sábado, 27 de setembro de 2008

O Gavião


Não era dos grandes. Nem dos mais vistosos. Já os vira maiores e mais garbosos. Não tão de perto talvez, mas lembrava-se dos grandes que passavam perseguidos por dezenas de outros passarinhos menores, enquanto eles descansavam sentados no cabo da enxada e o pai enrolava um palheiro.

Seu irmão, Fernando, ia buscar água nessa hora. Era o mais novo. O que menos rendia no eito. Então era dele a tarefa de encher os dois porongos na sanga mais próxima. Ás vezes demorava, talvez como ele, ficasse a assistir ao gavião, tentando se safar da perseguição dos passarinhos que o tentavam afastar o mais possível dos seus ninhos, ou então, como dizia o pai, “era um vadio mesmo!"

Este não era dos grandes, não! - parecia mais o Pinhé-Pinhé que a sua mãe tanto temia. Já o tinha visto de longe um dia, em cima do palanque de concreto da cerca farpada que havia acima do muro. Seria o mesmo?

Sim! Era mesmo um Pinhé-Pinhé! Parecia maior porque estava perto, logo acima do muro.
Parava no ar por uns minutos, antes de mergulhar como uma flecha desaparecendo atrás do muro. Depois, voltava a pairar. No mesmo lugar, parecia.

Não havia conseguido apanhar sua presa?... Ou se conseguira, não lhe teria bastado para matar sua fome?
Que presa seria? Uma cobra? Um rato? Um grilo? Ou seria um pintinho, como sua mãe temia?
As galinhas do terreiro ficavam apavoradas quando um Pinhé-Pinhé estava por perto. Cacarejavam preocupadas e paravam de ciscar, escutando.
Então, como um raio ele vinha, sem se saber de onde e desaparecia adiante, levando mais um pintinho nas garras
As galinhas se alvoroçavam mais e o galo cacarejava grosso. Depois voltavam a ciscar normalmente, como se soubessem que naquele dia ele não voltaria mais. Já haviam pagado o seu tributo diário.

Os mais antigos diziam que gavião Pinhé não come pinto, só carrapato e berne. Que só o Carijó come pinto e cobra. Mas ele vira muitas vezes, um Pinhé-Pinhé sumir com um pintinho novo. Seria falta de carrapatos?
No entanto, este, olhando bem, não levava no bico nenhum pintinho, nem uma cobra, nem um rato. Um grilo, talvez, mas grilo é pequeno. De onde estava não dava para divulgar, ainda mais agora, que o sol o atrapalhava. Ardiam-lhe os olhos. Cegava.
Mário chama-o para o jogo de bola. Não vai. É melhor olhar o gavião.
Mário é quieto. Gosta de jogar bola. No jogo não é quieto. Grita. Pede o passe. Depois do jogo pouco fala. Só uma vez falou da filha Beatriz, e do mal que o patrão lhe havia feito.

Está demorando...
Já faz uns dois minutos que o gavião mergulhou atrás do muro. Será que caçou? Pegou a cobra? O rato? Um pintinho? Grilo não. Grilo é pequeno. Já teria tido tempo de tê-lo comido. Carrapato?

Esperou... Esperou...
Já não havia mais gritos de jogo de bola.
Olhou para trás. Mário estava sentado a um canto do pátio, fumando sozinho. Mais adiante, na sombra, mais uns cinco conversavam.
A sombra do muro já cobria meio pátio. Seria melhor entrar. Logo viria a janta.
Encaminhou-se para a porta principal e entrou.
Sorria ainda, pensando no gavião que vira e desta vez nem prestou atenção ao som metálico do ferrolho que fechava a grade da cela 118 do Pavilhão 9. A sua cela.

Quasímodo – 20/07/08

(Postado por sugestão de Lu. Agradecimentos a ela e à lusa Luzia)


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A REVISTA NOVA ÁGUIA E O MOVIMENTO INTERNACIONAL LUSÓFONO


A Revista A Águia foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal, em que colaboraram algumas das mais relevantes figuras da Cultura Portuguesa, como Teixeira de Pascoaes, Jaime Cortesão, Raul Proença, Leonardo Coimbra, António Sérgio, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva.

A NOVA ÁGUIA pretende ser uma homenagem a essa tão importante revista da (nossa) História, procurando recriar o seu “espírito”, adaptado ao século XXI, conforme se pode ler no seu Manifesto.

Tal como n’ A Águia, procura-se o contributo das mais relevantes figuras da nossa Cultura, que serão chamadas a refletir sobre determinados temas. O primeiro número, já lançado, tem como tema: A idéia de Pátria: sua atualidade. O segundo, a ser lançado em Novembro, terá como tema: António Vieira e o futuro da Lusofonia.
O terceiro, a sair no 1º semestre de 2009, será dedicado a: O legado de Agostinho da Silva, 15 anos após a sua morte.

A Revista resulta de uma parceria entre a Editora Zéfiro, a Associação Marânus/Teixeira de Pascoaes, que será a sua sede a Norte de Portugal, e a Associação Agostinho da Silva, que será a sua sede a Sul (Rua do Jasmim, 11, 2º andar – 1200-228 Lisboa.

Concomitantemente, foi também criado um Movimento cultural e cívico, o MIL: MOVIMENTO INTERNACIONAL LUSÓFONO, a que poderá aderir, caso se reconheça na sua Declaração de Princípios e Objetivos.

Para maior conhecimento, acesse o que “Da Torre Vejo”, ao lado, ou
http://novaaguia.blogspot.com/


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DIVULGUEM

Uma bela biblioteca digital, desenvolvida em software livre, mas que está prestes a ser desativada por falta de acessos. Imaginem um lugar onde você pode gratuitamente:
Ver as grandes pinturas de Leonardo Da Vinci;
Escutar músicas em MP3 de alta qualidade;
Ler obras de Machado de Assis Ou a Divina Comédia; ter acesso às melhores historinhas infantis e vídeos da TV ESCOLA e muito mais....
Esse lugar existe!
O Ministério da Educação disponibiliza tudo isso,basta acessar o site:
http://www.dominiopublico.gov.br/

Só de literatura portuguesa são 732 obras!

Estamos em vias de perder tudo isso, pois vão desativar o projeto por desuso, já que o número de acesso é muito pequeno. Vamos tentar reverter esta situação, divulgando e incentivando amigos, parentes e conhecidos, a utilizarem essa fantástica ferramenta de disseminação da cultura e do gosto pela leitura. Divulgue para o máximo de pessoas.

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UM MATE POR TI

.

Na bomba do mate ficaram teus lábios

E o gosto maduro de mel de mirim

E se não mateio depois que partiste

É que ando triste perdido de ti

.

A bomba é uma pomba de penas cansadas

E a cuia morena seu ninho vazio

E agora que foste chegou o inverno

E as águas do mate tiritam de frio

.

Às vezes teus lábios recordam os beijos

Que a bomba trazia de ti para mim

E o mate de ontem me lembra tudo

Que é doce a princípio se amarga no fim

.

Por outras me indago se não vale a pena

Trocar um capricho por um chimarrão

Tomar mais um mate por ti que levaste

Meus restos de doce da palma da mão

.


(Composição de Vinivius Brum, Beto Bollo e Aparício Silva Rillo)

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Abraço a todos os visitantes da Torre. Sejam bem vindos.

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sábado, 20 de setembro de 2008

O novo visual da Torre e o amigo Juca Melena


A Torre passou por reformas. Eu havia alertado, no início, de que isso poderia acontecer.

Reformamos a casa, trocamos de roupas, mudamos o penteado e o visual.

A vida se encarrega de fazer outras mudanças, umas passageiras e sutis, outras definitivas e profundas.

As mudanças na Torre foram arquitetadas pela sensibilidade da amiga Anne com a colaboração da Lu, ambas mestras em edificar amizades. A elas duas, meu carinho infindo.

Cremos ter tornado a Torre mais agradável às visitas, sempre bem-vindas.

Como a visita que recebo hoje, do meu amigo Juca Melena. Gaúcho das Missões Jesuíticas, diz ele ter nascido perto dos Cerros de Santa Tecla, ao lado do M`Bororé, perto de São Borja.

Tratamos-nos mutuamente por “compadre’, embora não haja razão para tal, pois não somos padrinhos de nenhuma criança, filho de um ou de outro, mas por consideração, como ele diz.

De idade ele aparenta cerca de setenta anos, não mais. No entanto, se considerarmos as histórias que ele conta, jurando ter estado presente e interagido nos fatos, terá, certamente, muitos séculos de existência.

Carregou enormes pedras nas costas, ajudando os Guaranis do Padre Roque Gonzáles de Santa Cruz a erigir as torres de São Miguel. Esteve ao lado dos Lanceiros Negros com Garibaldi em Laguna. Foi testemunha da paz imposta em Ponche Verde.

Em 1864 lutou (peleou, no seu vocabulário) contra as forças de Solano Lopes na Guerra do Paraguai. Mais tarde, em 1923, testemunhou os embates entre Maragatos e Chimangos, ora usando o lenço branco, ora o colorado.

Visita a Torre incidentalmente. Chega sem avisar, calçando as velhas botas pretas ressequidas de sempre. Sobe dois ou três degraus e se dá conta do peso das tralhas de montaria que carrega. Joga-as a um canto qualquer e grita:
- Buenas, compadre. Tem bóia? Vim prá pousar...

Convidei-o a contar suas histórias para as “Letras da Torre.” Ele dita e eu escrevo. Procuro fazer a transcrição literal de suas palavras, embora, às vezes, eu intervenha pedindo moderação, pois alguns termos que usa podem causar mal estar a leitores mais refinados.

Ei-lo. Não acreditem piamente em tudo o que ele diz, até que os historiadores possam provar cabalmente a sua veracidade.

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Buenas, Tchê. Tem bóia? Vim prá pousar.

Me pedes para contar uns causos? Pois conto.

Bota aí: (Carece apagar o palheiro? Não?... Então...)

Conto de mim, por primeiro.
Meu nome é Juca Melena.
Minto!...
De batismo e de papel sou mesmo José dos Santo. José por causa do santo e Santo por causa do pai.
Juca, não sei de onde trago, mas de Melena eu conto, pois bem me lembro.
Foi por obra de uma prima, mui linda e de olho azul, alemoa por cruzamento. Então... Fui sestear certa feita, na casa dela, na Vila Oeste, quando eu balseava umas toras de canjerana para entregar em Corrientes e o Uruguai tava baixo. O Salto Grande – Yucumã – não dava vaza. Então encostei a balsa para esperar a enchente. Nesse entremeio de espera fui visitar a tia, pois que longe não era. Coisa assim, de poucas léguas, do lado barriga verde do rio, pras bandas de Palma Sola.

A prima essa, do olho azul de quem lhes falo, alcunhou-me de Melena, por conta das crinas compridas que ainda eu tinha na época.

Muy hermosa, ela, a prima. (Escutou o sotaque castelhano, compadre?... Então... Aprendi com as correntinas.)

Mas bueno...

Tenho uma bem querença por demais de grande por este guri, meu compadre. Quando chego assim meio estropiado, é por aqui que me arrancho. Tem bóia de primeira e a prosa é boa.

(Pintastes o rancho, bagual? Parece ter mão de china nestes caprichos. Tem?... Então... Enrabichou-se?... Não?... Então...)

O causo? Ah, o causo!

Pois como tava lhes contando, conheci este qüera desde o desmame. Andava lá, pelas mangueiras, mexendo em bosta de vaca, alambrando sabugos e tocando boi de osso por diante.

Quando ficou mais retovado, não se prestou para a lida. Tinha, assim, o espinhaço torcido prá frente, como um anzol de jundiá, sem a fisga. Não era de montaria. Até mesmo quando montava de encilha na égua mansa das prendas, plancheava logo no primeiro trote.

O patrão velho, que era bueno barbaridade, entrou nuns entendimentos com uma tal tia, de nome Amália, que morava na Vila, e mandaram o estrupício prá lá, prá aprender as letras e virar doutor.

(Me alcance o mate! Então...)

Eu, por essa conta, fiquei na estância. Nos dias de sol, amanunciava aporriados, nos de chuva limpava os galpões e lidava com tentos. Quando a pachorra azucrinava por demais, tinha uma revolução de permeio.

(Pega a cuia, que roncou... Então...)

De letras, sei muito pouco. Desenho o nome male mal. De reza decorei a Ave Maria até o bendito o fruto. Do Pai Nosso, até as ofensas. Mas nas contas não me atrapalho, sei bem quando querem me lograr no troco.

De resto, venho pro pouso. Vim saber desta querência meio que por acaso. Da venda do Lupercino, quando tomava uma canha, eu vi um andar meio que, por assim dizer, capenga de um lado. Pois que me atiçaram as lembranças, vim de atrás. Era mesmo o estrupício, bem mais taludo. Fiquei por aqui, meio encabulado, mas pousei...

(Tem mão de china nestas paredes. Pelo cuidado!... Enrabichou-se?... Não?... Então...)

Mas bueno, lavou a erva. Me acomodo por aqui, neste baldrame. É escada?... Então...


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Juca Melena voltará. Ele sempre volta. Prometeu-me trazer uns “causos” e a gaita. Pode tocar na Torre, Anne? Não é um sacrilégio?
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Logo após a publicação desta postagem, recebi, por vários meios, reclamações de que muitos termos e expressões usadas pelo Juca Melena são de difícil entendimento. Concordo. Foi falha minha. Habituei-me com esse linguajar e não me dei conta de que nem todos que visitam a Torre vêm do Rio Grande do Sul ou tiveram um convívio suficientemente prolongado e envolvente a ponto de entender os termos usados por ele.
Para reparar esta falha involuntária minha, publico um pequeno glossário de termos e expressões que considero de mais difícil entendimento, para quem vem de fora.
Algumas palavras e explicações são de minha própria tradução e lavra, por não ter encontrado definições em publicações disponíveis. Outras, credito às seguintes fontes: Dicionário Priberam de Língua Portuguesa (
http://www.priberam.pt), Dicionário Gaúcho, do Site Invernada de Guapos (http://www.invernadadeguapos.hpg.ig.com.br) e extremamente útil o glossário de termos gauchescos da Universidade Federal de Pelotas, que recomendo (http://www.ufpel.tche.br/pelotas/glossario.html) .
Se, ainda com este adendo, pairar dúvidas, recomendo aos visitantes que se reportem a mim, especificando os seus não entendimentos no espaço reservado aos comentários. As palavras abaixo não estão em ordem alfabética, mas na sequëncia em que aparecem no texto.

MELENA: Cabelo comprido, cabelo desgrenhado, gadelha. Parte da crina do cavalo, pendendo da cabeça sobre a fronte.

CAUSOS: Contos, estórias.

MARAGATO: Nome dado aos sulistas que iniciaram a Revolução Federalista no Rio Grande do Sul em 1893 em protesto à política exercida pelo governo federal representado na (então) província por Júlio de Castilhos. Os Maragatos eram identificados pelo uso de um lenço vermelho (colorado) no pescoço. Na Revolução de 1923 desencadeada contra a permanência de Borges de Medeiros no governo do Estado, novamente a corrente Maragata rebelou-se, liderada pelo diplomata e pecuarista Assis Brasil.

CHIMANGO: (Ou Ximango): Alcunha dada no Rio Grande do Sul aos partidários do governo de Borges de Medeiros na Revolução de 1923. Identificavam-se pelo uso do lenço branco amarrado no pescoço. Chimango, (termo usado pejorativamente pelos adversários políticos Maragatos, já que consideravam Borges de Medeiros um usurpador) é uma ave de rapina, comum na campanha rio-grandense, parecida com o carcará, porém menor do que este.

CARECE: (Carecer), precisa (do verbo precisar), necessita.

PALHEIRO: Cigarro de confecção manual em que o fumo é enrolado em uma palha de milho.

SESTEAR: Descansar, dormir a sesta. Abrigar do calor (o gado).

BALSEAVA: Conduzia a balsa.

TORAS: Troncos de madeira.

CANJERANA: Árvore de madeira vermelha ou rosada, conhecida também como cedro-canjerana.

CORRIENTES: Província (estado) argentina.

YUCUMÃ: Do Tupi-Guarani: Salto Grande. Queda de água, cachoeira existente no rio Uruguai, localizada no Parque Estadual do Turvo, no município gaúcho de Derrubadas. Com 1.800 metros de extensão é considerado o maior salto longitudinal do mundo.

VAZA: Vez, oportunidade.
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ALCUNHOU-ME: De alcunha; apelido. Apelidou-me

ESTROPIADO: Diz-se do animal sentido dos cascos, com dificuldade de andar em conseqüência de marchar por estradas pedregosas.

CHINA: Descendente ou mulher de índio ou pessoa do sexo feminino que apresenta alguns traços característicos étnicos das mulheres indígenas. Mulher morena. Mulher de vida fácil. Esposa.

QÜERA: Homem destemido, desabusado. Pessoa valente.

ALAMBRANDO: De alambrado. Aramado. Cerca feita de arame para manter o gado nas invernadas ou potreiros. Cerca. Alambrando: Construindo uma cerca.

RETOVADO: Embora no Rio Grande do Sul possa ter o significado de falso, fingido, aqui Juca usou o termo para significar grande, crescido, mas manhoso. (Definição do Anfitrião da Torre).

JUNDIÁ: Peixe de água doce. Nome vulgar de diversos gêneros de peixe.

ENCILHA: Apertar a cilha (no cavalo). Conjunto de apetrechos para montaria. Montar de encilha: Montar o cavalo devidamente preparado para tal, com segurança.

PLANCHEAVA: Caía de lado.

ESTRUPÍCIO: Pessoa feia. Pessoa esteticamente desacertada, esquisita.

ESTÂNCIA: Estabelecimento rural destinado à cultura da terra e, sobretudo, à criação de gado vacum e cavalar.

AMANUNCIAR: Amansar um cavalo sem o montar. Domesticar um animal, tirando-lhes as manhas por meios brandos, sem o molestar.

APORRIADOS: (Aporreados): Cavalo mal domado, indomável, que não se deixa amansar. Aplica-se também ao homem rebelde.

LIDAR COM TENTOS: Tentos: Tiras de couro de gado vacum que depois de curtido ao sol são usados para a feitura de diversos apetrechos para o trabalho no campo. Lidar com tentos: Trabalhar o couro, já curtido, para a confecção de apetrechos da lida campeira, como laços, rédeas, e outros para “encilhar” o cavalo.

POUSO: Pernoite. Vir para o pouso: Vir para pernoitar.

QUERÊNCIA: Lugar onde alguém nasceu, se criou ou se acostumou a viver, e ao qual procura voltar quando dele se afasta.

CANHA: Corruptela de cana. Aguardente de cana. Cachaça.

CAPENGA: Coxo. Manco.

TALUDO: Crescido, grande, desenvolvido.

ENRABICHAR-SE: Enamorar-se, apaixonar-se.

BALDRAME: Viga de madeira, ao rés do chão circundando toda a casa, que, pelo lado de dentro, fica saliente se não houver revestimento interno.



sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Ao Mestre, Com Carinho

Voltei à Lagoa Vermelha, cidade de meu nascimento. Entre a estação rodoviária e a casa de parentes, que me aguardavam sem saberem o dia e a hora em que eu chegaria, segui a pé. Carregava, na mão direita, uma pequena maleta de nylon azul que estampava a marca de um fabricante de material esportivo. Dentro dela algumas peças de roupas cuidadosamente dobradas, uma sacola plástica de supermercado com as coisas do banheiro que reuni às pressas: pasta de dentes, escova, sabonete e a velha Havaiana de tiras azuis enrolada num jornal. Poucas coisas, o suficiente, no meu entender, para dois dias de permanência.

A mão esquerda segurava, pelo colarinho e sobre o ombro, a jaqueta rota que vestira pela manhã, seis horas antes, ao sair de casa, pois que estava frio, trezentos quilômetros ao norte.

Ao desembarcar do ônibus, minutos antes na plataforma, um misto de nostálgica euforia e a sensação de anonimato, já esperado, mas não desejado, me invadiu.

A voz feminina, nasalizada e monótona de 30 anos atrás se sobrepôs ao burburinho geral: “-Atenção senhores passageiros! Partirá neste horário o ônibus da Empresa Manfredi com destino à Lajeado dos Ivos, Capão do Cedro, Capão Alto e Santa Luzia. Queiram ocupar os seus lugares e boa viagem!...” Seria a dona dessa voz, a mesma pessoa ainda?

Gentes corriam afoitas ao portão de embarque determinado. Homens de bombacha azul-marinho, botas com o cano quase aos joelhos, lenços no pescoço, pretos uns, a demonstrar o luto pela perda recente de um parente. Alguns deles tinham o rosto vermelho, suado, e exalavam cheiro de cerveja quente. Mulheres arrastavam sacolas e conduziam crianças pela mão que sobrara livre.

A Avenida Benjamin Constant estava diferente. Uma camada de asfalto cobria as pedras irregulares de outrora. O Novo Hotel, à esquerda, do outro lado da rua, ainda exibia seu letreiro luminoso, embora velho. A loja “Disco de Ouro”, onde comprei meus primeiros LP´s dera lugar a um pequeno bazar a abrigar umas três cabines telefônicas ao fundo das prateleiras de cadernos, presentes baratos e ursinhos de pelúcia.

A Escola Normal Rainha da Paz ainda era a mesma em que, há quase meio século, aprendi as primeiras letras, minha mão sendo conduzida, com paciência, pela mão delicada e macia de uma normalista estagiária.

Deu-me uma súbita saudade da escola. De todas as escolas. Decidi voltar, afinal, embora aguardado, não tinha nenhum motivo para pressa. Voltando sobre meus passos dobrei à esquerda e desemboquei na Avenida Afonso Pena com seu largo canteiro central arborizado em toda a sua extensão. Passei por vários lugares da infância, sem prestar muita atenção. Meu objetivo era o Colégio Duque de Caxias, onde cursei o Ginasial e o Científico.

Não há mais o colégio. O prédio antigo e desbotado deu lugar à uma extensão do Hospital São Paulo. O pátio de cimento onde tantas vezes ralei o joelho e os cotovelos jogando futebol parece agora ter se convertido em estacionamento.

Inevitável não lembrar os colegas, as namoradas imaginárias e os professores, especialmente de um. De pequena estatura, passos rápidos, já avançado nos anos, tinha a árdua missão de fazer-nos entender a língua portuguesa e suas regras e tomarmos gosto pela literatura da mãe pátria latina.

Professor Fidélis. Frei Fidélis. Fidélis Dalcin Barbosa.

Tive o prazer de conhecê-lo quando ele há pouco havia voltado de uma estadia em Portugal. Se foram suas lembranças recentes das terras lusitanas que o tornava tão eloqüente e apaixonadas as suas aulas, nunca soube. Sou, no entanto, testemunha da sua empolgação ao ministrá-las.

Com o passar do tempo nós, alunos, aprendemos um recurso ardiloso para obtermos boas notas quando nossos conhecimentos gramaticais se escasseavam e se perdiam entre as concordâncias verbais e adverbiais. Bastava recitar alguns trechos de Camões, de Eça de Queirós ou de Fernando Pessoa, que os conceitos melhoravam substancialmente. Recitei muito “Tabacaria”.

Nessa época o professor Fidélis já havia publicado diversos livros. O primeiro que li foi “O Prisioneiro da Montanha”, a história revivida de um Robinson Crusoé em terras gaúchas. Mais tarde li outros, dentre os quais “Uma Estrela no Céu”, livro que descortinou ao público um fenômeno de fé que existe num crescendo em Passo Fundo à respeito de uma moça, Maria Elisabeth de Oliveira, tragicamente morta atropelada por um veículo que fazia o transporte de passageiros na cidade, no ano de 1965, às vésperas de comemorar quinze anos. O túmulo dessa moça, localizado no cemitério da Vila Vera Cruz, é hoje, local de romaria de devotos em agradecimentos à graças alcançadas e a novos pedidos, principalmente no dia de Finados. Muitas pessoas têm essa obra em sua cabeceira, como livro de orações.

Poucas vezes vimos o professor Fidélis de mau humor. Se bem me lembro, a única vez que o vi triste, foi quando lhe roubaram uma velha máquina de escrever, cujas teclas tinham um posicionamento diferente do habitual. Um colega emprestou-lhe uma Remigton, moderníssima para a época. Não aplacou sua tristeza, pois que nela não encontrava as letras. Anos mais tarde, em um depósito de leilão, encontrei uma máquina similar à que lhe roubaram. Comprei quase que instintivamente e ainda a guardo.

Na casa dos anfitriões, eu soube que o professor Fidélis Dalcin Barbosa falecera anos antes.

Não poderia deixar de reverenciá-lo ao iniciar este projeto, pois se houver algo de correto nos escritos da Letras da Torre, muito a ele deve-se creditar.

















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Algumas obras do professor Fidélis Dalcin Barbosa (sem cronologia):
- Clelia Merloni – Apóstola do Amor
- O Prisioneiro da Montanha
- Semblante de Pioneiros
- Vacaria dos Pinhais
- História do Rio Grande do Sul
- 80 Anos de Amor ao Trabalho
- A Coloninha
- A Diocese de Vacaria
- A Missão de Uma Jovem
- A Rebelião das Águas
- Águas de Piratuba
- Antônio Prado e Sua História
- Campo dos Bugres
- Eu Fui Um Marginal
- Fanáticos de Jacobina
- Daniel Bertelli – Hoteleiro
- Luis Bugre
- Nova História de Lagoa Vermelha
- O Anjo de Cinzano
- O Campo dos Bugres
- O Primeiro beijo
- O Rapaz que não fumava
- Prisioneiros de Vila Velha
- Prisioneiros do abismo
- Prisioneiros do campo
- Prisioneiros dos bugres
- Rita Amada de Jesus
- São Paulo
- São Virgílio da Segunda Légua
- Tesouro escondido no campo
- Uma Estrela no Céu
- Memorial de Olga
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(Voltarei ao tema no devido tempo)
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O título deste artigo, por absoluta falta de criatividade do Anfitrião da Torre, foi baseado no filme “To Sir, With Love” dirigido por James Clavell, com Sidney Poitier no papel principal.

Imagem: Deviant Art


sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Criei um Blog

Criei um Blog... Resisti o quanto pude, mas se tornou inevitável. Aliás, nem o criei ainda. Está em fase de gestação. Espero que os amigos veteranos da blogosfera me ajudem, com críticas e sugestões.

Eu estava me sentindo fora do mundo. As pessoas me olhavam espantadas: "O quê?... Você não tem um Blog?" como se eu não tivesse uma escova de dentes.

Pois bem, agora tenho um Blog. Estou me sentindo muito mais completo, apesar do nome "Quasímodo". Letras da Torre é despretensioso, e se pretensão tiver, será a de acolher aos amigos para discutir temas diversos. Não haverá moderação nos comentários. Reservo-me no direito, entretanto, de excluir comentários ofensivos, de caráter racista, xenófobo, pornográfico, ou qualquer outro que possa denegrir a pessoa humana.

Ele poderá também sofrer mutações inesperadas, na sua forma, seu conteúdo, suas cores e seu sabor. Ou simplesmente desaparecer. Enfim, aprenderei ao caminhar. Sejam bem vindos (as).

 
Letras da Torre - Templates Novo Blogger