuírem poderes mágicos que apontavam sua origem à deuses pagãos. Mas tal proibição, acompanhada de multas, prisão e queima da erva, não impediu que o hábito se disseminasse.



O MATE NO RIO GRANDE DO SUL

Se os soldados de Irala estivessem se dirigido para o atual Rio Grande do Sul e não para Guairá, aqui, teria ocorrido a descoberta do uso do mate pelos europeus.Um expressivo número de tribos guaranis viviam ao longo dos Rios Ijuí, Jacuí e Camaquã. Para a colheita da erva mate, eram empreendidas expedições à serraria vizinha da Lagoa dos Patos, no vale do Rio Pardo e nos descampados do Planalto.

Acredita-se que os carijós, no litoral, assim como os guenoas da Campanha, também fossem apreciadores de um gostoso mate, mas inexistindo nestas redondezas, bosques de "caá", este hábito somente poderia ser mantido por intercâmbio com os guaranis. "Sem esta erva", testemunhou o Pe. Nusdorffer, no século XVII, "o índio não pode viver".

Enquanto os índios do Guairá empreendiam suas viagens aos ervais subindo o Paraná em grandes embarcações, os ervateiros das Missões rio-grandenses iam montados a cavalo, levando uma boa provisão da erva, além de quinhentas a mil reses, para seu sustento naquela viagem de cento e tantas léguas. E, depois de cumprida a tarefa, retornavam eles, acompanhados por toda a população, procuravam a Igreja para agradecer o sucesso do empreendimento.

Os ervais missioneiros faziam parte do Tupambae, um campo comum, cujos produtos adviriam em proveito da coletividade. "Cada dia, depois de ouvirem a missa e igualmente depois do rosário que se reza pela tarde, os que acudiram ao templo vão receber o mate, uma onça e meia pelo menos para cada pessoa, o qual lhe dá o mordomo em presença do cura e do corregedor.

Aos que estão ocupados em serviço público, seja em ofícios, seja fora no campo, envia-lhes a quantidade de mate que parece proporcionada ao número de trabalhadores. Igualmente é preciso prover de erva aos que cuidam do gado nas estâncias e nas pastagens; e se alguns índios são enviados de viagem, não há de faltar nunca este artigo em suas provisões".

Quando do Tratado de Madri de 1750 e da sua subseqüente Guerra Guaranítica, o uso do mate já tinha se tornado costume entre os dragões e demais soldados dos quartéis do Rio Grande e Rio Pardo. Depois da Guerra Guaranítica efetuou-se a expulsão da Companhia de Jesus dos territórios europeus e coloniais de Portugal e da Espanha. Deste modo, os Trinta Povos das Missões de Guaranis perderam a unidade, subdividindo-se em quatro grandes províncias. Cada povo passou a ser gerido por uma espécie de administração mista, a cargo de um vigário e de um comandante militar.

Em 1801, como reflexo de nova guerra na Europa, um grupo de aventureiros rio-grandenses pratica a extraordinária façanha de incorporar para o Brasil a região dos Sete Povos. A partir dessa incorporação, normalizou o fornecimento da erva missioneira para a Capitania do Rio Grande do Sul, já sem burlas "aduanas"ou pagar direitos alfandegários, pois tudo agora era Brasil. Por volta de 1820 o hábito do chimarrão já se enraizara definitivamente nas cidades e nos campos da Capitania.

O grande papel que desempenhou a erva-mate na sociedade gaúcha pode der avaliado por sua presença dentre os símbolos nacionais farroupilhas. No brasão da República já encontrávamos ramos de erva-mate contornando o barrete frígio e perdura até hoje no brasão e na bandeira do Estado do Rio Grande do Sul.

Nos dias frios, os índios tomavam o chimarrão e nas estações cálidas bebiam a cada instante o tereré, mistura de erva-mate e água fria.


"Não é a luz bem nascida

Já eu junto do fogão

Me preparo para a lida

Tomando o meu chimarrão.

É ele o constante amigo

Que vem logo ter comigo

De dia ao primeiro alvor.

Da mente as névoas consome,

Mata a sede, ilude a fome

E a todo ser dá vigor."

(Assis Brasil)








VERSÃO INDÍGENA

Há muitos e muitos anos, no tempo dos Tapes, uma grande tribo de fala guarani estava de partida.

Precisavam encontrar um outro lugar para morar onde a caça fosse farta e a terra fértil.

Lentamente os índios foram deixando a aldeia onde haviam vivido tantos anos. Quando não havia mais ninguém, pelo menos era o que parecia, de repente, pássaros voam assustados.

O couro que cobria a entrada de uma cabana foi afastado e surge um velho índio, curvado pelo peso dos anos e com os cabelos completamente brancos. Atrás dele caminha uma linda jovem índia.

Ele é um velho guerreiro sem forças para acompanhar a tribo em busca de novas terras. Ela chamava-se Yari e era sua filha mais nova, que não teve coragem de abandonar seu velho pai, certa que sozinho ele não iria sobreviver.

Numa triste tarde de inverno, o velho entretido colhendo algumas frutas, assustou-se quando viu mexer-se uma folhagem próxima. Pensou que fosse uma onça, mas eis que surge um homem branco muito forte, de olhos cor do céu e vestido com roupas coloridas. Aproximou-se e disse-lhe: - Venho de muito longe e há dias ando sem parar. Estou cansado e queria repousar um pouco. Poderia arranjar-me uma rede e algo para comer?

- Sim, respondeu o velho índio, mesmo sabendo que sua comida era muito escassa. Quando chegaram à sua cabana, ele apresentou ao visitante a sua filha. Yari acendeu o fogo e preparou algo para o moço comer. O estranho comeu com muito apetite. O velho e a filha cederam-lhe a cabana e foram dormir em uma das outras abandonadas.

Ao amanhecer o velho índio encontrou o homem branco e fez de tudo para que ele parasse. O outro, porém, respondeu-lhe que tinha percebido a necessidade dos dois e se propunha ajudar. Dito isso, embrenhou-se em direção à floresta. Depois de algum tempo retornou com várias caças.

- Vocês merecem muito mais! explicou o homem. Ninguém já me acolheu com tanta hospitalidade, me dando tudo o que possuíam. Falou também que tinha sido enviado por Tupã, que encontrava-se muito preocupado com a sorte dos dois.

- Pela acolhida que recebi, lhes reservo o direito de atender a um pedido. Diga o que deseja! O pobre velho queria um amigo que lhe fizesse companhia até o findar de seus dias, para que pudesse deixar de ser um fardo para sua doce e jovem filha.

O estranho levou-lhe então até uma erva mais estranha ainda dizendo: - Esta é a erva-mate. Plante-a e deixa que ela cresça e faça-a multiplicar-se. Deve arrancar-lhe as folhas, fervê-las e tomar como chá. Suas forças se renovarão e poderá voltar a caçar e fazer o que quiser. Sua filha poderá então retornar a sua tribo.

Yari resolveu que de qualquer jeito jamais partiria. Ficaria para fazer companhia ao pai. Pela sua dedicação e zelo, o enviado do tupã sorriu emocionado e disse: - Por ser tão boa filha, a partir deste momento passará a ser conhecida como Caá-Yari, a deusa protetora dos ervais. Cuidará para que o mate jamais deixe de existir e fará com que os outros o conheçam e bebam a fim de serem fortes e felizes.

Logo depois o estranho partiu, mas deixou na cabeça de Yari uma grande dúvida: como poderia ela, vivendo afastada das demais tribos divulgar o uso da tal erva? E o tempo foi passando...

Em uma tribo não muito distante dali, os índios estavam contentes com a fartura das caçadas. Organizaram uma grande festa para comemorar, não faltava comida e muita bebida. Mas a bebida demais levou dois jovens índios a começaram a discutir. Tratava-se de Piraúna e Jaguaretê. Da discussão ao enfrentamento foi um passo. No furor da briga Jaguaretê empunha um tacape e dá violento golpe na cabeça de Piraúna, matando-o. Jaguaretê foi então detido e amarrado ao poste das torturas. Pelas leis da tribo, os parentes do morto deveriam executar o assassino. Trouxeram imediatamente o pai de Piraúna para que ordenasse a execução. Muito consciente que a tragédia só aconteceu por estarem os jovens sob o efeito da bebida, liberou o Jaguaretê, que foi então expulso da tribo e foi buscar sua sorte no seio da floresta e quem sabe nos braços de Anhangá, espírito mau da mata.

Conforme caminhava e o efeito do álcool era amenizado, mais se arrependia do mal que fizera. Passadas muitas décadas, alguns índios daquela tribo, aventuravam-se na mata fechada em busca de caça que já estava rara no local em que viviam. Entrando no sertão, no meio da floresta, encontraram uma cabana e foram aproximando-se com cuidado, mas mesmo assim foram pressentidos e saiu da cabana um homem muito forte e sorridente.

Muito embora seus cabelos fossem totalmente brancos, sua fisionomia era de um jovem e ofereceu-lhes uma bebida desconhecida. Identificou-se então como sendo Jaguaretê, o índio expulso de sua tribo e que a bebida desconhecida era o mate.

Contou que quando foi abandonado a sua sorte, muito andou e quando estava apertado de cansaço e remorso, jogou-se ao chão e pediu para morrer. Acordou-se com a visão de uma índia de rara beleza que apiedando-se dele disse-lhe: - Meu nome é Caá-Yari e sou a deusa dos ervais. Tenho pena de você, pois não matou por gosto e agora arrepende-se amargamente pelo que fez.

Para suportar seu exílio, eis aqui uma bebida que o deixará forte e lhe esclarecerá as idéias. Levou-o até uma estranha planta e voltou a dizer: - Esta é a erva-mate. Cultive-a e a faça multiplicar. Depois prepare uma infusão com suas folhas e beba o chá. Seu corpo permanecerá forte e sua mente clara por muitos anos. Não deixe de transmitir a quem encontrar o que aprendeu com o mate. - Por tanto, jovens guerreiros, quero que leve alguns pés da erva-mate para a sua tribo e que nunca deixem de transmitir aos outros o que aprenderam.

Aqueles índios voltaram e contaram aos outros o que haviam ouvido. O mate foi plantado e multiplicou-se. Outras tribos apreenderam e foi desta forma que seu uso chegou até nós.




Há porém, uma outra tradição assaz diversa sobre a aplicação e uso da erva-mate. Ela foi também um veículo dos mais eficazes usados na feitiçaria ou magia guaranítica. Narra-se que um feiticeiro foi ensinado por Anhangá como deveria beber a erva, quando quisesse consultá-lo. O pajé seguiu a risca as instruções e desde então fazia maravilhas. Passou a usá-la também como ingrediente nas suas feitiçarias.

Diziam os feiticeiros: - "A erva me disse isso ou aquilo..", quando davam seus oráculos. Os feiticeiros comunicaram seu mistério a outros e, pouco a pouco, o uso se tornou geral. Diziam que não havia coisa que se prestasse mais para causar dano.

Esta bebida também servia de filtros e muitas mulheres fizeram deste negócio um comércio. Ainda hoje se tem o costume, de quando se oferecer a cuia a um amigo, o dono da casa deve sugar os primeiros goles e jogá-los fora, pois por herança deste costume antigo, acredita-se que os primeiros sorvos não são bons. A alegação para tal feito é que o demônio Anhangá contamina a erva com seu maléfico influxo.

Deve-se atirar os primeiros goles da boca para as costas, um por cima do ombro direito e o outro por cima do esquerdo.






HORÓSCOPO DO CHIMARRÃO, nossa Poção Mágica:

Te aconselho a tomar o chimarrão no início do teu dia, mesmo que ele comece às quatro da tarde.

Os índios, seus inventores, o tomavam antes de ir para as batalhas. 0 Chimarrão te dá força e pique para ires à luta no dia a dia, e, ainda por cima, te deixa buenaço ou lindona, no más. Aproveita essa hora sagrada para abrir um livro, jogar um tarot, ou fazer uma meditação sobre a tua vida.

Aí, ficarás bonito ou bonita, por dentro e por fora! E vamos aos locos!

ÁRIES - Esse, acha que a cuia é dele! Tu tá recém pondo a chaleira no fogo, e ele já tá ali, perguntando se tá pronto. Esbaforido, sempre se queima, ou fica com a bomba entupida, pois que não tem paciência pra esperar que a erva assente. Dá-lhe um Trancaço, e diz que no Natal ele vai ganhar uma cuia só pra ele. Não te preocupa, que é loco manso.

TOURO - ele primeiro vê se a cuia é linda, no más, e depois, fica ali, acariciando a dita, com cara de libidinoso. Como em geral, é guloso pra caraco, te passa o mate, mas fica te olhando atravessado, e ruminando... como é do seu feitio. Não vale a pena discutir com o bagual, pois além de cabeçudo, quase sempre é o dono da cuia e da bomba...

GÊMEOS - o vivente já entra no rancho falando e contando causo, trovando e matraqueando que é um inferno. Tudo com a cuia na mão. Até que o povaréu começa a ficar nervoso. Conselho: antes que esfrie até a água da térmica, saiam de fininho e vão tomar mate em outro lugar. Ele nem vai notar.

CÂNCER - esse já pega a cuia com ar de desolado, pois que a cuia lhe lembra a mãe. De tão sentimental, às vezes, ate chora, lembrando do primeiro chimarrão (que a gauchada nunca esquece). Quando sente medo do escuro, dorme com a cuia embaixo do travesseiro. E tem pencas de cuias e bombas entupindo as gavetas... de recordação, ele diz.

LEÃO - loco o convicto, não é que me inventou de mandar gravar um brasão de família na cuia e outro na bomba? Só toma chimarrão, se tiver um povo em volta pra ficar lhe olhando, e aí, aproveita, e desata a trovar e a declamar, esperando que lhe aplaudam. Sempre é bom não contrariar.

VIRGEM - primeiro, ele lava as mãos e todos os apetrechos, depois, confere se a erva é ecológica, e por aí vai. Acha que, o certo mesmo, era cada um ter a sua própria cuia, bomba e mate. Mas, por via das dúvidas, carrega sempre um paninho que, discretamente, vai passando no bocal da bomba. Como é metido a botiqueiro, e conhece todo tipo de erva deste Rio Grande, enquanto mateia, vai dando receitas e curando, de lombriga a esquizofrenia.

LIBRA - flor de fresco, chega a pegar a bomba com o dedinho levantado. Mas compensa, pelo senso de justiça. Só toma o mate depois que todo mundo já se serviu. Pra ele, matear, também pode ser sinônimo de namorar; daí que, se prenda, só faz roda de mate com a indiada marmanja, e, se marmanjo, põe açúcar e mel na cuia, e vai, todo lampero, pro Brique, ver se atrai as mosca, quer dizer, as moça.

ESCORPIÃO - pega a cuia, e matreiro... sai de fininho para algum canto, remoendo traumas, encucações e toda a sorte de loucuras. Sem essa de que vingança é um prato que se come frio, pois que, na água quente do amargo, fica tramando seus planos de vingança (inclusive, e principalmente: Revolução Farroupilha, a revanche!). E, ai daquele que não lhe passar a cuia. Outro que tem fantasias sexuais com a cuia, com a bomba e com a térmica. Só não me pergunte quais.

SAGITÁRIO - em geral estrangeiro, pois sagitariano que é sagitariano, nunca está em seu país de origem; aqui, no Rio Grande, pode ser um carioca, paulista ou baiano que, sem entender nada de tradição, fica mexendo o mate, com a bomba como se o amargo fosse um milk-shake. Conheci um que queria misturar mate com fanta uva.

CAPRICÓRNIO - inventou o tele-chimarrão com pingo-boy e tudo, e o chimarrão de negócios, o qual pratica toda a sexta-feira na sua empresa, que, aliás, exporta cuia, bomba, erva e demais aparatos para a gringolândia. Diz que já tá fazendo até japuca largar o chá e pegar a cuia.

AQUÁRIO - rebelde até a última cuia, acha que esse negócio de chimarrão tá superado. Só não sabe pelo quê. Doido, mas metido a bonzinho, adora um povaréu; daí que, convida todo o vivente que estiver passando, pra sua roda de mate. Acha que se o chimarrão fosse servido na ONU, o mundo seria outro.

PEIXES - inventou a leitura de cuia e "recebe" entidades durante a mateada. Se desconhece o tipo de ervas que usa... mas, diz que faz roda de chimarrão com os daqui e com os do além. Por isso, um conselho de amiga: se a roda de chimarrão for em outra estância, que volte de táxi.

Fonte: Livro "A Bruxa Gaudéria e o bando de loco!", de Rose de Portto Alegre. Martins Livreiro Editora, 2003.

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"E a cuia, seio moreno

que passa de mão em mão,

traduz no meu chimarrão,

em sua simplicidade,

a velha hospitalidade

da gente do meu rincão".

(Glaucus Saraiva)







Bibliografia consultada:

História do Chimarrão - Barbosa Lessa

Mitos e Lendas do RS - Antonio Augusto Fagundes

Lendas do Brasil - Gonçalves Ribeiro

Ilustrações J. Lanzellotti

O Livro do Mate - Romário Martins

Contos Gauchescos - João Simões Lopes Neto

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Obrigado a todos que vierem matear na torre. Perdoem-me se me alonguei em demasia. Faltou ainda uma receita de como se prepara o chimarrão. Juca promete-nos trazer esse assunto em sua próxima visita.

 
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